Por que devemos ser contra a prática do Childfree em lugares públicos?

Helena Vitorino
Lado M
5 min readSep 1, 2017

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“Crianças são irritantes e não sou obrigada(o) a conviver com elas”.

Quando ouço essa máxima, só consigo me lembrar do dia em que perdi um voo por questão de segundos. Decepcionadíssima com meu atraso, fui direcionada à sala de reprogramação de voos. Essa sala reúne as pessoas mais frustradas do aeroporto. Todos os clientes que estão ali perderam seu voo e terão de remarca-lo.

Foi ali que presenciei a cena mais humilhante de toda minha vida. Um homem havia perdido o voo porque quis embarcar apresentando seu cartão de visitas, e não um documento oficial. Segundo ele, a culpa era da atendente, que não aceitou seu cartão de visitas como prova de quem ele era. Isso foi motivo suficiente para xingá-la de todos os nomes possíveis e imagináveis que a língua portuguesa permite. Ele a rebaixou e humilhou das piores formas. Cravou os olhos em sua face e garantiu que aquele era o último emprego de sua vida. As lágrimas da moça rolaram, grossas (quem trabalha com atendimento ao público sabe como é isso). E o cidadão, que insistia em portar seu cartão de visitas na mão, foi simplesmente a pessoa mais irritante que eu tive o prazer de ver em vida.

Isso por acaso me daria o direito de exigir que a companhia aérea desenvolvesse voos apenas para pessoas educadas, cultas e civilizadas? Não. Pelo simples motivo de que somos seres humanos. E isso diz muito sobre o movimento Childfree

O que é o movimento Childfree?

O movimento Childfree, crescente especialmente nas mídias sociais, vem ultrapassando a ideologia de escolha sobre não gerar filhos. Muitos adeptos expandiram a ideia para a possibilidade de frequentar ambientes em que crianças não sejam permitidas, como garantia da ordem, paz e tranquilidade. Restaurantes, hotéis, voos, teatros, cinemas, e uma infinidade de outros estabelecimentos, segundo a ideia ampliada do Childfree, poderiam adotar em sua política interna que pessoas menores de 18 anos não são permitidas, garantindo assim aos maiores de idade uma experiência livre da irritação que uma criança poderia causar. A iniciativa dá a entender então que toda pessoa menor de idade pode causar algum transtorno ou desconforto. Porém, quando lemos depoimentos — e principalmente comentários de quem defende o Childfree nos ambientes públicos-, vemos que essa ideia diz mais sobre os adultos do que sobre as crianças.

O problema do Childfree em lugares públicos

Quem tende a associar que crianças são irritantes, bagunceiras e barulhentas, e que por isso seu acesso a alguns ambientes deve ser restrito, esquece de considerar vários fatores.

O primeiro e mais óbvio é que a criança é um ser humano ainda em formação social. Ou seja, ainda não frequentou todas as aulas de como se portar em público, e por isso requer um adulto em sua supervisão. Pode parecer novidade para quem se esqueceu de como é ser criança, mas não dá pra você ser “mal-educado” se você ainda está sendo educado.

Isso isenta as crianças de mal comportamento e assegura que todas elas são uns anjinhos? Não. Isso explica que a formação dela é está sendo concluída e que isso deve ser levado em consideração quando se vê uma criança esperneando no chão ou berrando desesperadamente.

Se os estabelecimentos passam a excluir um “tipo” de ser humano em suas dependências, o que nos garante que outros “tipos” também não sejam excluídos, revivendo as tão famosas segregações sociais que algumas comunidades já conhecem?

Outro fator que pode passar despercebido é que há adultos podem ser tão irritantes, bagunceiros e barulhentos quanto crianças. Ninguém está livre de ter uma noite desagradável no restaurante ou uma experiência lamentável como a que tive na remarcação de meu voo.

Querer estar “só entre pessoas legais” é um hábito que pode até ser praticado nos círculos sociais íntimos. No entanto, beira a insanidade quando passa a ser adotado por instituições privadas e públicas.

Precisamos falar sobre os estabelecimentos

Aos ambientes que justificam não ter espaços adequados para receber crianças, vale ressaltar que essa justificativa é velha e antiquada. Há escolas e restaurantes que usam da mesma desculpa para rejeitar pessoas com deficiência física. Esses lugares argumentam que não há estrutura suficientes para atender esse público. Ou seja: o cadeirante deve procurar uma outra opção, porque nosso espaço não é adequado.

Mas até quando os estabelecimentos podem se esquivar de adaptarem seus ambientes para acolherem a todas as pessoas, sem diferenciá-las? Assim como pais e mães devem ter noção e responsabilidade de locais de segurança para seus filhos, as instituições não podem se desviar dessa necessidade. E por que? Pelo simples motivo de que ser inclusivo é ser civilizado. Se há shopping centers que conseguiram disponibilizar uma frota de carrinho de bebês para atender às famílias, e se ha restaurantes que conseguem investir um dinheiro a mais para adquirir alguns cadeirões, pode apostar que mal não fará aos estabelecimentos que se conscientizem e adequem seus espaços aos adultos, às crianças e às famílias.

Todas as pessoas devem ser respeitadas

Às pessoas que já têm filhos, discriminações são comuns, embora só agora venha sendo discutido e defendido tão abertamente. Basta um grito de suas crias para que olhares inquisidores surjam em sua direção. “Como é que você educa esse ser?”, ou “O que você está esperando para tirá-lo daqui?”. As mães, que estão ainda mais acostumadas com o julgamento social, experimentam constantemente essa sensação. Isso acontece, principalmente, quando amamentam em público, ou quando precisam trocar a fralda de seus bebês.

Os portadores de necessidades especiais também já estão cansados do costumeiro olhar de ódio. Isso acontece quando, por exemplo, o transporte para por alguns minutos para ativarem o elevador de cadeira de rodas. E ainda há quem tenha a audácia de gritar “Mas que demora!”.

Humanidade, atenção: considerando as diferenças, todos devemos ter tratamento igual. Se você defende a rejeição de crianças em algum ambiente, pelo simples fato de que você não é obrigado a conviver com elas, saiba que elas também não pediram para que você estivesse ali. Conviver com pessoas diferentes é o que pode tornar sua experiência rica. Então, pense de forma integrativa. Já pensou se você se deparasse com uma plaquinha num restaurante proibindo a sua entrada?

Originally published at www.siteladom.com.br on September 1, 2017.

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