Reagir ao assédio: por que é tão difícil?

Victória Ferreira
Lado M
4 min readDec 8, 2015

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Ahhh, mas se fosse comigo….

Essa frase é muito comum de ser ouvida. Mais comum ainda em uma roda de conversa em que alguma das integrantes está comentando sobre algum assedio sofrido recentemente. É verdade, sim. Eu mesma já devo tê-la dito umas várias vezes. E em todas as vezes em que as disse, estava certa de que, de fato, eu reagiria de forma x ou y se sofresse o tipo de assédio que estava sendo comentados. As reações incluíam: dar um tapa da cara do indivíduo (ou em qualquer outra parte do corpo), gritar desesperadamente, chamar a polícia, chamar a gerência, dar respostas dignas de “Turn down for what” como trilha sonora, entre outras. Sempre ficava bolando formas de reagir.

Quando algum cara se aproximava de mim no transporte público, na rua ou em um carro, já ficava armada. Talvez a única reação mais visível que eu já tenho tido foi a um cara e seu amigo que passaram de carro próximo a mim, enquanto eu andava na calçada. Eles buzinaram e, o que estava sentado no banco do carona, mandou beijinhos desprezíveis. Então eu, já bastante irritada, lhes mostrei o dedo do meio e disse “vão se foder”. Disse não, movi os lábios. E no segundo seguinte, já apertava o passo para sair dali. Um calafrio horrível atravessou minha espinha, e eu só pensava em entrar na próxima rua para sair do campo de visão do retrovisor deles. Enquanto me apressava para a alcançar a esquina, tudo o que pensava era na possibilidade de um deles sair do carro e vir ao meu encontro, ou de o motorista simplesmente vir o carro na contramão para “tirar satisfações comigo”.

Aquela fora a primeira vez que eu expressara reação a um assedio diretamente ao assediador. Inspirada por tantas meninas falando sobre e se unindo, eu não abaixara a cabeça daquela vez e mostrei o quão insatisfeita aquilo havia me deixado. E mesmo naquela ocasião, à luz do dia, em uma rua movimentada e com minha mãe do lado, eu estava amedrontada. Não é fácil reagir ao assédio. E pela primeira vez depois de anos sofrendo calada e depois dizendo como eu reagiria a tal e tal coisa, eu percebia isso de fato.

Depois de uns minutos, dentro de um restaurante, já relativamente longe do local do ocorria, eu me sentia bem. Incrivelmente poderosa, eu diria. Mesmo sabendo que, provavelmente, não conseguiria reagir daquela forma em outra situação. O que de fato se comprovou dali a duas semanas. Depois daquilo, minhas reações se resumiram em fazer cara feia ou virar os olhos em algumas situações. Mesmo isso ainda me dá medo, mas me força a fazer pois tenho que expressar de alguma forma.

Como poderia não sentir medo? Como eu e mais milhões de garotas se sentiriam seguras a reagir se, na maioria dos casos, as pessoas em volta apenas ignoram nossos apelos. Seja pelo olhar desesperado que é desviado, pelo socorro sussurrado ou até mesmo por denúncias explicitas. Como nos sentiríamos seguras em lugares em que pessoas começam a incentivar um estupro coletivo em um vagão de metro após uma moça denunciar o assédio que sofria? Em minha argumentação sobre o assunto comigo mesma, quando cheguei a esse ponto, fiquei certamente desolada. Não reagimos por medo da reação do assediador e, quando reagimos, somos ignoradas. E enquanto eu curti umas poucas horas sentido poder para depois recuar novamente, vejo pessoas próximas a mim mostrando suas insatisfações e sendo maravilhosas.

Parece que agora, em se tratando de assédio, a nova moda entre os caras e a de passar com o carro em baixa velocidade, bem próximo às moças que caminham pela calçada, e tocá-las. A vantagem aqui, aparentemente, é de poder escapar rapidamente por meio das quatro rodas motorizas. Eu tive a infelicidade de presenciar isso. Estava eu andando pelo canteiro central da Avenida Pompéia quando vejo um carro estranhamente devagar se aproximando. E bom, o resto não foi muito legal. Acontece que, dias depois li um relato de uma amiga minha que contava ter passado pelo mesmo, exatamente no mesmo lugar. Só que ela reagiu. O carro em que os homens estavam foi obrigada a parar por força maior do farol; então ela se dirigiu até o carro e chutou o retrovisor, que quebrou. Simples e maravilhosa.

Há situações em que reagir torna-se muito mais difícil. Autoescola, por exemplo. Ouvia tantas histórias sobre instrutores que, quando comecei o processo para tirar a carta de motorista, o momento de sentar em um carro com um desconhecido e dirigir por aí me causava desconforto. O lugar e a situação em que o assédio ocorre pode deixar muitas sem saber o que fazer e ainda mais assustadas. O que fazer em situações assim. Sempre tive em mente que, se algo acontece durante minhas aulas de habilitação, eu abandonaria o carro e procuraria a administração do local.

A reação tem sido nossa arma na luta contra o assédio. Estamos mostrando que não, não podemos ficar caladas. O medo de reagir, pode nos paralisar no momento, mas não devemos deixar de fazer algo contra, mesmo que seja alguns minutos depois. O aplicativo SaiPraLá mostra um mapa coloridos de pontos rosas que indicam assédios sofridos. Um mapa que a cada minuto ganha pontinhos novos. Se eu ainda não consigo reagir na hora, vou arrumar outro jeito de fazer um escândalo.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 8, 2015.

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