Obrigada por tudo, Beth Carvalho!

Natália Sanches
Lado M
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3 min readMay 1, 2019

Tive o primeiro contato com a música de Beth Carvalho quando achei em casa um disco “O grande encontro do samba”, cuja capa tinha a imagem da cantora. Escutei a música “Samba de Arerê” até decorar cada batuque e colocava a música pra tocar toda vez que precisava sair da cama pra fazer o dia acontecer. Anos mais tarde, ao participar da bateria da minha antiga faculdade, tentava tirar suas músicas no tamborim e, na última quinta-feira, cantei até me cansar a música “Vou festejar” no famoso samba da Geografia, na cidade universitária que hoje vivo.

Quando uma mulher dessas incríveis já não está mais entre nós, não só o samba brasileiro perde, mas muitas mulheres que enxergavam na figura de Beth sua representatividade também sentem muito. Assim como praticamente todos os espaços brasileiros são masculinos, Beth deixou sua marca de forma tão intensa que se tornou a “madrinha” da música mais popular do Brasil.

Ela era maravilhosa não só no talento da música, do batuque, da voz, mas também nas relações políticas do país que viva. Seu pai foi cassado pela ditadura militar brasileira por ter pensamentos de esquerda e, nesta época, a cantora ajudou a sustentar a família dando aulas de violão. Ela tinha apenas 18 anos e revelou-se não só na juventude, mas durante toda a carreira, uma artista que estava ao lado do povo, cantando para o povo e, principalmente, no meio do povo.

Participou da campanha “Diretas já”, foi grande amiga de líderes populares e nunca se ausentou das principais lutas políticas do país. Apoiadora do MST e defensora de uma cultura especialmente popular, Beth defendia o samba como escudo cultural e não arma política. Em 2007, após um período longe da escola de samba do coração, Mangueira, foi impedida de desfilar pelo até então presidente Percival Pires. Arrasada com a situação, o carnavalesco alegou que ela não criou a escola e deveria seguir as regras, este mesmo carnavalesco, tempos depois, renunciou à presidência da escola após denúncias de envolvimento com tráfico de drogas. Somente em 2009 e com um pedido de desculpas formal por parte da escola (exigência da própria Beth), ela resolveu voltar a desfilar pela Mangueira

Começou a se destacar na música em 1968, quando ganhou o 3º lugar do Festival da Canção com a música “Andança”, cujos versos são clássicos em cada festa e churrasco do Brasil “Por onde for, quero ser seu par.” Apesar da música ser de Cartola, “Rosas não falam” ficou popularmente famosa na sua voz, a música “Vou festejar” é quase um hino que afirma o samba como uma música alegre, apesar de triste. “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão”.

Além de toda a relação política, na luta feminista ela não era diferente. Beth nunca se declarou publicamente feminista, mas também não precisava. Todas as suas atitudes revelavam uma mulher totalmente consciente do seu lugar na sociedade e na luta pela igualdade de direitos. Divorciada nos anos 80 depois de ser casada com um jogador de futebol, ela canta a música “Se vira” para os homens que usavam a mulher justamente como “mãe” e não parceira.

“Então malandragem
Agora você, se vira
Se liga no fato, rasguei o contrato
Acabou a mentira.
Vai enfrenta a vida
Esquenta a comida do congelador
Que eu já tenho outro amor”.

Beth Carvalho será homenageada no Carnaval de 2020 no Rio de Janeiro e em todos os carnavais do Brasil, assim como é lembrada em cada roda de samba do país. Seus 34 discos e 50 anos de carreira serão eternizados nos quatro cantos do Brasil e, por mais que “intelectuais” achem que homenagens simples são insuficientes, eu acho que, independente de como Deuses são representados, por tantos “céus” que Beth passar, festejaremos sua chegada.

Obrigada por tudo, Beth!

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Natália Sanches
Lado M
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é Natit. Professora especializada em Estudos Brasileiros, paulistana de nascença, mas catarinense de coração. 17 tatuagens e cabelo curtinho. Gosta de tulipas.