Uma Mulher Fantástica traz protagonista trans e leva o Oscar!

Graci Paciência
Lado M
3 min readMar 11, 2018

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Entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro sempre há muita riqueza nas histórias contadas, com variação de assuntos tratados e, principalmente, na maneira como as narrativas são apresentadas. Na premiação de 2018, o filme chileno Uma Mulher Fantástica se destacou entre um garoto que desaparece durante o processo de divórcio dos pais (Sem Amor), o conflito entre um cristão e um palestino (O Insulto), a delicada relação entre dois tímidos funcionários de um matadouro (Corpo e Alma) e as desventuras do gerente de um museu (The Square: A Arte da Discórdia).

Uma Mulher Fantástica se destacou por alguns motivos: o primeiro deles é por mostrar os problemas de Marina, uma mulher que reveza seu tempo entre o trabalho como garçonete e as apresentações como cantora em um bar. Ela mantém uma relação bem-resolvida com Orlando, um homem divorciado e mais velho que tem filhos adultos e uma filha pequena, e que desfruta de uma situação financeira confortável.

Dificuldades

Certa noite, Orlando passa muito mal e, mesmo sendo socorrido imediatamente por Marina, ele não resiste e morre. Como se não bastasse todo o sofrimento da perda do amado, Marina passa a enfrentar a fúria e o preconceito dos familiares de Orlando, tudo porque é uma mulher trans. A partir disso, podemos analisar o comportamento das pessoas que faziam parte da vida de Orlando, começando pela ex-esposa, Sonia (Aline Küppenheim), que não vê Marina como uma rival. Isso poderia ser algo bom, se não fosse consequência de seu preconceito, que não a permite enxergar Marina como uma mulher “de verdade”. Ela não quer que participe do velório “em respeito à filha de 7 anos”. A questão é: por que a simples presença de Marina seria uma falta de respeito com a criança? Em divórcios amigáveis, é comum os filhos do casal (mesmo quando crianças), conhecerem os novos parceiros dos pais, por que neste caso é diferente? Por que Marina é impedida de se despedir de maneira convencional do homem que ama?

O filho de Orlando, Bruno (Nicolás Saavedra), um homem que tenta se mostrar uma pessoa correta no começo, mas perde a noção quando as coisas não saem do seu jeito, é um exemplo clássico de desvio do que você deseja para quem você ama. Considerando que Orlando era um homem adulto que reencontrou o amor nos braços de Marina e era feliz com ela, por que o filho não estaria feliz pelo pai? Todos os dias vemos homens “aceitarem” numa boa o relacionamento do pai com uma nova mulher, mas para os homofóbicos e transfóbicos esse desejo de felicidade ao próximo é condicional.

Questões burocráticas

Os problemas não param por aí. Em Uma Mulher Fantástica, Marina ainda precisa enfrentar questões burocráticas e passa por humilhações durante o processo. Quando a sociedade questiona os direitos da jovem como cidadã, está condenando sua condição de transgênero e a marginalizando. Enquanto nos consideramos parte de uma sociedade evoluída, todos os dias, pessoas como Marina são questionadas, criticadas, humilhadas e expostas a tratamentos cruéis, que as matam um pouco a cada dia.

Uma vitória para a luta trans

Uma Mulher Fantástica é eficiente ao expor de maneira realista parte das dificuldades enfrentadas por transgêneros diariamente — segundo motivo de seu destaque. Dirigido por Sebastián Lelio, a obra já fez história ao se tornar o primeiro filme chileno a ser premiado com o Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Mas não é só isso, a obra também é o primeiro filme estrelado por uma transexual a ganhar o prêmio, o que é de suma importância por mostrar que não basta pagar de politicamente correto escalando profissionais cisgênero para estrelar grandes filmes interpretando transexuais, mas deixar que os próprios transexuais contem suas histórias.

A atriz e cantora lírica Daniela Veja- terceiro motivo de destaque — faz um trabalho primoroso no filme, elevando-o a uma obra imperdível e que merece ser apreciada intensamente. Enquanto admirar o trabalho de Daniela, pergunte-se se os absurdos sofridos por Marina terão um fim. Eu quero acreditar que sim, mas isso só será possível através de muita luta e resistência.

https://www.youtube.com/watch?v=_5dwogj-5t8

Originally published at www.siteladom.com.br on March 11, 2018.

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Graci Paciência
Lado M
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Gosto terror e rock. Criadora e apresentadora do programa Soul do Rock, na Antena Zero. BlueSky: @gratona https://medium.com/@cronicasdagraci