Tatuagem em pele negra é mesmo mais difícil de fazer?

Thayna Iglesias
Lado M
Published in
4 min readDec 7, 2016

Qualquer mulher negra sabe o drama que é tentar se expressar esteticamente em uma sociedade ainda tão racista. Você quer pintar o cabelo — “mas essa cor não fica bem com a sua pele”. Você quer se maquiar — “mas não tem o seu tom nessa loja”. É como se a mídia e a indústria tivessem decidido que a cor branca é regra enquanto todas as outras são exceções — mesmo em um país com quase 54% de população negra. E quando o assunto é tatuagem, como lidar?

Eu não sou muito de usar maquiagem e não costumo pintar o cabelo, mas sempre fui apaixonada por tatuagens. Já tinha uma pasta cheia de fotos e ideias quando decidi fazer a primeira, no início deste ano. E foi aí que percebi o seguinte problema: todas aquelas fotos eram de garotas brancas.

Naquele momento, milhares de perguntas começaram a surgir. Será que vai ficar bem em mim? Não vai ficar muito apagada? Não vai ficar esquisita? Será que essa cor pega na minha pele?

Procurei informações em vários sites, mas todos diziam mais ou menos a mesma coisa: a pele negra é mais difícil de tatuar, procure um especialista. Porque o essencial é saber tatuar a pele branca e outros tons de pele são opcionais, é claro.

Outra coisa que me chateou foi a dificuldade em achar exemplos e inspirações. Nas poucas fotos que encontrei, a maioria das meninas eram hipersexualizadas e mal se podia ver os desenhos. Poucas tinham os traços sofisticados que encontramos ao retirar a palavra “negra” da pesquisa.

Então, desisti de fazer a tatuagem colorida. Ainda meio insegura, apostei nos traços finos. Ficou linda. Na segunda vez, a situação se repetiu. Queria uma aquarela, mas aquarela em pele escura? Tem como fazer isso? Decidi preencher com um sombreado. Ficou linda também, mas não era o que eu queria desde o começo. E a gente continua abrindo mão desse tipo de coisa e nos conformando com outras, simplesmente porque a indústria não nos proporciona e não tem interesse em proporcionar o que realmente queremos.

Mas, por mais difícil que seja, tem gente tentando mudar esse cenário. A paulistana Mariana Silva, de 25 anos, é um exemplo disso. Além de tatuadora, ela é ativista negra. E, depois de ser muito desencorajada a se tatuar por conta de sua pele, ela decidiu entrar no ramo para fazer a diferença.

“Diariamente recebo pessoas inseguras, com muitas dúvidas. Essas pessoas, de forma geral, receberam muitas negativas de outros tatuadores. Hoje eu tento, de diversas formas, encontrar e estudar técnicas para suprir essa necessidade”, conta.

A Mari garante, e prova em seus trabalhos, que esse mito de não poder colorir pele negra é a maior mentira: “existem cores que se destacam mais, esse é o ponto. Vai do tatuador saber mesclar as cores adequadamente para garantir um trabalho satisfatório. Isso precisa de estudo e dedicação, coisa que pouquíssimos se empenham em fazer”, ela explica.

Alguns trabalhos da Mariana em pele negra

Para a tatuadora, existe uma cultura que exclui as pessoas negras do universo da tatuagem, e a dificuldade para encontrar bons profissionais e referências na internet “é reflexo de um mercado elitista e majoritariamente composto por pessoas brancas”. Apesar de seu esforço para combater o racismo na profissão, os obstáculos ainda são muitos.

Segundo ela, “não tem produtos para a nossa pele, nem interesse em aprofundar o estudo sobre melanina. Tatuadores de forma geral excluem pessoas negras do seu portfólio e cultuam a ideia de que peles brancas se aproximam mais do papel”. O fator econômico torna essa indiferença ainda maior. “Em 2014, 73,2% das pessoas mais pobres do Brasil eram negras. O mercado de tatuadores hoje não investe em quem não tem poder aquisitivo para pagar. Ninguém vê o negro como pagante”, aponta.

Mariana, que constantemente precisa enfrentar o preconceito até mesmo dentro de seu próprio estúdio, não acredita que uma mudança de interesses do mercado atual esteja chegando. Ela acredita em mais negros tatuando e sendo tatuados. “Negro representando negro”, explica.

A verdade é que estamos cada vez mais empoderadas e entendendo que a cor da nossa pele não nos restringe de nada. Se o mercado se recusa a acompanhar esse movimento, o problema é dele. Porque vai ter negra de tatuagem colorida, sim. Vai ter negra dona de estúdio e arrasando nos desenhos, sim. Pessoas como a Mariana vão continuar surgindo, se especializando e mostrando o que podem fazer. Mostrando para pessoas como eu que não precisamos nos sentir inseguras.

E se você quer fazer uma tatuagem e veio aqui procurando ajuda, esquece a cor da sua pele e siga o conselho da Mari: “faça!”

Originally published at www.siteladom.com.br on December 7, 2016.

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