Como Se Estivéssemos Em Palimpsesto de Putas, de Elvira Vigna

Giovanna Lukesic Reis
Lado M
3 min readMay 2, 2017

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Em Como Se Estivéssemos Em Palimpsesto de Putas, Elvira Vigna escreve assim. Frases curtas. Cheia de pontos. Meio pausada. Como se estivesse contando uma história. Melhor, encenando. As pausas fazem parte do relato, que a cada recomeço volta a assuntos já citados e acrescenta mais um pedaço. Essa estrutura textual se relaciona com o título, um pouco estranho à primeira vista. Palimpsestos são pergaminhos repetidamente raspados para que pudessem ser utilizados novamente ─ o que resultava em várias camadas de palavras meio apagadas no papel gasto.

O livro traz a narradora, uma designer, e João, um chefe de TI contratado para informatizar uma editora quase falida. Por um período, todas as tardes eles se juntam no escritório dele e conversam. Ou mais ou menos isso. João conta sobre seus encontros com garotas de programa, mas no fundo só fala sobre ele próprio: como é incrível e poderoso e transgressor e incrível de novo ─ um tipo que não nos é nada estranho. As figuras femininas ficam no anonimato, reduzidas a objetos de seu poder. João não lembra quase nada das prostitutas, apenas a cidade em que o programa aconteceu.

“As hipóteses acima são todas minhas. Porque João fala um pouco da mini-saia, quase nada da garota gordinha, e depois emenda um de seus assuntos favoritos, nesse dia e em outros, e que é a maravilha que ele é”

A estranheza do título, que nos põe medo no começo, segue difícil nas primeiras páginas. Como em um palimpsesto, João sobrepõe mulheres e suas histórias, apagando-as em nome de algo que julga ser maior: ele mesmo. Como um palimpsesto, a narradora vai acrescentando informações e, seguindo nenhuma lógica senão a de seu pensamento, aborda diversas questões complexas. Pode ser cansativo, mas é a forma escolhida Vigna para trabalhar as questões de gênero na prosa e, no final, funciona bem.

O pano de fundo de Como Se Estivéssemos Em Palimpsesto de Putas é a prostituição, mas também se fala sobre machismo, relações de poder e as figuras da mulher e do homem. A problematização vem acompanhada de sarcasmo, e a narradora desmonta todos os argumentos de João sem muita dificuldade. Afinal, não é um tipo muito complexo e boa parte de nós conhecemos um cara que só consegue enxergar a si próprio; as mulheres, para ele, são meros objetos de seu poder.

É palpável a diferença entre as visões que tem a narradora e João sobre as mulheres que conhecem, como Mari, a companheira de apartamento da designer — que sustenta a si mesma e seu filho por meio da prostituição — e Lola, a esposa do protagonista. São contrastantes, especialmente no caso desta última. E nos faz pensar de que forma nós enxergamos as mulheres que conhecemos, desde mães solteiras com dificuldades como esposas traídas. Vítimas? Donas de si? Fortes? Indefesas? Ingênuas? Vale a reflexão.

Como num palimpsesto, há inúmeras coisas ditas por Elvira Vigna que não fazem parte do texto escrito e é preciso ter uma visão afiada para captar tudo de primeira. Mesmo que um pouco custoso no começo, Como Se Estivéssemos Em Palimpsesto de Putas se desenrola de maneira bastante fluida e merece a leitura, que pode gerar debates interessantes para o feminismo, como a legalização da prostituição e a infidelidade. O livro já está nas livrarias e leva o selo da Companhia das Letras.

Originally published at www.siteladom.com.br on May 2, 2017.

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