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Sete filmes sobre aborto disponíveis no streaming

Graci Paciência
Lado M
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8 min readJul 6, 2022

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Nas últimas semanas, notícias sobre a decisão da Suprema Corte dos EUA, no que diz respeito ao aborto, ganharam as páginas de diversos veículos. Até então, o procedimento era legal em todo o país, desde 1973, quando ocorreu o caso Roe x Wade, em que Norma McCorvey (sob o pseudônimo Jane Roe), representada pelas advogadas Linda Coffee e Sarah Weddington, foi aos tribunais e alegou que engravidou depois de um estupro. Henry Wady, que representava o estado do Texas, se opôs ao aborto e coube, então, à Suprema Corte dos Estados Unidos tomar a decisão que favoreceu Norma e, assim, foi decidido que caberia somente às mulheres a decisão de interromper ou não a gravidez não planejada.

Esta decisão foi revertida e, com isso, retrocedemos 49 anos. Agora, a lei deixa de ser federal e passa a variar, de acordo com o governo de cada um dos 50 estados que compõem o país. Quem acompanha o tema nos EUA não se surpreende, pois, ao longo de décadas, o Partido Republicano vem restringindo cada vez mais as opções de quem precisa recorrer à interrupção da gravidez.

Enquanto isso, em Santa Catarina, uma garota de apenas onze anos foi estuprada e engravidou. A juíza Joana Ribeiro Zimmer dificultou o acesso da menina, que foi afastada da família, ao procedimento. A magistrada ainda fez perguntas absurdas à vítima, como “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, “Queres escolher um nome?” e “Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?”. No Brasil, o aborto é permitido em casos de abuso sexual que resultam em gravidez, quando a gestação põe em risco a vida da mulher e quando o feto é anencéfalo, portanto, a garota tem o direito de interromper a gravidez e ela conseguiu ter acesso ao procedimento.

No cinema, há diversas histórias que expõem as dificuldades de quem tem razões para abortar, mas que precisa lidar com o posicionamento de quem usa a religião para interferir em casos de saúde e julga a mulher que toma a difícil decisão de interromper a gravidez.

Listamos sete filmes disponíveis no streaming que mostram algumas dessas histórias, porém é sempre bom lembrar que os catálogos dos serviços podem sofrer mudanças.

“Aborto: Escolhas Desesperadas” (Abortion: Desperate Choices, Deborah Dickson, Susan Froemke e Albert Maysles, 1992)

O documentário da HBO, exibido originalmente em maio de 1992, faz parte da série documental America Undercover. Composto por relatos de mulheres que queriam interromper a gravidez por diferentes motivos e que ainda não podiam contar com a pílula do dia seguinte, mostra também a motivação de quem acredita que pode militar contra o direito adquirido décadas atrás. Além disso, os relatos de tentativas de aborto realizadas em casa são perturbadores. Antes da descriminalização, o julgamento por engravidar na condição de solteira era ainda pior do que é hoje. O filme traz também situações que ocorreram entre as décadas de 1920 e 40, quando não havia a pílula anticoncepcional, que só foi lançada nos anos 1960. O que fazer, então, se você fosse casada e tivesse três filhos antes de completar 30 anos, diante de uma situação financeira nada favorável?

É um filme que mostra diferentes gerações de mulheres lidando com a questão do aborto e é interessante perceber que como, com gerações de diferença, elas encaram de frente o entendimento de que suas vidas não podem se resumir em cuidar dos filhos.

“Escolhas Desesperadas” é um subtítulo que descreve perfeitamente a decisão dessas mulheres. Quem é impedida de ter acesso ao aborto seguro faz escolhas desesperadas, como se jogar da escada, tomar chás e remédios por conta própria ou usar um cabide dentro do próprio útero.

É um documentário muito triste e pesado, mas que, ao mesmo tempo, mostra mulheres com opinião e determinadas a levar em frente suas decisões. Disponível na HBO Max.

2. “Roe x Wade: Direitos das Mulheres nos EUA” (Reversing Roe, Ricki Stern e Anne Sundberg, 2018) Netflix

Imagem: Netflix

Neste caso, o título original Reversing Roe (Revertendo Roe, em tradução livre) descreve exatamente o que o documentário mostra. Depois de contextualizar o processo de descriminalização do aborto, em 1973, no caso Roe x Wade, o documentário mostra as tentativas de reverter a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, por grupos pró-vida, e a cronologia da política adentrando o assunto. O posicionamento de ex-presidentes norte-americanos têm relevância na história da luta pelo direito ao aborto. Na época do caso Roe X Wade, Richard Nixon ocupava a cadeira de presidente e, depois disso, todos os candidatos ao cargo precisam deixar claro o que pensam a respeito. O documentário mostra medidas tomadas por Ronald Reagan, George Bush (pai e filho), Bill Clinton, Barack Obama e Donald Trump.

Não surpreende perceber que o Partido Republicano dificulta a liberdade da mulher quando o assunto é aborto. Inclusive, a revogação da lei Roe x Wade é reflexo também do mandato de Trump (2017–2021), período em que o ex-presidente indicou três juízes conservadores para a Suprema Corte.

Anos após ano, as restrições de acesso à interrupção da gravidez, eram intensificadas. Conquistar esse direito, em 1973, não bastou para que as norte-americanas pudessem interromper uma gravidez não planejada, foi preciso lutar pelas décadas seguintes a fim de manter esse direito. O governo do Missouri se mostra orgulhoso ao divulgar que o número de clínicas de aborto no estado caiu para um. Disponível na Netflix.

3. “Aborto: Histórias Contadas por Mulheres” (Abortion: Stories Women Tell, Tracy Droz Tragos, 2016) HBO Max

Imagem: HBO

Com o número de restrições para conseguir abortar crescendo cada vez mais, diversas mulheres que moram no estado norte-americano de Missouri precisam se deslocar para outros estados, a fim de interromper a gravidez de maneira segura e legal. Elas expõem as dificuldades de uma gravidez não planejada e o malabarismo que precisam fazer, ao viajar para outro estado para ter acesso ao procedimento, que, até então, era garantido por lei.

Há mães solo, mulheres que engravidaram e, somente depois, descobriram que o parceiro é casado e, sobretudo, mulheres sobrecarregadas que não conseguem assumir a responsabilidade por uma nova vida.

4. “Meu Corpo, Minha Vida” (Helena Solberg, 2017) Globoplay

Imagem: Morena Filmes

A filmografia de Helena Solberg, única mulher que participou do movimento Cinema Novo, é voltada para a mulher e seu papel na sociedade. Seu primeiro documentário, o curta-metragem “A Entrevista”, de 1966, mostra o que algumas jovens de classe média alta da época, entre 19 e 27 anos, pensavam a respeito do casamento e a relação com o marido.

Em “Meu Corpo, Minha Vida”, acompanhamos manifestações para a descrimininalização do aborto e depoimentos da escritora Marta Medeiros, médicas e pessoas que perderam amigas ou parentes que, em meio ao desespero, recorreram à alternativas para interromper uma grvidez não planejada e as coisas não acabaram bem. O principal caso comentado é o da Jandyra Magdalena dos Santos, que tinha 27 anos e duas filhas quando procurou uma clínica clandestina para realizar um aborto. Ao longo do documentário, acompanhamos a sua história e o seu terrivelmente triste fim.

5. “O Segredo de Vera Drake” (Vera Drake, Mike Leigh, 2004) Telecine/Globoplay

Imagem: California Filmes

Na Inglaterra dos anos 1950, Vera Drake, uma senhora casada e mãe de dois filhos adultos, ajuda mulheres que “se meteram em encrenca”. Humilde, prestativa e sempre muito simpática, Vera só se preocupa com o bem-estar dessas mulheres e não cobra nada por isso. Por mais que suas intenções sejam boas, ela precisa lidar com as autoridades quando é descoberta.

É interessante perceber na história que mulheres de famílias ricas têm acesso ao aborto seguro, ainda que seja feito de maneira ilegal, enquanto as mais humildes se submetem a procedimentos feitos em casa. Como se não bastasse, fica evidente também o julgamento da sociedade. Nada muito diferente do que acontece hoje, sete décadas mais tarde.

O fantástico filme de Mike Leigh é triste e traz a atriz inglesa Imelda Staunton (premiada diversas vezes pelo seu trabalho no teatro e conhecida no cinema por interpretar, entre outros personagens, a professora Dolores Umbridge na franquia Harry Potter) no papel principal. Por “O Segredo de Vera Drake”, Staunton concorreu ao Oscar de Melhor Atriz, que ficou com Hilary Swank, por “Menina de Ouro”, e conquistou o BAFTA e outras premiações.

6. “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” (Never Rarely Sometimes Always, Eliza Hittman, 2020) Starplus

Imagem: Focus Filmes

A adolescente Autumn, interpretada de maneira primorosa pela estreante Sidney Flanigan, sai da Pensilvânia para realizar um aborto no estado vizinho, Nova York, na companhia de sua prima Skylar (Talia Ryder, de Master).

Com poucos diálogos, o filme mostra parte do universo feminino e como é sobreviver em um mundo onde, o tempo todo, o nosso espaço é invadido por uma presença masculina que não respeita os limites. Ainda que estejam viajando para tratar de uma decisão importante, Autumn e Skylar são apenas duas típicas adolescentes e trazem o que a idade permite: vontades, esperança, vulnerabilidade e impulsos.

A cena que dá nome ao filme é memorável e mostra toda a sensibilidade da direção de Hittman para tratar de um assunto difícil sem cair nas armadilhas dos clichês e do falso moralismo.

“Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” parecia não ser capaz de cativar muito o público, mas surpreendeu a todos de maneira positiva e marcou presença em diversas premiações, incluindo o Festival Internacional de Cinema de Berlim.

7. “Um Assunto de Mulheres” (Une Affaire de Femmes, Claude Chabrol, 1988) Telecine/Globoplay

Claude Chabrol, um dos grandes cineastas da Nouvelle Vague, dirigiu diversos filmes que traziam a angústia feminina em forma de mulher. “Violette”, “Madame Bovary” e “Mulheres Diabólicas” são exemplos dessa característica do seu trabalho.

Em “Um Assunto de Mulheres”, Isabelle Huppert é Marie, uma mulher pobre que tem dois filhos pequenos e um marido ausente e tenta sobreviver durante a Segunda Guerra Mundial.

Sem planejar, ela passa a ter uma pequena renda fazendo abortos. Aqui é interessante perceber que, ao mesmo tempo em que Marie descobre um ofício, ela passa a ter a confiança que, anteriormente, era desconhecida por depender financeiramente do marido ou da caridade de conhecidos. Isso incomoda o marido, que volta da guerra e encontra uma esposa diferente daquela que ele tinha deixado em casa. Isabelle Huppert brilha no papel da protagonista e traz o equilíbrio entre melancolia e determinação.

Assim como Vera Drake, do filme Mike Leigh, Marie precisa lidar com o discurso religioso e com a hipocrisia e intolerância da sociedade. Trata-se de um filme bonito, porém triste, como acontece com a maioria das histórias que trazem mulheres que não se enquadram no modelo considerado aceitável pela sociedade

Bônus: a cineasta e roteirista Carissa Vieira, que tem um canal com o seu nome, também tem dicas de filmes com este tema:

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Graci Paciência
Lado M
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Gosto terror e rock. Criadora e apresentadora do programa Soul do Rock, na Antena Zero. BlueSky: @gratona https://medium.com/@cronicasdagraci