“Quantas relações você já teve?”

Lado M
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4 min readMar 17, 2014

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Ir ao ginecologista, por si só, já é algo muito traumático. E, daquela vez, não havia porque ser diferente. Era só uma consulta de rotina. Na verdade, era a primeira vez que eu iria passar sozinha no médico. Fazia alguns anos que eu não via a cara de um e, sim, eu sabia que era perigoso ficar brincando com a saúde. Por isso, tomei vergonha na cara e fui.

No caminho até o hospital, eu pensava que não havia motivos para constrangimento. Afinal, eu estava com vergonha do quê? De tratar a minha saúde, mesmo que sexual? Sexo é um tabu tão arraigado na população que até mesmo um médico que cuide dos órgãos sexuais é motivo de segredo, que ao ser dito gera sussuros. “Ai, cansei”, eu pensei. No mais, não há do que se envergonhar. ELA é uma médica que sabe como eu me sinto e que tem as mesmíssimas coisas que eu.

Contudo, chegando lá eu descobri que ELA, na verdade, era ELE.

Não que um médico homem me faça mudar de ideia, mas, poxa, era a segunda vez na vida que eu via um ginecologista. Precisava logo ser homem? Logo perguntas como “Será que eu devia ter vindo com uma calcinha melhor?” e “Aí, merda, esqueci de me depilar. E agora?” começaram a borbulhar aos montes na minha cabeça.

Após ouvir o meu nome ser pronunciado, eu seguia pelo corredor solitário como um condenada. Me arrastava e ficava tentando imaginar o que as pessoas pensariam de mim. Será que me achariam promíscua por ir ao ginecologista com um homem? Será que pensariam que eu estava grávida? Ou, pior, será que elas pensariam que eu estava indo lá porque queria iniciar uma vida sexual? Será?

Eu entrei e a porta atrás de mim se fechou.

“Olá. Por favor, tire a sua roupa, coloque o avental e se deite na cama com as pernas abertas”, pede o homem com idade para ser o meu pai.

“Putz, doutor, assim…já…sem nem me levar para jantar?”, pensei em tom brincalhão para descontrair, mas mudei de ideia quando vi a cama com dois suportes elevados para suspender as minhas pernas.

Não tinha como descontrair ali. Seria embaraçoso e eu que aprendesse a viver com isso e ponto.

Evitei olhar em seus olhos quando ele se aproximou. Eu estava a ponto de desistir de tudo. Não iria aguentar a ideia de um médico me avaliando. Que absurdo!

Logo depois, quando eu achei que estava livre da consulta, ele começou a me fazer algumas peguntas usuais até que….

“Quantas relações você já teve?”

Eu hesitei, confesso.

Hesitei porque, na hora, assim, de repente, eu não sabia. Não sabia mesmo com quantos caras eu já havia dormido e, depois, quando me passou pela cabeça chutar um número, eu fiquei com medo que ele fosse me julgar.

“Três”, eu disse. “Todos eram meus namorados, na época”.

Mentira duas vezes. Definitivamente, não eram três. Talvez fossem três multiplicado por três, mas três não era. E outra: eu nunca havia namorado. Nunca. Nunquinha.

A consulta acabou e eu fui embora, digo, fisicamente, porque emocionalmente e racionalmente eu ainda estou naquele consultório. Só que agora sou eu mesma me avaliando.

“Por que eu menti?”

Pelo mesmo motivo que me levou aos inúmeros estúpidos questionamentos no caminho ao ginecologista: tive medo do julgamento alheio sobre a minha sexualidade. Tive medo da moralidade que era, e ainda é, imposta pelos outros, de que as minhas vizinhas, da época de criança, me chamassem de “piranha”, “dada”, “vagabunda”, “mulher da vida”, ou seja lá quais forem os nomes que são dados às mulheres que admitem a sua sexualidade sem vergonha.

As meninas, ao contrário dos meninos, estão fadadas à vida de boas-moças desde que nascem. A partir do primeiro jogo de panelas e bonecas — bebês já foi fadado o seu destino. E, àquelas que ousarem desobedecer, que sofram as consequências. Deve-se saber diferenciar as ‘boas moças’ das ‘putas’, não é mesmo?

Infelizmente, eu acho que parte do meu medo em ser julgada revela um passado de julgamentos alheios. Por outro lado, ninguém está fadado a morrer com a mesma opinião. Eu me descobri um ser dono de si, independente, com necessidades e vontades.

Que fique claro, ninguém faz nada comigo sem que eu permita. De mesmo modo, acredito que ninguém tem o direito de julgar o outro pelo número de relações que essa pessoa teve ou não.

Sim, eu gosto de sexo. Na verdade, eu adoro sexo e faço com a maior frequência que eu conseguir e nem por isso eu sou promíscua, sem valor, sem inteligência, ou quaisquer atributos que valorizamos em um pessoa.

O meu corpo é meu. Não tem porque eu me envergonhar do meu peso, das minhas marcas, dos meus pêlos ou dos meus fluidos.

PS: Saibam que a minha terceira ida ao ginecologista não teve tantas neuras e, mesmo sem saber o número exato — porque eu não fico perdendo meu tempo fazendo contas -, eu disse o número mais aproximado do real. Sem vergonha de assumir quem eu fui e quem eu sou!

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Originally published at www.siteladom.com.br on March 17, 2014.

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