Você precisa ler O Poder, de Naomi Alderman

Mariana Miranda
Lado M
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5 min readDec 3, 2018

Em 2017, uma mulher era assassinada a cada duas horas no Brasil, segundo levantamento feito pelo G1. Em 2018, o cenário não mudou: de janeiro a julho, o Ligue 180 registrou 27 feminicídios, 51 homicídios, 547 tentativas de feminicídios e 118 tentativas de homicídios. No mesmo período, os relatos de violência chegaram a 79.661, sendo os maiores números referentes à violência física (37.396) e violência psicológica (26.527), segundo o Ministério dos Direitos Humanos (MDH). O que você faria se tivesse o poder para mudar essa situação?

O Poder, livro de Naomi Alderman, é um romance eletrizante que marca o lançamento da coleção Planeta Minotauro, dedicada à ficção especulativa, que engloba gêneros de horror, fantasia e ficção científica. O livro foi eleito um dos 10 melhores de 2017 pelo The New York Times e fez com que a autora ganhasse o Baileys de ficção, um dos maiores prêmios literários do mundo.

Mas o que faz com que esse livro seja uma leitura obrigatória para todos os que se dizem embaixadores do empoderamento feminino? Simples: O Poder nos faz pensar como seria o mundo se os papéis dos homens e das mulheres fossem invertidos e elas chegassem ao poder — e se tornassem, assim, as agressoras.

O Poder, um romance histórico?

O livro O Poder começa com uma troca de e-mails entre Naomi Alderman e Neil Adam Armon. Neil é um escritor da Associação dos Homens Escritores e resolve enviar seu novo livro para Naomi opinar. O livro, um romance histórico, se propõe a trazer algumas verdades sobre a sociedade em que ambos vivem.

A troca de e-mails pode trazer um estranhamento de início: um homem, claramente inseguro com sua obra, busca a apreciação e opinião de uma autora feminina, que mostra muito mais segurança e experiência em sua resposta. Contudo, essa relação pouco convencional só é explicada quando seguimos com a leitura e entendemos a sociedade em que vivem.

O Poder é um livro dividido por capítulos e narrado por quatro personagens diferentes: Roxy, uma adolescente britânica filha de um grande mafioso; Margot, prefeita de uma cidade dos Estados Unidos e mãe de duas filhas; Allie, uma jovem também dos Estados Unidos que vive com uma família adotiva abusiva; e Tunde, um jovem nigeriano que almeja uma carreira no jornalismo.

O primeiro capítulo é narrado por Roxy: sua casa é invadida por dois criminosos que tem como missão assassinar sua mãe. Em um momento de desespero, a jovem acaba eletrocutando um dos agressores, sem ter muito claro como o fez.

Pouco tempo depois, conhecemos a história de Allie, que era constantemente abusada sexualmente por seu pai adotivo, até que ela escuta uma voz em sua cabeça que diz para eletrocutá-lo. Margot, a narradora mais velha, precisa lidar com o governador dificultando seu trabalho como prefeita enquanto descobre que uma de suas filhas consegue criar ondas de eletricidade com seu próprio corpo.

Já Tunde, o único homem a narrar a história, ganha notoriedade no mundo após gravar um dos que seriam os primeiros ataques elétricos femininos contra um homem.

A voz diz: você ouviu o que elas disseram. Ela passou a maçã para Adão.
Allie pensa: talvez ela estivesse certa ao fazer isso. Talvez fosse disso que o mundo precisasse. Uma sacudida. Algo Novo.
A voz diz: essa é a minha menina.

Durante o decorrer de 10 anos, acompanhamos a trajetória dessas quatro personagens que se desenvolvem em uma sociedade em transformação. O poder que aparece nas mulheres mais novas e que podem ser despertadas nas mais velhas é o fio condutor de todas essas mudanças.

Conforme as mulheres vão tomando conhecimento desse novo poder, se inicia uma ascensão social feminina rumo ao governo, seja através da política ou de revoltas violentas em diversos lugares do mundo. Os homens tentam a todo custo manter seus status, porém pouco a pouco vão perdendo as batalhas, até que os papéis se invertem totalmente.

Uma importante reflexão sobre o poder

A obra prima de Naomi Alderman traz muito mais do que incômodos e angústias: ela nos faz refletir o quanto o mundo seria realmente mais pacífico e diferente se as mulheres estivessem no poder no lugar dos homens.

Mãe Eva diz: — Você é forte, não é? Tão forte quanto qualquer outra.
— Mais forte do que qualquer outra, minha cara. É por isso que você gosta de mim?
— Alguém forte pode ser útil para a gente.
— Ah, é? Você está planejando alguma coisa grande?
Mãe Eva inclina o corpo para a frente, põe as mãos no joelho dela. — Eu quero salvar as mulheres — diz.
— Tipo, todas elas? — Roxy ri.
— Sim — diz Mãe Eva –, se eu puder. Quero chegar até elas e dizer que agora existem novas maneiras de viver. Que podemos nos reunir, que podemos deixar os homens seguir seu próprio caminho, que não precisamos seguir as antigas regras, que podemos criar um novo caminho.

As quatro personagens protagonistas de O Poder acabam lutando para que o domínio masculino caia e o mundo torne-se um lugar mais igualitário para todas. A própria forma como o poder é passado das mais novas para as mais velhas lembra o movimento feminista dos últimos anos: as novas gerações estão quebrando paradigmas e têm o desejo de mostrar para as antigas — principalmente para as mulheres mais velhas — que existem outras formas de se viver.

Contudo, nem tudo acontece como o planejado e algumas mulheres acabam usando o poder para se beneficiar da situação, como por exemplo estuprando homens e abusando do poder militar. Os homens começam a viver com medo e precisam buscar o amparo de figuras femininas para conseguirem andar na rua e viver suas vidas “normalmente”. Parece familiar?

O Poder vai muito além de um livro sobre sexismo. Ele mostra as diversas facetas do poder, e serve como um alerta bastante pertinente de que não importa quem seja o governante, a sociedade pode encontrar o mesmo fim se for pautada pela vingança e pelo ódio ao outro.

Sobre a autora de O Poder

Naomi Alderman nasceu em Londres, na Ingalterra. É escritora, colunista da seção de tecnologia do The Guardian e roteirista de games. É formada em Escrita Criativa pela Universidade de East Anglie, além de Filosofia, Política e Economia pela Lincoln College, em Oxford. Ela iniciou sua carreira literária com Desobediência, um controverso romance lésbico. Participou do programa Rolex Mentor and Protégé Arts Iniciative, tendo como mentora e orientadora Margaret Atwood (O conto de aia).

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Mariana Miranda
Lado M
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Formada em Jornalismo pela ECA-USP e cofundadora do Lado M