Saia do armário! — Não tenha medo de se assumir feminista

Luiza
Lado M
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4 min readNov 13, 2015

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Eu tinha 14 anos quando me assumi feminista. Já faz 4 anos, e eu ainda não me decidi se gosto de dizer que me “assumi”. Um conhecido uma vez me disse que não usa esse termo se referindo à sua sexualidade, porque quem assume é quem fez alguma coisa errada — e obviamente, não há nada de errado em sua sexualidade, seja qual for. Também não tem nada de errado em ser feminista. Mas, mesmo assim, eu não consigo pensar em outra palavra para descrever o que eu senti naqueles meses.

Meses, sim. Talvez anos. O processo foi longo e lento. Primeiro, eu comecei a me incomodar com coisas que aconteciam ao meu redor. Depois, com coisas que aconteciam comigo. Depois, ainda, algumas coisas que as pessoas falavam não faziam mais o menor sentido. No meio disso tudo, encontrei amigas feministas através da internet e fui percebendo que não estava sozinha nesse incômodo — e isso me deixou à vontade para me incomodar o tanto que eu bem entendesse, afinal, não era mais coisa da minha cabeça.

Finalmente, eu cheguei num ponto em que não dava mais só para ficar incomodada. Aos 14 anos, começaram os textões. Também não foi de cara que eu usei a palavra com F. Comecei pelas bordas, fingindo que só naquele momento essas coisas haviam me incomodado. Os caras mexendo com as moças na rua, meus colegas na escola podendo fazer muito mais do que eu por nenhum motivo aparente. Vários incômodos repentinos.

Não tenho dúvidas sobre a causa dessa enrolação toda: preguiça do estereótipo de feminista. Eu sabia que não era verdade que eu queria comer criancinhas e obrigar todo mundo a parar de usar salto alto. Mas e meus conhecidos, sabiam? Se não soubessem, eu teria a paciência de explicar para eles? Apesar de tudo isso, chegou uma hora que não deu mais para esconder. Usei várias palavras proibidas: “machismo”, “misoginia”, “papeis de gênero”. Até “feminismo” eu usei!

Todo mundo ficou sabendo que eu era feminista. Claro, também aos poucos. Primeiro, eu só divulgava meus textos no Twitter, e de madrugada. No Facebook, eu tinha muitos conhecidos, melhor não. Imagina, minha mãe lendo meu texto sobre assédio sexual? Sozinha, eu consegui até compartilhar durante o dia. Mas precisei de um empurrão amigo para alcançar o Facebook. Ele alguém postou um link para um texto no seu perfil, e aí sim: todo mundo descobriu meu segredo.

Na hora, eu entrei em pânico, mas foi ótimo: amigos, professores e parentes curtindo as coisas que eu postava. Que sensação maravilhosa, quando uma menina conhecida compartilhava um texto meu e dizia que também compartilhava o meu incômodo! Quando vinham me falar que algum texto as tinha ajudado a lidar com algum machismo na vida delas!

É claro que nem tudo foi tão ótimo assim. Imediatamente, eu virei a feminista do grupo. O que, por si só, é um título do qual eu não faço a menor questão de abdicar. Amo quando vêm tirar dúvidas comigo. Teve um mês que, coincidentemente, vários amigos vieram com dúvidas do tipo “Há x meses eu fiz essa coisa y. Eu sou machista???” e eu adorei diagnosticá-los e receitar várias doses de respeito com as minas.

Nessa mesma época, começou a coisa que mais me incomoda nesse processo todo de se assumir feminista: o “Desculpa, Lu, mas…” e o “Ia falar uma coisa, mas a Lu tá aqui, então melhor não”. Parece uma coisa boa, não parece? As pessoas ao meu redor repensando suas frases na minha presença. Mas não é: significa que só na minha presença elas repensam suas frases. Se eu não estivesse lá, elas ainda falariam mal da menina que ficou com vários de seus amigos e achariam que tudo bem nisso. Para eles, o único problema de falar é que eu vou ficar enchendo o saco depois.

Aliás, mesmo comigo lá enchendo o saco, ainda falam — e ainda é ruim. Não é porque você me pediu desculpas que sua frase se torna menos machista, tá? Se quiser pedir desculpas, precisa pedir para todas as mulheres que você atingiu. E acho que ninguém tem tempo para falar com todas as mulheres do mundo, né?

Claro, isso foi há quatro anos. Imagino que, agora, se assumir feminista seja muito diferente — ainda que continue sendo “assumir” ao invés de qualquer outra palavra. Vejo muitas pessoas (um grupo específico de pessoas que há de não ser nomeado aqui) reclamando que feminismo hoje é “modinha”, e que muitas meninas só estão entrando na onda porque agora é bonito lutar por direitos.

Mas olha, espero que continuem entrando nessa onda. Espero que entrem muito na onda. Espero que a onda vire um tsunami e que ninguém nunca mais precise sair do armário. É lindo lutar por direitos, sim. Se isso te incomoda, acho que o problema não são elas, né?

Originally published at www.siteladom.com.br on November 13, 2015.

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Luiza
Lado M

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