Quantas versões de uma mesma história você conhece?

O Perigo de uma História Única, de Chimamanda Ngozi Adiche, explora a ameaça de conhecer apenas uma versão de um todo

Giovanna Romano
Lado M
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3 min readOct 17, 2019

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Durante a infância e adolescência, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie foi vítima de conhecer uma história única. Em todos os livros que lia, ela deparava-se com personagens estrangeiros e ficou convencida de que os livros tinham que ser assim. “Tudo mudou quando descobri os livros africanos”, ressalta a autora em O Perigo de Uma História Única, publicado pela Cia das Letras. Adaptado de sua primeira palestra homônima no TED Talk em 2009, a autora fala sobre a ameaça de conhecer apenas uma versão de um todo que todos nós enfrentamos.

Chimamanda relata ao leitor que vivenciou a influência de uma história única quando foi estudar em uma universidade dos Estados Unidos, aos 19 anos. A imagem do continente africano era sempre a mesma: miséria e guerras. Assim, os seus colegas a relacionavam diretamente com tal esteriótipo. O trabalho literário da autora foi duramente criticado por não ser “autenticamente africano” — as personagens tinham coisas em comum com os norte-americanos e não passavam fome. A história única, para a autora, é a fonte dos esteriótipos.

“Mostre um povo como uma coisa, somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão”

Os norte-americanos, no exemplo citado, pegaram a complexidade cultural do continente africano e a reduziram a um só aspecto. A colega de quarto de Chimamanda nos Estados Unidos, assim que a conheceu, ficou chocada quando percebeu que a nigeriana tinha um inglês perfeito. O que ela não sabia é que inglês é a língua oficial do país. Outra surpresa: ambas gostavam de Mariah Carey. A colega de Chimamanda tinha apenas uma história única sobre a África e, nela, não havia possibilidade de uma africana ser parecida com uma americana. Segundo a autora, existe uma diferenciação entre o eu e o Outro que enfatiza como nós somos diferentes, “ao invés de como somos semelhantes”.

A autora acredita que há uma relação de poder ao contar uma história única. “Poder é a habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa”, ressalta. O principal perigo de uma versão de uma narrativa é tornar superficial as culturas tão ricas e complexas.

Na sociedade brasileira atual, conseguimos traçar diversos paralelos com a tese de Chimamanda. Os livros didáticos da educação infantil podem ser fontes de uma história única. Como exemplo, a criança aprende o esteriótipo indígena — no qual os índios moram em uma oca, usam cocar e não há diferenciação alguma na cultura de cada povo indígena.

Apesar de Chimamanda apontar para os perigos da história única, ela coloca as histórias também como uma forma de empoderar um povo.

“As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada”

Sobre Chimamanda

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (Foto: Chris Floyd)

Chimamanda Ngozi Adichie é uma das principais escritoras feministas da atualidade. Nascida da Nigéria, é autora de poemas, contos e romances. Seu primeiro romance, Hibisco Roxo, foi publicado em 2003. Seu último livro, Americanah, foi apontado pelo jornal New York Times como um das dez melhores obras de 2013. Além da palestra “O Perigo de Uma História Única”, Chimamanda também falou em evento do TEDx sobre feminismo — em uma palestra intitulada Sejamos Todos Feministas. Seu segundo discurso também se tornou um livro.

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Giovanna Romano
Lado M
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jornalista, comunicadora, atriz, roteirista, cinéfila e feminista.