Querido Edward aborda perda e trauma de forma madura e sensível

Aline Naomi
Lado M

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O ano de 2021 foi marcado por perdas irreparáveis. Desde as mais de 600 mil vidas perdidas para a Covid até outras tragédias que comoveram o país, como o acidente de avião de Marília Mendonça, todas nos fazem ver o quão breve pode ser a vida. Por isso, considerei 2021 um ano particularmente oportuno para embarcar na leitura de Querido Edward, terceiro romance da norte-americana Ann Napolitano e seu primeiro publicado no Brasil.

O livro conta a história de Edward Adler, um menino de 12 anos que embarca com sua família em um voo rumo a Los Angeles, para onde ele e a família estavam se mudando. No entanto, a vida de seus pais, seu irmão e de outros 183 passageiros desse voo é interrompida com a queda do avião e Edward é o único sobrevivente. Após a tragédia, o menino vai morar com os tios, Lacey e John, enquanto tem que lidar com a solidão, o luto e o assédio de pessoas obcecadas pelo acidente em uma nova cidade.

À primeira vista, o enredo pode lembrar um pouco Harry Potter — que chega a ser citado no livro, ironicamente. A colega de Edward, Shay, também remete à colega esperta do bruxo, Hermione Granger. Mas as semelhanças param por aí. Longe de criar um mundo fantástico, Querido Edward trata de temas muito pertinentes a nossa realidade, como a perda, a tragédia e a sensação de impotência.

No decorrer da leitura, acompanhamos a trajetória de Edward lidando com seu luto e, em paralelo, vemos o que aconteceu no dia do acidente, desde o momento de embarque dos passageiros até a queda do avião. Nesse aspecto, a autora consegue enriquecer o enredo com mais personagens, muito diferentes entre si e muito instigantes: uma senhora hippie escapando do casamento monótono, um veterano de guerra negro em conflito com sua sexualidade, um jovem ambicioso do mercado financeiro.

Além de descrever o que essas personagens (e a família Adler) faziam durante o voo, Napolitano descreve com maestria o fluxo de pensamento de cada um deles, sobre o passado e o que vão fazer a respeito quando o avião aterrissar — o que sabemos que não vai acontecer. Aliás, este é outro ponto certeiro do livro: já sabemos que essas vidas serão interrompidas, mas não sabemos como, e isso também nos leva adiante na história.

Seguimos acompanhando a jornada de Edward na tentativa de atravessar a depressão e a perda sofrida enquanto cresce e enfrenta novas responsabilidades. Ainda que o personagem seja apenas um menino, os dilemas pelos quais ele passa independem de idade, e isso nos aproxima dele (ainda que você seja uma adulta de 26 anos, como é meu caso): por que estou viva? O que preciso fazer para minha vida ter significado? Existe uma resposta certa para isso?

Trazer esses questionamentos, acompanhados da constatação da efemeridade, poderia facilmente cair em algo piegas (sabe aquela frase no estilo “viva como se não houvesse amanhã” em um fundo de alguém pulando no mar? É a isso que me refiro). Pelo contrário: acompanhamos o amadurecimento emocional de Edward e sua busca por essas respostas, compreendendo, junto a ele, que elas são mais simples do que parecem.

Foto: Aline Naomi

“Não há motivo para o que aconteceu com você, Eddie. Você poderia ter morrido, mas não morreu. Foi pura sorte. Ninguém te escolheu para nada. O que na verdade significa que você pode fazer qualquer coisa.”

Quando digo que Querido Edward foi uma boa leitura para terminar 2021, é a isso que me refiro. Ainda que não sejamos os únicos sobreviventes de uma tragédia, encaramos muitas delas neste ano. Sobrevivemos a uma pandemia, a um desgoverno e aos obstáculos que comumente são colocados em nossas vidas. Sobrevivemos e cada um sabe ao que.

O terapeuta diz: “O que aconteceu está impresso em seus ossos, Edward. Vive sob sua pele. Nunca vai desaparecer. É parte sua e será parte sua em todos os momentos até sua morte. O que você tem feito, desde a primeira vez que o vi, é aprender a conviver com isso.”

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Aline Naomi
Lado M
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Jornalista formada pela USP, feminista e influencer anônima. Gosto de conhecer e contar histórias e acredito que elas têm o poder de transformar o mundo.