Sobre De Amor e Trevas, filme dirigido e estrelado por Natalie Portman

Gabriella Feola
Lado M
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4 min readJul 28, 2018

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Publicado originalmente em 4 de maio de 2016.

Natalie Portman, que já se destacou em papéis marcantes como nos filmes Cisne Negro e V de Vingança, nesta obra é diretora, roteirista e protagonista do longa De Amor e Trevas, película que fora baseada na obra literária de mesmo nome, produzida pelo escritor israelense (e compatriota da diretora) Amos Oz. O filme estréia dia 5 de maio nos cinemas.

Vamos então às peculiaridades da obra cinematográfica. Primeiramente, é bom ressaltar que Portman decidiu rodar o filme em hebraico, afim de reforçar as tradições judaicas e manter a essência poética de Oz, a qual depende diretamente da língua hebraica. E, embora tal decisão seja bastante sábia e sensível, foi necessário um arrojo por parte da diretora, de caráter comercial. Isso porque mantendo o filme em hebraico, Portman optou por interpretar Fania Oz, protagonizando o longa como forma de manter o filme dentro do seu modesto orçamento de 4 milhões de dólares e, por estratégia de marketing, garantindo que ele tivesse o mínimo de bilheteria.

Mas passemos à história em si. Na trama do romance autobiográfico, Oz descreve sua infância e a história de sua família enquanto tece um retrato da criação do Estado de Israel e da vida dos judeus em Jerusalém durante a década de 1940. Portman, por sua vez, não tem como foco a dissertação sobre criação do país e muito menos se fecha numa história tipicamente judaica. Neste sentido, a geopolítica da época é colocada no filme apenas como um cenário que contextualiza a história universal de imigrantes em tempos difíceis.

Já em Jerusalém, os imigrantes judeus vindos de diversas partes do mundo precisaram reviver a língua hebraica afim de estabelecerem uma comunicação comum, e é nesse ponto que a escolha do idioma do filme se torna essencial para manter a poética de Oz. Não só. Também devemos nos ater ao fato de que o pai de Oz era um escritor acadêmico e a mãe, uma grande contadora de histórias, fazendo com que o menino herdasse o gosto pela leitura e pelas histórias. No entanto, nos sonhos da mãe, vivia o ideal de homem do sionismo da época, aquele que seria forte e que saberia cultivar e viver da terra. Porém, na infeliz realidade dessa mulher havia a convivência com o marido, pai de Oz, um intelectual que não conseguia ajudar o filho a montar nem um pequeno kibutz no jardim. Dentro desse contexto, o garoto tenta constantemente negar sua sensibilidade literária para tentar se transformar num homem braçal.

A obra, portanto, se mostra como um conjunto de frustrações e contos de sonhos. Não é preciso ser judeu para se identificar com o drama, bastando apenas ter uma avó que veio de longe. De um lado os sonhos, de outro a realidade que batera à porta de tantas avós: as dificuldades da terra natal, o abandono do mundo anteriormente conhecido, o trajeto, a adaptação, a realidade do novo, o marido que não é como o homem dos sonhos, a vida que não é o que fora prometido. Tanto Fania como minha própria avó, por exemplo, só chegaram a reinar em suas cozinhas e encontraram lampejos de felicidade quando protagonizavam seus contos passados.

Assim, a identificação do sentimento expresso e da trama em si é plena para os que ouviram as histórias de migração dos avós. As mãos tingidas de beterraba tocando o repolho cru enquanto sonhos que nunca se realizaram passam saudosos pela cabeça, o olhar para o filho, sendo a esperança depositada na próxima geração o único tesouro conquistado. A imagem física de Portman como dona de casa frustrada é o único ponto que afasta a narrativa da realidade familiar. Ao longo da trama ela não adquire o desgrenho das moças que se frustraram ao terminar resignadas aos cuidados do lar. No máximo, a atriz adquire uma palidez de diva deprimida. Essa questão pouco afasta o público da raiz da história e não leva a produção a perder seu apelo sentimental.

No entanto, o filme mostra somente parte do lado Judeu. Os sionistas sofrendo com as más condições de vida enquanto o único árabe que aparece na trama é um senhor riquíssimo e com potencial para vilão. Levando em consideração que a trama se baseia no relato de uma criança que foi criada em um momento de segregação, faz sentido que o drama dos árabes não esteja bem exposto na telona.

Sensível. Entre erros e acertos, Portman consegue valorizar seus acertos e produziu um filme extremamente sensível e humano. Algumas tomadas mostram uma ânsia da diretora por encontrar uma assinatura que denote sua personalidade. De qualquer forma, espero que nas próximas obras de Portman sua personalidade não se manifeste através de semelhanças na fotografia mas sim pelo delicado trato e criação de personagens humanos.

Assista ao trailer:

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Gabriella Feola
Lado M

Jornalista meio empreendedora, autora do livro Amulherar-se, cursa mestrado na Universidade de São Paulo, estudando Comunicação e Educação da sexualidade.