Orlando, de Virginia Woolf, é um livro imperdível sobre transexualidade

Isabela Borrelli
Lado M

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Transexualidade e as questões do gênero feminino são pautas atualíssimas que ainda incomodam muita gente. Você já chegou a pensar em como era em plena década de 1920? Muito pior, eu imagino. Mas isso não foi problema para a escritora Virginia Woolf escrever o livro Orlando, uma biografia fictícia onde ela aborda tais questões de forma sutil e irônica.

Para falar do livro, é importante começar pelo início e isso quer dizer comentar a introdução, Orlando: a Vita Nuova de Virginia Woolf, escrita por Sandra M. Gilbert. Nela, Gilbert aborda questões cruciais que influenciaram Woolf a escrever o livro. Entre elas, a mais relevante é sua paixão pela aristocrata e amiga, Vita Sackville-West, no qual o livro se inspirou. Dessa forma, é preciso saber que Orlando é Vita e vice-versa.

Outra influência para Woolf foi a sua participação no Grupo de Bloomsbury, círculo de intelectuais e artistas da época em que questões como o feminismo (no qual Virginia esteve envolvida por meio da sua obra Noite e Dia, que aborda o movimento sufragista) e sexualidade eram discutidas com naturalidade.

Dando esse panorama geral sobre as circunstâncias no qual o livro foi escrito, bate uma tristeza por não poder conhecer pessoalmente uma personalidade como Woolf. Já tinha lido Mrs. Dalloway e me encantado pela fluidez com que a escritora entrelaça seus personagens para um final catártico, trazendo temas como depressão e suicídio para o centro da discussão (vou deixar um suspense para instigar os curiosos).

Já em Orlando, a escritora dá um show ao contar a história de um nobre inglês que aparentemente passa por todas as experiências que se possa ter na vida, tais como desilusão amorosa, decepção, sucesso, entre outras, quando chega na idade dos 30 anos. É então que um dia Orlando acorda com o corpo de mulher.

O que surpreende não é a simples transição de sexo, mas a forma com que Woolf narra essa mudança.

Orlando havia se transformado em mulher — isso é inegável. Mas, em todos os demais aspectos, continuava a ser precisamente como era antes. A mudança de sexo, embora viesse a alterar o futuro deles, nada fizera para lhes mudar a identidade. (…) A memória dele — mas daqui em diante, para obedecer às convenções, devemos dizer “sua” e não “seu”, e “ela” e não “ele” — ou seja, a memória dela percorria todos os eventos do passado sem encontrar o menor obstáculo.

Muitas pessoas, levando isso em conta e considerando que tal mudança de sexo é contrária à natureza, fizeram ingentes esforços para provar que (1) Orlando sempre fora mulher e (2) que Orlando naquele momento era homem. Deixemos que os biólogos e psicólogos decidam. Para nós, basta expressar o simples fato de que Orlando foi homem até os trinta anos, quando se transformou na mulher que continua a ser desde então.

A partir daí, Orlando se depara com diversas questões e até limitações que o mundo feminino traz, as quais não faziam parte de sua vida enquanto homem.

Lembrou-se de como, quando homem, insistira em que as mulheres fossem obedientes, castas, perfumadas e bem cuidadas. “Agora vou ter que pagar pessoalmente por esses desejos, pois as mulheres não são (a julgar por minha breve experiência deste sexo) obedientes, castas, perfumadas e bem cuidadas por natureza. Só conseguem essas graças, sem as quais não gozam nenhuma das delícias da vida, mediante a mais tediosa disciplina.”

Apesar de a sexualidade ser o tema principal do livro, Orlando também aborda a questão do tempo, uma vez que a personagem, desde que muda o sexo, vive por mais trezentos anos sem envelhecer, já que o livro começa no final do século XVI e termina somente em 1928.

Em resumo, Orlando é uma obra leve com temas grandiosos e uma pitada de ironia que só Virginia Woolf sabe trazer. Leitura indispensável!

Originally published at www.siteladom.com.br on June 15, 2016.

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