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Vaginismo, uma dor pouco conhecida

Gabriella Feola
Lado M
Published in
6 min readDec 19, 2018

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O vaginismo é uma disfunção sexual feminina que faz os músculos da vagina se contraírem de maneira intensa e involuntária, causando dor e impedindo qualquer penetração (pênis, dedo e até mesmo instrumentos ginecológicos). Não há estudos suficientes para determinar a porcentagem exata, mas pesquisas pontuais, como a publicada pelo Revisão Anual de Estudos Sexuais, estimam que o vaginismo afete cerca de 6% das mulheres. Mesmo sendo uma disfunção relativamente comum, muita gente não sabe do que se trata.

As mulheres que têm vaginismo demoram, em média, 5 anos para obter seu diagnóstico, segundo o estudo da Dra. Amy L Hansen. Se por um lado há uma demora médica para identificar o problema, por outro, muitas mulheres também demoram para buscar ajuda.

A Dra. Tereza Raquel Embiruçu, ginecologista e especialista em sexualidade, conta que algumas mulheres passam 15 anos enfrentando o vaginismo antes de procurar um médico. “Muitas só vão procurar um médico quando, aos 33 anos, decidem engravidar.”

Para entender melhor como o vaginismo interfere na vida sexual das mulheres, você pode ler essa crônica que relatando uma história real. Photo by Gabriel Matula on Unsplash.

Os relatos de mulheres que tiveram vaginismo ajudam a entender esta situação. Elas contam que quando sentiram dores intensas durante a relação sexual, acharam que era normal. “Minhas amigas diziam que era assim mesmo, que no começo dói e que era pra eu tentar mais”, explica Beatriz*, 24 anos, que começou a sentir a dor do vaginismo aos 17.

Vaginismo Primário e Secundário

O vaginismo mais comum é o primário — quando a mulher ainda é virgem e começa a sentir dores intensas que impedem a penetração. A princípio, é comum que a dor intensa seja entendida como algo que é parte da primeira relação. No entanto, passadas inúmeras tentativas, as mulheres começam a perceber que pode haver algo de errado.

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Clinicamente, o vaginismo é diagnosticado quando a mulher relata estar há mais de 6 meses sentindo dor em todas as suas tentativas de penetração. Clara*, de 21 anos, tinha a sensação de que não havia “buraco”, como se houvesse uma parede de pele bem fechada na sua vagina. Beatriz, diante de qualquer tentativa de penetração, sentia como se fossem rasgar uma pele fechada. A Dra. Tereza, explica que esse tipo de sensação é recorrente entre as mulheres com vaginismo.

O vaginismo secundário é quando a mulher já teve uma vida sexual com penetração e sem dores, no entanto, a partir de algum momento, ela passa a sentir dores e a apresentar essas contrações musculares involuntárias que impedem a penetração.

O que causa o vaginismo?

A Dra. Tereza explica que o vaginismo é como uma fobia, mas que a dor é algo físico muito intenso, não voluntário, e não pode ser controlado pela mulher.

É muito comum que se imagine que as causas do vaginismo estão ligadas a algum tipo de trauma e, de fato, essa é uma possibilidade. No entanto, a maioria dos casos são desencadeados por múltiplos fatores, que inclusive podem ser bem sutis e não relacionadas à violência. Além disso, nem sempre é possível identificar alguma causa.

“Aquela menina passou a vida inteira ouvindo que transar dói, que é pecado, que tem que tomar cuidado para não engravidar, que pega doença, etc. Falam como se perder a virgindade fosse perder uma coisa boa, pura, que você nunca mais vai encontrar. Ainda dizem que o rapaz pode estar só interessado em sexo e abandonar depois. Se a gente for pensar, como que essa menina vai querer, desejar, fazer sexo?”. Explica a Dra. Tereza, apontando como o medo relacionado ao vaginismo pode ser algo enraizado.

No entanto, a médica ressalta que os motivos sempre podem variar de pessoa para pessoa e nem sempre é possível identificar a causa.

Beatriz teve vaginismo primário. Ela frequentava a igreja desde pequena e na adolescência gostaria de guardar sua virgindade para depois do casamento. Quando decidiu ter relações com seu namorado, ela ainda se sentia culpada por não estar respeitando o dogma da sua igreja e achou, a princípio, que a dor era um sinal que deveria esperar.

Já Clara relata que sempre teve uma relação muito tranquila com a sua sexualidade. Era curiosa, gostava de pesquisar, nunca se sentiu culpada em se masturbar e conseguia gozar com facilidade. Decidiu ter relação sexual quando sentiu que seu corpo estava pronto. Ela tinha curiosidade e vontade, mas na hora sentiu dores, que se intensificaram nas próximas tentativas.

Quanto ao vaginismo secundário, as causa também são múltiplas: depressão pós parto, recuperação cirúrgica, luto, entre outras, incluindo a possibilidade de traumas físicos por causa de violência.

Segundo a Dra. Tereza, o medo que desencadeia o vaginismo está ligado a relação que a paciente tem com o próprio corpo e com a sexualidade. “Tem mulheres que nunca se masturbaram, que nunca olharam a própria vagina no espelho, mulheres de criação religiosas que sentem culpa, e mulheres que aparentemente nunca tiveram problemas com relação a isso”. Em todos casos, o tratamento é multidisciplinar e é preciso considerar as particularidades e as possíveis causas de cada paciente.

Diferenças entre os transtornos de dor gênito pélvica

Hoje o vaginismo é classificado como transtorno de dor gênito pélvica, junto a outras duas disfunções: a vulvodinia e a dispareunia.

Vaginismo: quando a contração é tão intensa que impede a penetração
Dispareunia: a contração é menos intensa, permitindo algum tipo de penetração, no entanto a dor é constante
Vulvodinia: dor em um ponto específico da vulva e é possível ter penetração

Estes transtornos de dor podem ter causas diversas. Em alguns casos, é possível que a dor seja causada por algum fator orgânico, que seria uma causa biológica e poderia ser tratada com remédios e intervenções. No entanto, a maioria dos casos não envolve nenhuma causa biológica e pode envolver vários fatores emocionais e psicológicos.

A disfunção pode ser explicada como um ciclo de “experiência de dor — medo da dor — contração muscular involuntária — mais experiência de dor”. Por causa deste ciclo, casos de dispareunia que não são tratados e que acabam submetendo a mulher a dores constantes podem se transformar em casos de vaginismo, já que a contração do assoalho pélvico de intensifica para evitar uma nova experiência de dor.

Clara conta que sua médica dizia que ela tinha de relaxar, no entanto, a solução não era simples assim. Clara estava em um relacionamento há mais de 3 anos, tinha tesão e desejo, conseguia relaxar, mas na hora da penetração sentia dores da mesma maneira.

Como é o tratamento do vaginismo?

Primeiro, é sempre preciso consultar um médico ginecologista, de preferência alguém que tenha mais afinidade com temas da sexualidade. Como a disfunção é desencadeada por diversos fatores que variam de pessoa para pessoa, o tratamento ideal, como relata a Dra. Tereza, são os tratamento multidisciplinares, incluindo ginecologistas, psicólogos e fisioterapeutas, por exemplo.

É preciso tomar cuidado com tratamentos que foquem em intervenção física, já que esta não é a principal causa do vaginismo. Eliminar gatilhos que levam a contração do assoalho pélvico, trabalhar o medo da dor, reduzir ansiedade e aplicar uma fisioterapia que parta de pequenas penetrações de evolua progressivamente, sem causar experiências de dor, são abordagens eficientes para tratar transtornos de dor gênito pélvica.

*Os nomes reais foram ocultados para preservar a intimidade das entrevistadas

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Gabriella Feola
Lado M
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Jornalista meio empreendedora, autora do livro Amulherar-se, cursa mestrado na Universidade de São Paulo, estudando Comunicação e Educação da sexualidade.