Para Sempre, de Ana Maria Machado, faz pensar sobre amores eternos

Eloane Berto
Lado M

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O romance Para Sempre, da escritora carioca Ana Maria Machado, não é uma história de amor tradicional, como sugere o título. Através das 121 páginas, é possível perceber que a obra está mais para um espelho da vida amorosa moderna, que encontra seu reflexo na história da professora Antônia e sua relação com seu futuro marido, o jornalista Daniel. Através da protagonista e de sua família, com um destaque especial para sua genealogia feminina, a autora nos faz refletir sobre as nossas próprias relações românticas e até que ponto elas estão interligadas aos nossos familiares e sociedade como um todo.

Tal como 500 Days of Summer adverte, um filme já clássico da nossa geração, “Essa é a história do garoto que conhece a garota. Mas você deve saber, que não é uma história de amor…”. Ou será que o nosso conceito de amor é que está ultrapassado? Para Sempre discute sim sobre a eternidade, mas não aquela das fantasias e idealizações, mas a do amor no mundo real.

O machismo naturalizado na fala amorosa

Embora a narradora não participe ativamente da história, parece ser a voz feminina aquela que transparece durante todo o romance. Há uma espécie de irmandade entre a autora e suas personagens que, como mulheres, compartilham uma mesma vivência. O ciclo do amor que começa e termina, principalmente pela questão da possibilidade da traição masculina (que é tratada no livro de forma inevitável), perpassa a vida tanto da mãe de Antônia quanto da própria personagem e de sua própria filha, que ao final do livro caminha para o primeiro amor.

A máxima “Para sempre” foge do plano do conto de fadas para representar a circularidade das relações modernas, que geralmente não acabam tão bem como na literatura tipicamente romântica. Essa desconstrução do ideário amoroso, como é de se esperar, também se aplica aos discursos machistas manifestados pelos “falsos príncipes”, crítica aplicada no plano cotidiano de uma maneira sutil, o que fortalece ainda mais a reflexão sobre a questão de gênero que cerca as relações heterossexuais. O pai de Antônia — e, posteriormente, o próprio marido da personagem — traem suas esposas com uma mulher mais nova, justificando a infidelidade como a perda do desejo, o que para eles é considerada natural depois de anos com a mesma companheira.

Assim, fica claro a vítima do amor eterno: a mulher, que desde a primeira infância é levada a sonhar com o casamento e família brincando com suas bonecas, enquanto, por outro lado, o homem parece naturalizar a infidelidade, desde que torna-se o “garanhão da maternidade”. Numa leitura desatenta, o romance parece somente dialogar o cotidiano, quase como uma crônica, quando na verdade prepara o terreno para mostrar ao que veio (e o que para muitos é a real função da literatura): mostrar para a sociedade, através do papel, o que ela mesma não consegue enxergar pela própria janela.

O amor em tempos de… liquidez

Ana Maria Machado, pelo seu olhar perspicaz e inteligente, constrói a sua obra através de referências aos inúmeros contos de amor da cultura ocidental, desde mitos gregos até músicas dos Beatles. Assim, a história de Antônia não pertence somente a ela, mas é de todos que já viveram um grande amor, seja no plano real ou ficcional. Nessa espécie de compilação romântica, como numa versão brasileira de Fragmentos de um discurso amoroso, do francês Roland Barthes, Para Sempre reconstrói as relações que já aconteceram para que o leitor possa se indagar sobre aquelas que viram.

O colombiano Gabriel García Márquez escreve sobre O Amor nos Tempos do cólera, enquanto o amor moderno parece se constituir através de outro autor, o sociólogo Zygmunt Bauman em O Amor Líquido. Pela naturalização de discursos amorosos que parecem existir desde sempre, a autora desperta no leitor uma reflexão sobre as relações modernas, que nascidas de conceitos tão antigos de amor não parecem mais condizer com a vida atual, ainda que busquemos, na maioria das vezes, a magia do amor eterno.

O romance Para sempre é uma leitura leve e obrigatória tanto para os apaixonados quanto para os céticos, já que é uma reflexão sobre nós mesmos, nossos pais, avós e toda a história do amor em nossa sociedade. Ana Maria Machado, ao final da obra, parece resumir a tal sina através da “litania” de Paulo Mendes Campos, pois o amor serve “para renascer sempre novo, nos filhos e nos netos dos antes, em todas as gerações, poeta … Amores acabam e recomeçam. Mas Amor é eterno. Para sempre”. Ou, como dito por Vinicius de Moraes, “que seja infinito enquanto dure”.

Originally published at www.siteladom.com.br on October 9, 2017.

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