Relatos de um transtorno alimentar: cansei de vomitar!

Cris Chaim
Lado M

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Esse texto é um vômito. Ele sai forçado com o dedo bem lá no fundo da garganta para não sobrar nada. Mas, pela primeira vez em 12 anos é um vômito figurado e não um real. Eu não quero mais ser gorda, me achar gorda, procurar e encontrar gorduras pelo meu corpo. Sinto que ele é um grande traidor: estou há exatos dois meses seguindo toda dieta que uma nutricionista super bem indicada passou, e acabo de me pesar e não perdi uma única grama. A vontade inicial foi correr para a privada e colocar aqueles 100 ml de leite puro sem lactose para fora, mas decidi transformar em palavras.

Tento lembrar quando tudo começou: aos 8 anos alguma colega me chamou de gorda na escola e comecei a observar que eu realmente era enorme e minha barriga gigantesca. No dia seguinte levei iogurte desnatado com adoçante na lancheira. Mas tudo piorou aos 14 anos, quando me mudei para um país novo. A menina mais popular da escola quis ser minha amiga e me convidou para sua festa de aniversário na piscina. Eu fiquei enlouquecida para emagrecer 10 quilos em uma semana, afinal ela era Miss Teen America com direito a programa na MTV (literalmente) e eu a recém-chegada. Além disso, toda a “realeza” da escola estaria lá. Pedi ajuda para minha mãe e a receita foi muita água, muita salada e cenourinhas na hora do aperto.

Obviamente que foi uma semana extremamente mal-humorada, quase virei um coelho e por pouco não perdi as novas amigas. Afinal, quem quer conviver com alguém que mal fala a língua e ainda anda com cara de doente e um saco de cenouras? A festa aconteceu, eu fiquei na frente de todo mundo de biquini e me diverti muito apesar de não ter perdido um grama.

Na segunda-feira lá estava eu de novo com uma dieta mais branda, mas ainda regulando a alimentação. Fiz outros amigos, entrei em um dos times da escola, mas o fantasma do peso continuava bem do meu lado. Comecei a anotar calorias e quando comia muito, vomitava. Primeiro vinha a ânsia natural: longos períodos de alimentação restrita com momentos de orgias culinárias e logo depois o dedo na garganta.

Durante anos foi dificílimo encontrar roupas. Nenhuma escondia propriamente as banhas e odiava as peças da sessão plus size. Comprar qualquer coisa era horrível, mas o pior era ouvir a vendedora da loja falando que não tinha ficado tão ruim assim e ao chegar em casa escutar que estavam péssimas, que não me serviam direito.

Pulando 12 anos. Hoje, aos 26 anos, uma vida ativa de exercícios (4 treinos semanais intercalados entre boxe e pilates/fisioterapia postural), um namorado e amigos e amigas que adoram meu corpo e sempre me elogiam, ainda me olho no espelho, encontro banhas enormes e fico horas as apalpando, rezando para que tivesse uma barriga lisa sem todas aquelas dobras. No último final de semana achei que tivesse comido demais e vomitei. Mas hoje em um ímpeto de sobriedade resolvi que os números na balança não importam mais, aquelas gordurinhas também não.

Seu exercício mental diário (quase horário) será olhar para seu corpo e se gostar, apreciar o que vê. Afinal, se os outros adoram o que vêem, por que não consegue?

Eu tenho 1.60 m, 60 quilos, uso manequim 40 e nunca passei do 44. E, quando chegava em casa e me diziam que as roupas estavam péssimas e não serviam direito não me avisaram que, na verdade, elas estavam enormes, e que meu tamanho real não era extra-grande, que um médio bastaria.

Originally published at www.siteladom.com.br on May 4, 2016.

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Cris Chaim
Lado M
Writer for

Empoderamento feminino, aceitação corporal, drinks e livros