O Perfume da Folha de Chá: um livro sobre escolhas, julgamento e perdão
Ninguém disse que fazer parte de uma família era fácil: muito pelo contrário, é um caminho cheio de provações, escolhas e por vezes segredos, e um ato pode definir o curso da sua vida. O livro O Perfume da Folha de Chá, escrito por Dinah Jefferies e publicado pela Editora Paralela, fala exatamente isso.
Sobre o livro O Perfume da Folha de Chá
Gwendolyn, uma jovem recém-casada de dezenove anos, parte para encontrar seu marido Laurence, um viúvo produtor de chá, no Ceilão, uma colônia britânica do Oriente, atual Sri Lanka. O ano era 1925, quatro anos antes da famosa Quebra da Bolsa de Valores de Nova York, que afetaria o mundo inteiro economicamente. Exótico e colorido, o Ceilão era um completo contraste da calmaria da Escócia onde a jovem morara a vida toda, com suas mulheres de saris e elefantes circulando pelas ruas. A moça não podia se sentir mais deslocada. Somado a isso, após sua chegada, ela se depara com um marido distante, uma casa cheia de segredos e uma cunhada misteriosa. O Ceilão era demasiadamente distante e ela estava longe demais de qualquer pessoa familiar que pudesse ajudá-la.
Laurence, que a princípio parecia um homem apaixonado pela jovem, se torna taciturno e misterioso assim que Gwen chega à paradisíaca mansão Hooper. Ele insiste em deixá-la no escuro sobre seu primeiro casamento, bem como com relação ao dia-a-dia das frentes de trabalho e o relacionamento com os funcionários das plantações. Poderíamos ter como premissa que num relacionamento espera-se abertura e compreensão, porém, Laurence parece ir o caminho inverso: ele prefere esconder seu passado, sob medo do que sua nova esposa acharia daquilo tudo — e que vai ficar no mistério mesmo, senão seria spoiler demais!
Assim, quando Gwen chega, a jovem faz amizade com um dos moradores locais, um pintor chamado Savi Ravasinghe. Ele se apresenta muito simpático e solícito, porém o marido de Gwen parece não gostar nem um pouco do rapaz. Mesmo sob a contrariedade de Laurence, ela continua se encontrando com Savi e, em determinado ponto da obra, todos são convidados para um baile. Durante a festa, o casal se desentende e Savi se dispõe a levá-la de volta ao seu quarto, depois que Gwen tinha bebido muito champagne.
Tudo gira dentro da cabeça da jovem e, horas depois de adormecer na cama com a ajuda de Savi, ela acorda semi-despida, com sua calcinha longe. Sem se lembrar do que houve além de ter fechado os olhos, a moça continua com sua vida, logo depois reata com seu marido e tudo fica bem.
Mesmo com todas as provações que a nova vida lhe traz, a moça batalha para ser a melhor esposa e patroa possível, como era de se esperar na época. E então ela descobre que está grávida. Nunca em sua vida Gwen podia estar tão feliz quanto naquele momento, porém, logo após dar à luz, uma escolha deve ser tomada, e esta pode destruir sua família ou destruí-la.
Escolha, julgamento e perdão
Não nos cabe aqui adentrar muito no dilema que a protagonista passa durante as páginas da obra, mas se O Perfume da Folha de Chá pudesse ser definido em três palavras, elas poderiam ser “escolha”, “julgamento” e “perdão”. “Escolha” porque muitas vezes fazemos escolhas pensando no que a sociedade espera ou dirá de nós: por vezes queremos orgulhar nossa família, o que pode fazer com que inconscientemente sabotamos nossos sonhos em prol de um ideal social. Então, é interessante verificar que O Perfume da Folha de Chá retrata exatamente esse clímax da escolha: fazemos porque queremos ou porque temos medo do que acharão de nós por tomarmos um rumo diferente do esperado?
A segunda palavra, “julgamento”, foi escolhida porque somos seres julgadores. O julgamento está intrinsecamente ligado às nossas decisões. Mesmo quando não se quer, julgamos o que o outro fez e seus motivos; rotulamos e supomos antes mesmo de sabermos a verdade ou confrontarmos o que quer que nos incomode. Em O Perfume da Folha de Chá, isso também se torna muito presente ao acompanharmos a trajetória da moça, e em muitos momentos o leitor é levado a supor coisas que nem sempre são verdade. Isso só serve para ressaltar essa nossa natureza julgadora, e o quanto ela pode ser letal para nós.
Por fim, “perdão”, que se conecta com tudo dito acima. Por vezes, determinada escolha parecia ser a melhor para aquele momento, porém, mais tarde, percebe-se que não poderia ter sido pior. No entanto, é necessário que aceitemos que essa escolha moldou aquele que a tomou e que, para aquele momento, pareceu o correto. É aceitar que ninguém é perfeito e que qualquer um está fadado a errar algumas vezes.
As personagens de O Perfume da Folha de Chá
Fica claro então o quão complexo se torna O Perfume da Folha de Chá. As personagens são bastante profundos, reais e identificáveis. Uma cena em especial pode ser citada: num determinado momento, Gwen conhece uma velha amiga do seu marido, Cristina. No primeiro contato com essa personagem, que é feito pelos olhos de Gwen, julgamos rapidamente; guiados pelo pensamento da protagonista, somos levados a crer que Laurence e a mulher podem ainda ter alguma coisa. Julgamos e, assim como Gwen, decidimos que aquela mulher não deve ser muito confiável. Porém, nem sempre essa conclusão é a mais acertada.
A protagonista de O Perfume da Folha de Chá é uma ótima personagem. Não são todas que conseguiriam fazer o que ela fez, muito menos viver consigo mesmas depois. O sofrimento retratado é algo que muitas mulheres já passaram em relação à maternidade e o casamento. Não só isso, ser mãe não é uma tarefa fácil. O amor de uma mãe é impossível de ser medido e esse livro só corrobora com essa afirmação. As outras personagens mulheres são tão bem escritas quanto, porém Gwen merece o posto de destaque pela sua força e garra.
Um pouco de História
Finalmente, O Perfume da Folha de Chá é um livro vivo e agradável de ler. As cores e cenários retratados são de uma riqueza de detalhes extraordinária sem tornar a leitura pesada ou arrastada. A autora faz a descrição na medida certa dos arredores do Ceilão e seu povo, demonstrando a tensão social presente na época — como foi o caso dos nativos que começaram a se unir para lutar pela independência da região, que de fato só ocorreria em 1948 — e até mesmo o conflito étnico que existia.
Os brancos não se relacionavam com os nativos, salvo nas frentes de trabalho; e entre os nativos também havia essa segregação: os cingaleses, um dos povos que no livro são vistos como mordomos ou cozinheiros, desprezavam os tâmils, que eram os colhedores de chá e que ficavam numa condição mais inferior ainda. Apesar do enredo-base de O Perfume da Folha de Chá ser relativamente simples, ele é composto por tantas camadas que se torna uma obra envolvente.
Essa é a segunda obra da autora Dinah Jefferies, que nasceu na Malásia, mas viveu grande parte de sua vida na Inglaterra, e já trabalhou com educação e como artista plástica. Para a criação desse livro, a autora ficou no Sri Lanka, num bangalô de frente para um lago que deu inspiração ao cenário da mansão Hooper.
Originally published at www.siteladom.com.br on March 23, 2017.