Se está doendo, Isso Também Vai Passar

Eloane Berto
Lado M

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Ei, você já passou por uma perda? Se não, infelizmente, tenho que avisar pra você se preparar, pois nós, como meros mortais, estamos sujeitos a essas surpresas que a vida prepara pra gente. Seja o processo de luto pela morte de um ente querido ou a dor de um coração partido, a ruptura com o que amamos, mesmo sendo dolorosa, é natural. Apesar de parecer totalmente negativo, esse processo é mais significativo do que podemos imaginar, já que nos é aberta a possibilidade de um (re)descobrimento através da necessidade de (re)organizar a nossa vida após um vendaval.

A partir dessa reflexão é que se constrói o livro Isso também vai passar, da escritora espanhola Milena Busquets. Além de narrar o luto da personagem Blanca, que acaba de perder a mãe, a autora nos leva para uma viagem profunda e ao mesmo tempo sensível através dos desdobramentos do adeus.

O primeiro cenário com o qual nos deparamos é o cemitério, na despedida de Blanca com sua mãe. Contudo, somente após esse momento, na viagem da personagem para sua terra natal, Cadaqués, é que vamos acompanhar a quantidade de emoções envolvidas na situação. Blanca é apresentada através de uma dualidade condizente com o momento difícil pelo qual está passando. Enquanto ela é uma mulher independente que tem dois filhos de dois ex-maridos e é uma conquistadora nata, ao lembrar da mãe, se sente como uma criança perdida e abandonada. Tais altos e baixos da personagem servem de certa forma como um consolo para uma mulher em um momento difícil, como que deixando claro que não há problema em termos nossas fragilidades, pois nossa força ainda continua em nós.

A narrativa em primeira pessoa é baseada em lembranças da mãe que repercutem na vida atual de Blanca, como se a personagem estivesse organizando um baú muito antigo. O modo como a autora mostra a relação das duas pode deixar à flor da pele as emoções de quem não tem uma boa relação com a mãe, porque ela aborda não só a diferença entre o modo de viver da mãe e da filha, mas também o sentimento forte que as unia e ultrapassava qualquer conflito, simplesmente através do amor e aprendizado. Além da situação pessoal das duas personagens, Busquets eleva o nível para a observação da família em diferentes décadas, já que um leitor atento pode reparar que não se trata apenas da ruptura entre Blanca e sua mãe, mas de uma geração com outra e a observação do nascimento de uma terceira, através dos filhos de Blanca, tal como as relações entre eles.

Inteligente e complexo, o livro é rico em intertextualidades, como o interessante diálogo feito com a teoria do “Complexo de Édipo”, formulada no século passado pelo psicanalista Sigmund Freud. Porém, no caso da narrativa, não é o menino que se apaixona pela mãe, mas Blanca que narra a busca da figura materna nos parceiros amorosos, como se estivesse em busca de conforto.

De qualquer forma, mesmo que o livro não seja assumidamente feminista, essa inversão na teoria traz uma proximidade ao pensarmos na relação entre as mulheres, principalmente entre mães e filhas, que parecem finalmente achar um espaço para abordarem seus desejos e anseios.

O final do livro é como um suspiro aliviado para Blanca e para quem está lendo, já que, depois de uma complexa caminhada através de lembranças e redescobrimentos pelas 137 páginas, o Epílogo faz juz ao último processo do luto, aquele no qual a gente leva as coias boas do que passou, mas sabe que tem que seguir em frente, com um coração mais calejado e igualmente mais amadurecido e forte. Apesar de abordar um assunto difícil, a leitura é leve e cheia de aprendizados, ideal para quem, estando em luto ou não, deseja olhar a vida de um novo modo.

Por isso, quando houver momentos ruins, acredite: isso também vai passar.

Originally published at www.siteladom.com.br on August 9, 2016.

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