Sophie Scholl e a resistência à Alemanha Nazista

Líder do movimento, a garota alemã de 21 anos enfrentou Hitler com bravura e folhetos de papel.

Aline Fabre
Lado M
Published in
8 min readApr 27, 2020

--

Dignidade Humana. Consciência. Liberdade. Justiça. Responsabilidade. Em tempos tiranos, são estes os princípios mais censurados. A Alemanha Nazista executou Sophie por defender com determinação a esses princípios. Mas matar a garota não matou ao ideal que ela carregava. Suas convicções já haviam se disseminado entre muitos jovens alemães, graças a sua escolha consciente de não calar-se e de não ficar parada.

A ativista política era a única mulher na liderança do Rosa Branca, um dos mais importantes movimentos de luta e resistência ao governo nazista. Mesmo sendo alemã, não se deixou convencer pelas ideologias nacionalistas de Hitler.

“Mesmo que eu não entenda muito sobre política ou não tenha a ambição de fazer isso, bem, eu tenho um pouco de noção do que é certo e do que é errado, porque isso não tem nada a ver com política ou nacionalidade.”, em carta para o noivo Fritz Hartnagel, em 29 de maio de 1940.

De “Moça de Hitler” a intensa opositora

Sophie Magdalena Scholl nasceu em 9 maio de 1921, na cidade de Forchtenberg. Com 12 anos, ingressou por vontade própria na Liga das Moças Alemãs (uma organização feminina equivalente a Juventude Hitlerista). Aos poucos sua empolgação inicial foi dando espaço para uma visão mais crítica, conforme ela percebia coisas com as quais não estava de acordo. Ela convenceu-se da brutalidade da ditadura alemã quando teve seus irmãos e amigos presos em 1937 por participarem ilegalmente de um grupo cultural.

Seu noivo Fritz Hartnagel era segundo tenente no exército e estava lutando no Leste. Aos 18 anos (1939) ela escreveu em uma carta para ele:

“Eu simplesmente não consigo entender que a vida das pessoas estará constantemente em risco por causa das ações de outras pessoas. Eu nunca poderei compreender isso e eu acho isso horrível. Não diga que é pela pátria.”

A troca de correspondências entre os dois documenta seu intenso diálogo político e pessoal. Mesmo sendo um soldado alemão, Fritz também era um oponente à ditadura nazista e narrava para Sophie os crimes de guerra cometidos contra soldados do Exército Vermelho, o extremo sofrimento da população e as notícias sobre o curso da guerra.

A Universidade era o grande sonho de Sophie. Para ingressar em qualquer faculdade, no entanto, era obrigatório que os jovens trabalhassem por 6 meses para o governo do Terceiro Reich. Em 1941 Sophie teve que ingressar no serviço auxiliar de guerra, o que a ajudou a praticar uma resistência passiva e tornar-se cada vez mais consciente da real situação política.

Rosa Branca: escolher não calar-se

Enfim, em 1942 a Universidade de Munique (a mesma de seu irmão Hans Scholl) recebeu sua matrícula como estudante de Biologia e Filosofia. Eles então começaram a ler filósofos, escritores e relatórios sobre os assassinatos em massa dos judeus, além de todo tipo de crueldade cometido pelo governo alemão em outros países. Suas conversas precisavam ser cautelosas e secretas, pois a SS (polícia secreta nazista) espionava a todos. Mas a consciência e humanidade desses jovens não permitiu que eles se mantivessem calados.

Naquele mesmo verão, foram distribuídos entre os estudantes de Munique quatro panfletos que criticavam a ditadura do regime, clamando pelo senso de responsabilidade política das pessoas e seu dever moral de opor-se: “Por que o povo alemão está tão apático em face desses crimes abomináveis?”. Os panfletos pediam pelo fim da guerra e denunciavam as violências e horrores cometidos pelo atual governo.

Sophie inteirou-se de que os responsáveis eram seu irmão e o amigo Alexander Schmorell. Prontamente ela juntou-se à eles em dezembro do mesmo ano. O Rosa Branca era então formado por 6 membros em seu núcleo principal: Sophie Scholl (única mulher), seu irmão Hans Scholl, Alexander Schmorell, Christoph Probst, Willi Graf e o professor universitário Kurt Huber, recrutado por Sophie.

Sophie Scholl com o irmão Hans Scholl e amigos.

Sophie ajudou a redigir o quinto e sexto folhetos, produzindo cerca de 6.000 cópias — o que colocava suas vidas em risco, já que a compra de grandes quantidades de papéis e selos durante a guerra era monitorada e considerada suspeita pelo Partido Nazista. Obviamente, o governo proibia qualquer tipo de escrito que fosse discordante à sua política. Você pode ler as cópias dos seis folhetos no site do Memorial do Rosa Branca (em inglês).

“Nós crescemos em um país onde a liberdade de expressão de qualquer opinião é impiedosamente reprimida.” Sexto panfleto do Rosa Branca, 1943

Como seu aspecto “inofensivo” de garota era tido como menos suspeitoso, Sophie encarregava-se de enviar a propaganda por correio a outros alunos e professores de faculdades da Alemanha, ajudando a formar células de apoio a nível nacional. O grupo também começou a pintar slogans em letras grandes na entrada da Universidade de Munique e nas áreas centrais da cidade (cerca de 30 fachadas diferentes). Lia-se “Liberdade”, “Fora Hitler!”, “Hitler assassino em massa” e suásticas riscadas por todos os lados.

“Abaixo Hittler”. Inscrição na fachada da biblioteca da Universidade de Munique feita pelo Rosa Branca, 1943. Imagem trabalhada digitalmente.

Munique era a sede oficial do Governo de Hitler, logo não era pouca coisa enfrentar aos nazistas justamente ali. A esta altura, o Rosa Branca já havia atraído suficiente atenção e estava em curso uma investigação especial da Gestapo na busca pelos autores dos folhetos e dos slogans anti-nazistas.

Captura, interrogatório e execução: sustentar a verdade com bravura

Na manhã de 18 de fevereiro de 1943, os irmãos Scholls subiram as escadas da Universidade de Munique até o topo do átrio do prédio principal. De lá do alto, eles jogaram as últimas cópias do sexto folheto sobre as cabeças dos estudantes, que recém saíam das salas de aula. Infelizmente, levar pessoalmente os folhetos para a universidade foi um erro. O zelador Jakob Schmidt, filiado ao partido nazista, flagrou os irmãos e os denunciou à Gestapo, fechando também as portas do prédio da universidade para manter Sophie e Hans trancados até a chegada da SS para prendê-los.

Foto de Sophie dos arquivos da Gestapo.

Em seu interrogatório, Sophie inicialmente negou seu envolvimento com o grupo. Quando soube que seu irmão havia confessado, então ela confessou também. Em 20 de fevereiro de 1943, esta foi sua resposta firme e calma à última pergunta do oficial da Gestapo se ela se arrependia do que havia feito: “Diante da posição que defendo, eu devo responder ‘não’ para esta pergunta. Eu mantenho agora a mesma opinião que eu tinha antes, de que eu fiz o melhor que pude pelo meu povo. É por isso que não sinto nenhum remorso pela minha conduta e quero aceitar as consequências decorrentes da mesma.”

O juiz Roland Freisler ao centro.

Em 22 de fevereiro de 1943 realizou-se em Munique o “Tribunal Popular”, a mais alta corte nazista para crimes políticos. O juiz Roland Freisler acusou os irmãos e seu amigo Christoph de “alta traição e cumplicidade com o inimigo”. Mesmo sem autorização para se pronunciar, Sophie declarou:

“Alguém tinha de começar! O que escrevemos e falamos é o que muitas pessoas pensam, mas não têm coragem de dizer em voz alta!”.

Sophie, com 21 anos, foi sentenciada a morte junto a Hans e Christoph, com pena a ser executada naquele mesmo dia na guilhotina da prisão de Munique-Stadelheim. A maioria das fontes aponta que as últimas palavras de Sophie foram: “Como podemos esperar que a justiça prevaleça quando quase ninguém está disposto a se entregar individualmente a uma causa justa? Que dia lindo e ensolarado, e eu tenho que ir, mas o que importa a minha morte, se através de nós milhares de pessoas são despertadas e agitadas?”

Nota escrita por Sophie no verso de seu documento de acusação, em 22 de fevereiro de 1943. “Freiheit” significa “Liberdade” em alemão.

Meses após suas execuções, uma cópia do sexto folheto foi entregue aos Aliados de forma escondida. Eles sobrevoaram a Alemanha soltando milhares de cópias do folheto sobre ela. Em 19 de Abril de 1943, Freisler também sentenciou à morte Alexander, Willli e Kurt. Todas as apelações por clemência foram rejeitadas.

Sophie teve um sonho na noite anterior à sua execução, que dividiu com sua companheira de cela Else Gebel. No sonho, Sophie carregava em seus braços uma criança vestida em um longo vestido branco, levando-a para seu batismo. O caminho até a igreja era longo e íngreme, mas Sophie carregava a criança em segurança. Então, antes de cair num precipício que se abriu repentinamente sob seus pés, ela teve tempo suficiente de colocar a criança ao lado a salvo. Else interpretou o sonho de Sophie: a criança representava as ideias, que prevaleceriam a salvo apesar dos obstáculos, e os pioneiros que as carregaram e disseminaram morreriam cedo — entretanto, o ideal viveria!

O Sol ainda brilha

Após o fim da guerra, em 1945, o ministro da Cultura e o prefeito de Munique homenagearam a “bravura desafiadora dos jovens” por sua tentativa “de despertar o povo alemão de sua letargia”. Eles foram homenageados de inúmeras formas: comemorações públicas, nomes de ruas e instituições públicas, literatura e biografias. Nos 60 anos de sua execução, foi colocado um busto de Sophie Scholl no Templo de Walhalla, memorial dos heróis nacionais. Seu companheiro Alexander Schmore foi glorificado como santo pela Igreja Ortodoxa Russa em 2012.

O filme “Uma Mulher Contra Hitler” (2005) recebeu o Prêmio de Cinema Alemão de Melhor Filme e foi nomeado para o Academy Award de 2006 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Você pode assistir ao filme completo aqui, com legendas em português.

Cena do filme “Uma Mulher Contra Hitler” (2005). Sophie e Hans Scholl espalham o sexto folheto pelos corredores da Universidade de Munique.

Para quem tem a sorte de visitar a Universidade de Munique, encontrará no hall principal um busto de Sophie e uma escultura em homenagem aos 6 líderes do grupo de resistência. Na entrada da universidade, a calçada contém simulações em pedra dos folhetos atirados pelo chão. O Memorial Rosa Branca também localiza-se na universidade, assegurando que a força de Sophie siga bem viva em todas nós — especialmente diante de tiranos, os quais ainda temos muitos…

Homenagens feitas à Sophie e ao grupo Rosa Branca na Universidade de Munique, Alemanha.

--

--