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Saudades da minha mãe

Natália Sanches
Lado M
Published in
4 min readMar 25, 2019

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Quase nunca acontece. Não porque não sinto sua falta, mas a vida de uma mulher que resolveu morar sozinha e a 800km da casa dos pais não deixa ela ter tempo para pensar muito em afetuosidade. São contas pra pagar, casa pra limpar e agora, faculdade para estudar. Mas ontem, ao ouvir “Bridge over troubled water”, eu senti saudades da minha mãe. Não estive no casamento dos meus pais, mas eu choro de emoção só de imaginar ela entrando na igreja ao som de “Bridge over troubled water” com a voz do Elvis Presley e, por isso, sei também que muitas mães sentem falta das filhas.

O relacionamento entre mãe e filha quase sempre é conturbado. As mulheres conquistaram muitos avanços no século passado e neste, o choque de geração é evidente. Enquanto algumas mães são mais conservadoras e têm um pouco de medo da mudança, suas filhas não sabem lidar sem esse dinamismo de só progredir em relação a vida, carreira e relacionamentos. Eu ainda não sou mãe, mas acredito na máxima que a minha mãe sempre proferiu: “Quando você for mãe, você vai saber”, porque meus filhos já serão de outra geração e eu vou ter que aprender a lidar com isso.

Somos impulsionados por uma construção social de que é preciso relevar algumas imposições maternas porque “mãe é mãe”, mas a verdade é que justamente por esse laço, sanguíneo ou não, não se pode aceitar. Hoje eu percebo que todas as brigas bem problemáticas com a minha mãe em relação a inúmeros assuntos foram importantes para eu entender a mulher que existe por trás dessa aura quase angelical que a palavra “mãe” carrega. É necessário saber que por mais que a vida se encarregue de nos preencher de traumas e incertezas, somos seres pensantes e temos o dever de enxergar no outro o que o motivou a pensar daquele jeito, a se sentir feliz daquela forma, a chorar por aquele motivo.

Eu precisei estar no fundo do poço para me dar conta de que a minha mãe era a pessoa mais importante do mundo pra mim e eu não aconselho a ninguém ter que esperar situações como essas acontecerem para reconhecer esse amor. E o melhor não foi nem eu somente compreender, mas ela também admitir que muitos dos conflitos poderiam ter sido evitados se a vida fosse menos dura com ambas (e quando eu digo “dura”, me refiro as consequências de um mundo regido pelo patriarcado).

Muitas mães não descobrem o feminismo como as filhas, mas isso não faz delas mulheres que não compreendem a realidade de uma filha feminista. Apesar de todo o estereótipo que uma mãe conservadora pode possuir (e que na minha visão, minha mãe se encaixava), quando resolvi me divorciar, por exemplo, e me preparei para ouvir diversas acusações de como eu deveria manter um casamento que me fazia infeliz, minha mãe em momento algum usou a instituição família, igreja ou qualquer outra para me convencer do contrário, ela simplesmente disse: “o que importa agora é a sua felicidade.”

Eu não herdei a vocação para deixar a casa um brilho de limpa, nem a disciplina de ver todos os dias o “Pai eterno” na televisão e muito menos o gosto musical por sertanejo raiz (mesmo com as melhores lembranças do disco “Um sonhador” do Leandro e Leonardo), mas eu me reconheço nela quando ela conta que amava Rita Lee na adolescência, ou que passava a madrugada inteira corrigindo provas quando era professora e que, se pudesse, passava o dia todo pegando sol na praia.

A herança que nossas mães nos deixam não são visíveis, mas são reconhecíveis. Nós nos reconhecemos a partir do momento que deixamos de ser filhas e viramos cidadãs desse mundo-moinho e sentimos um coração quentinho quando alguém diz “você é parecida com a sua mãe”. É quando lembramos que, apesar da solidão existir, nunca estivemos sempre sozinhas.

No auge dos meus quase 30 anos, eu aceito a condição de, às vezes, sentir falta da minha mãe e de me irritar com as 125 mil palavras que ela fala por minuto. Não é motivo de fraqueza constatar que a vida tem altos e baixos e é um privilégio maravilhoso saber que de todas as mulheres da vida de uma mulher, a mãe é a maior delas.

A mãe de uma grande amiga minha quando elas se encontram, diz: “Vem cá que eu to com saudade do teu cheiro de filha” e eu abro um sorriso toda vez que escuto isso, pois sei que, em algum momento do dia, todas as mães sentem o cheiro dos filhos.

Assim, apesar de todos os nós que a vida nos dá, as mães estão lá pra desatar e transformar em belíssimos lacinhos, iguais aqueles que elas colocavam em nossos cabelos quando éramos pequenas.

Agora sobre as avós, elas merecem também um texto só delas.

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Natália Sanches
Lado M
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é Natit. Professora especializada em Estudos Brasileiros, paulistana de nascença, mas catarinense de coração. 17 tatuagens e cabelo curtinho. Gosta de tulipas.