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Sexualidade Monitorada: como o governo Bolsonaro está lidando com a questão

Érika Yukari
Lado M
Published in
4 min readJan 31, 2020

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Golden shower, kit gay, abraço hétero, Frozen lésbica, movimento de ex-gays no conselho de psicologia e muitas outras demonstrações dos valores morais impressos nos discursos do atual governo

Entre os temas que causaram discórdia no discurso bolsonarista, a sexualidade foi um dos que mais rendeu material para a análise de psicólogos e psicanalistas. Para se ter uma ideia, ainda em 2015, antes mesmo de concorrer à presidência, o então deputado Jair Bolsonaro foi condenado pela Justiça por ter dado declarações homofóbicas em um programa de televisão.

Recentemente, seu discurso conservador e recheado de moralismos foi endossado por uma decisão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, que costuma se posicionar a partir do que prega o cristianismo.

Sexo na adolescência

A abstinência da prática sexual e o debate sobre a sexualidade viraram políticas públicas aqui no Brasil. Em parceria com o Ministério da Saúde, a pasta de Damares vai lançar uma campanha no dia 11 de fevereiro deste ano para reduzir os índices de gravidez precoce. Para isso, vai incentivar os jovens a evitar o início de suas vidas sexuais. Inicialmente, o tema será trabalhado por meio das redes sociais.

A ideia é estimular que a juventude adie essa experiência para evitar a gravidez na adolescência, já que, na opinião da ministra, esse é o “único método contraceptivo”. Motivo pelo qual a campanha de “iniciação sexual tardia” vai extinguir o estímulo ao uso de preservativos entre jovens. A campanha cristã “Eu escolhi esperar” está apoiando a ação, que ainda não começou a ser implantada.

Nesse sentido, práticas de educação sexual, que não abordam somente o sexo, deixariam de ser voltadas aos jovens, principalmente aos menores de 14 anos, que, segundo Damares, pela própria lei não devem entrar em contato com o assunto, já que o sexo com essa faixa etária é considerado crime.

O presidente Jair Bolsonaro já havia rechaçado, anteriormente, uma cartilha que visava informar jovens mulheres sobre a sua saúde sexual e reprodutiva. Isto porque a Caderneta de Saúde da Adolescente falava de assuntos como as transformações do corpo na adolescência e métodos de prevenção à gravidez, incluindo algumas figuras.

Para a ministra, recorrer à tentativa de educar os jovens sobre métodos contraceptivos como a camisinha é muito perigoso, pois pode incitá-los a desenvolver ainda mais sua vida sexual. Por isso, a melhor opção seria “cortar o mal pela raíz”. No Brasil, a média de adolescentes grávidas é de 62 a cada 1.000, enquanto no resto do mundo esse valor médio está fixado em 44.

Freud explica

Porém, de acordo com Cristiane Cabral, psicóloga e professora do departamento de Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP), é mais interessante que o jovem tenha as “ferramentas necessárias para uma boa decisão”, pois o que cria maturidade não é a idade, e sim a própria educação que aborda a sexualidade. O silêncio poderia ser, assim, mais perigoso do que uma abordagem adequada. “A iniciação sexual faz parte do que a gente chama de socialização juvenil, é inevitável”.

Ela acrescenta que a abstinência infere em danos psicológicos, de culpa: “a gente acha que Deus vai punir”. O caminho proposto pela campanha governamental também toca em um ponto delicado: o fato de a adolescência ser muitas vezes incompreendida pelos adultos, que acreditam que é uma fase de “aborrecimento”, gerando um isolamento cíclico desse grupo etário. Apesar de estar recebendo o apoio de alguns grupos evangélicos, muitos pediatras e outros profissionais que se voltam para o desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente se opuseram ao conteúdo da campanha.

Para o psicanalista e colunista da Folha de São Paulo, Contardo Calligaris, as posições conservadores de representantes como Jair Messias Bolsonaro sobre o corpo, e a diversidade de padrões que se refletem na sexualidade humana está ligada a algo mais profundo. “Não se pode entender uma posição repressora contra os outros, seja ela qual for, a não ser como um modo de a pessoa se reprimir, de lidar com as suas próprias dificuldades”, afirma Calligaris.

A psicanalista e professora da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) Maria Lúcia Homem complementa, ao dizer que “o que a gente reprime no mundo exterior é o que a gente precisa reprimir dentro de nós. É quase uma lei do funcionamento psíquico”. Assim, a categoria de recalque, que é uma das bases da psicanálise, estaria reverberando na nossa realidade, em que posições morais se desdobram em programas e políticas de governo.

“É como voltar 40 anos no tempo”, coloca Luciene Tognetta, professora de psicologia da USP. Além dela, a Sociedade Brasileira de Pediatras também se posicionou sobre a campanha, defendendo que as adolescentes “têm o direito de conhecer o próprio corpo”. É importante ressaltar que práticas de educação sexual também apresentam aos jovens informações sobre doenças sexualmente transmissíveis.

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