Recordações da Minha Inexistência e as inúmeras aniquilação do eu feminino

Beatriz Saraiva
Lado M

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O interesse por ler sobre temáticas femininas é uma das minhas necessidades diárias para me entender como ser humano que habita um corpo feminino, que está sujeito a diversas formas de violência e apagamento diários por conta de uma sociedade patriarcal e feminicida. A mesma sociedade que nos cria baseadas no machismo e que, por muitas vezes, passa despercebido até por nós mulheres.

Escrevendo e rabiscando a cada página lida do livro Recordações da minha inexistência, a escritora da obra, Rebecca Solnit, autora de livros como Os homens explicam tudo pra mim e A mãe de todas as perguntas: Reflexões sobre os novos feminismos, fez-me refletir sobre como, a todo momento de nossas vidas, os homens ditam o que podemos ou não fazer. E como isso nos afeta e nos invisibiliza ao mesmo tempo.

“Fomos treinadas para agradar aos homens, e com isso ficou difícil agradarmos a nós mesmas. Fomos treinadas para nos tornarmos desejáveis de uma maneira que nos fizesse rejeitar a nós mesmas e aos nossos desejos. Assim sendo, eu fugia. Meu corpo era uma casa solitária”.

Rebecca toca em um ponto importante: é necessário que lutemos por “audibilidade, credibilidade e relevância” para que possamos, enfim, não apenas sobreviver, mas viver com toda força e dor que é habitar em um corpo feminino. Lutemos para ter voz e sermos ouvidas.

Para que isso aconteça, a escritora nos apresenta e partilha sua narrativa aos 19 anos de idade, em 1981, quando decidiu alugar um apartamento em San Francisco e conquistar sozinha o seu espaço no mundo de forma independente. Durante toda essa trajetória, ela relembra a violência, o assédio e o descrédito que mulheres sofrem na vida cotidiana e nos círculos intelectuais.

“Tive que lutar para convencer os outros, tanto na vida pessoal quanto na profissional, a me dar crédito, a admitir que tenho capacidade de perceber os acontecimentos com um grau razoável de precisão. Mas a frequência desse tipo de experiência semeou no meu íntimo a dúvida sobre mim mesma, de modo que a luta não era apenas contra os outros”.

Solnit enfatiza, ao longo dos dez capítulos distribuídos em 257 páginas, que “ser uma jovem mulher significa enfrentar a sua própria aniquilação de maneiras inumeráveis”. Para encontrar a sua própria voz e sair do aniquilamento diário expressado na frase, Rebecca precisou passar por muitas etapas como sua formação na California; pela Era Punk; pela pós-contracultura; pela quebra de um sistema heteronormativo conduzido pelo movimento da LGBTQIA+; e por toda cultura de ativismo da costa leste dos EUA que lutou pela defesa dos direitos à livre expressão da sexualidade humana.

O contato com tais movimentos permitiu que a escritora conhecesse ferramentas de libertação: movimentos feministas. Eu, assim como Rebecca, estou descobrindo as minhas ferramentas de libertação. Sua obra é para mim um dos mecanismos que permitem essa transgressão do lugar comum que nos é imposto por meio da violência que nos mata todos os dias, fisicamente e simbolicamente.

Este livro é para toda mulher que, assim como eu, está cansada de ser tratada como se existir fosse uma agressão à feminilidade. Para todas as garotas que desaparecem para si mesmo para agradar os outros. Recordações da minha inexistência é a realidade da vida de todas que habitam um corpo feminino.

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Beatriz Saraiva
Lado M
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Estudante de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).