Quem Tem Medo do Feminismo Negro? traz textos necessários de Djamila Ribeiro

Thais Lombardi
Lado M
Published in
4 min readJul 13, 2018

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Acima de um passado que está enraizado na dor
Eu me levanto
Eu sou um oceano negro, vasto e irriquieto
Indo e vindo contra as marés, eu me levanto
Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me levanto
Em uma madrugada que é maravilhosamente clara
Eu me levanto
Trazendo dons que meus ancestrais deram
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravizados
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto!

Maya Angelou, “Ainda assim, eu me levanto”

No livro Quem tem medo do feminismo negro? (Companhia das Letras, 2018) , a feminista, filósofa e escritora Djamila Ribeiro aborda a importância de se discutir a importância de um feminismo negro, que relaciona o racismo e as opressões vividas pelas mulheres negras. É um compilado de artigos publicados em revistas e jornais entre 2014 e 2017 e veio bem a calhar em tempos de youtubers fazendo “piadinhas” racistas.

Djamila Ribeiro inicia o livro contando a sua história e como durante toda sua vida foi permeada por preconceito e racismo, desde pessoas falando do seu cabelo até aquelas que pensavam que ela deveria ser doméstica — e assim reproduzir a vida de sua mãe, avó e outras mulheres negras- e não filósofa.

É nesse ponto que percebemos o quanto a história de negras se entrelaçam: eu, que nunca tive contato com ela, percebi que tínhamos muito em comum e por isso hoje lutamos pelas mesmas coisas e que diferem muito das minhas amigas e conhecidas brancas. Djamila diz que “enquanto àquela época mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao trabalho, mulheres negras lutavam para ser consideradas pessoas”. E ainda lutamos!

Realidade negra

Essa é uma leitura importante e que abre nossa mente para a autoaceitação e o mais importante: abre os nossos olhos para a realidade da população negra no mundo. Sabe aquele incômodo que a gente não sabe de onde vem quando somos perseguidos no shopping, quando você está numa loja e te confundem com um bandido, faxineira ou pior, quando elogiam seu corpo dizendo que é “uma mulata tipo exportação” ou “tem jeito de sambista” ou “é uma negra linda”? Então, isso é o racismo e Djamila vem escancarar isso na nossa cara.

Além disso, é possível ter muita referência de trabalhos e obras feito por mulheres negras e para mulheres negras, pois é importante termos lugar para falar dos nossos problemas. E também casos como genocídio da população negra, aborto, violência sexual, cotas, racismo mascarado de piadas, hipocrisia e como o negro só é “bem visto” enquanto desempenha uma função “culturalmente negra”, como por exemplo a Globeleza ou doméstica.

Se uma mulher branca no poder incomoda muito, uma negra estudada incomoda muito mais. É raro conhecer alguma negra que nunca foi chamada de “neguinha metida” depois de entrar na faculdade ou ocupar um cargo de chefia em empresa, a autora diz que ainda sente isso na pele, mesmo depois de tantos anos lutando para ocupar um lugar que para muitos não é dela.

Também é difícil aceitar que é algo que vem de mais de 300 anos com a escravidão. Já se passaram décadas e ainda insistem em nos colocar nas camadas mais inferiores da sociedade e se não podem, minam nossa autoestima com ofensas ao nosso cabelo, nossa pele, família e o passado.

Reconhecimento e empoderamento

Ao ler o livro, é possível sentir ódio, compaixão e até mesmo tirar toda culpa que sentimos todos esses anos. Não devemos nos desculpar por ser do jeito que somos, o problema não está na gente, está em quem perpetua o racismo, que mesmo sendo “cultural” é uma opção. Ninguém é racista por que seus avós eram, é por que quer!

É um livro sobre reconhecimento, valorização e principalmente de empoderamento negro.

Fica bem claro que, a luta feminista necessita dessa vertente negra, pois somos a antítese do que é visto como ideal de sociedade branca e masculina. Utilizando um termo do livro, somos “o outro do outro”, pois segundo Grada Kilomba: “Mulheres brancas têm um oscilante status enquanto si mesmas e o ‘outro’ do homem branco(…); homens negros exercem a função de oponentes dos homens brancos, por serem possíveis competidores na conquista das mulheres brancas (…); mulheres negras, entretanto, não são nem brancas nem homens (…)” (p. 125)

Todos têm papel importante na construção de uma sociedade mais justa: homens, mulheres brancas e etc, mas só uma mulher negra deve falar por si. Devemos ser protagonistas da nossa própria história, pois é algo que nos foi negado desde sempre e até nos dias de hoje. Abaixar a cabeça já não é mais uma opção. Djamila mostra que, é nossa função ir contra a maré e lutar por um mundo mais justo, pois a cultura pode e deve ser desconstruída e devemos ter o nosso lugar na sociedade.

Originally published at www.siteladom.com.br on July 13, 2018.

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Thais Lombardi
Lado M

Cineasta, redatora, revisora, feminista e vegetariana. Gosta de ler, gatos, fazer crochê e destruir o patriarcado.