Um cabelo vale mais do que mil palavras

Carolina Pulice
Lado M
Published in
3 min readOct 20, 2015

Eu gosto de assistir às novelas da Globo para analisar suas mensagens e o que grande parte da população brasileira está assistindo. Sempre acho um absurdo ou outro, mas acabo esquecendo ou ignorando assim que outra cena entra no ar. Mas hoje decidi escrever sobre uma pequena observação que fiz, porque acho que é um assunto que pode e deve gerar maiores discussões para aqueles que, assim como eu, acreditam no poder de influência de uma novela.

Pois bem. Estava assistindo à última novela das 21h da Globo, chamada Babilônia, que chegou ao fim no dia 29 de agosto. Para quem acompanhou e sabe o enredo, a atriz Camila Pitanga interpretava uma personagem que tinha uma barraca na praia (no Rio de Janeiro) e que planejava se tornar gerente de um restaurante. Ela passou a novela inteira com seu cabelo cacheado, muito bem cuidado. Quando ela realizou seu plano de abrir um restaurante, alisou-o, tornando seus cachos meras ondas.

Naquele dia, assim que acabou a novela, começou a mininovela chamada Verdades Secretas. Uma das personagens é uma adolescente (Giovana), de cabelo liso, que decide se prostituir porque seu pai cortou sua mesada. Na cena em que ela entra no quarto de seu cliente, ela estava com o cabelo super ondulado, tendendo para o cacheado.

Aí então me indaguei sobre o porquê dessas mudanças no cabelo das atrizes. Seria por que o cabelo cacheado é visto como vulgar, e não é chique? A atriz que se tornou uma grande empresária modificou seu cabelo, deixando de lado a naturalidade dos cachos porque ela quis? Ou porque a sociedade impôe essa mudança?

E o fato me incomodou muito, porque esse é um pequeno retrato de como a moda dita nosso comportamento, e como alteramos nosso comportamento para evitar preconceitos. Ok. Talvez o cabelo alisado da personagem seja um problema minúsculo diante de tantos outros inúmeros problemas, que até são tratados nas novelas. Sobre como a personagem da Camila Pitanga sofreu preconceito por morar na favela, ou como muitas modelos recorrem à prostituição para sustentar suas famílias (em Verdades Secretas). Mas se o canal se propõe a levantar a bandeira do fim do preconceito, por que então não para de modificar as personagens de acordo com certos padrões estabelecidos?

O estereótipo de que somente a mulher de cabelo liso é séria e mais elegante afeta diariamente a vida de muitas mulheres. Ainda é grande o número de alisamentos realizados nos salões de beleza. Além disso, pensar na mulher de cabelo cacheado como vulgar ou indiscreta é ignorar as diferenças, necessárias para o desenvolvimento da sociedade.

A novela Babilônia acabou, e outra já entrou no lugar. Mas a influência dela pode permanecer para sempre na consciência de seus espectadores. E aí, o que fazer?

A atitude de alisar ou encaracolar o cabelo de suas atrizes faz do canal um agente do movimento cíclico de manter estereótipos e padrões de beleza para a sociedade. Assim, a atriz rica sempre estará bem vestida, com joias e salto alto. A empregada doméstica será negra, ou nordestina. E o ator bonito sempre será o protagonista. Esse ciclo (que poderia mais ser chamado de circo) permanecerá na inconsciência dos telespectadores, que mudarão hábitos e atitudes para entrarem na roda.

E a consciência involuntária de que esses padrões são errados e desnecessários pode não ser algo tão simples. E se o programa favorito de muitas pessoas reafirma que tal comportamento é certo, pior ainda. Talvez seja hora então de ficar mais alerta ao que assistimos, sabendo que, de alguma maneira, o que nos diverte pode, muitas vezes, estar afetando e influenciando algum vizinho ao lado. Ou que, algum dia, o afetado pode ser nós mesmos.

Originally published at www.siteladom.com.br on October 20, 2015.

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Carolina Pulice
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Jornalista que adora discutir sobre tudo com todo mundo, e de escrever sobre todas essas coisas que se tem pra se discutir