Filme Verão 1993 é pura beleza e fragilidade

Helena Vitorino
Lado M
4 min readDec 11, 2017

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Ainda sem entender muito bem o que se passa, Frida (Laia Artigas) vai recolhendo seus pertences pela casa que está prestes a abandonar com o tio e a esposa dele, a caminho de um novo lar que ela ainda não conhece. É assim que se inicia Verão 1993, primeiro longa-metragem de Carla Simón.

Uma nova vida para Frida

Com a mudança de lar, Frida, a garotinha seis anos cuja única informação que dispõe é de que sua mãe morreu, viverá agora com os tios e uma prima mais nova, em uma cidade rural, longe de Barcelona. Separada dos avós e dos parentes mais próximos, Frida sai do aconchego da capital para se ver no campo. Ela se está sem amigos e com um nicho familiar bem diminuto: o tio Esteve (David Verdaguer), irmão de sua mãe; a esposa de Esteve, Marga (Bruna Cusí), e a filha do casal, sua prima Anna (Paula Robles) de três anos.

Frida não compreende essa mudança. Mesmo tendo perdido a mãe, não entende porque deve viver com os tios e não com os avós em Barcelona. Sua chegada também não estava prevista para aquela família, de modo que todos terão de se adaptar à nova dinâmica. Toda a confusão em sua mente infantil cria uma pequena revolta contra seus tios, especialmente contra Marga, onde a menina deposita toda a tristeza cristalizada em raiva por ter perdido uma vida que tanto amava.

Amadurecimento rápido

Toda a adaptação ao novo lar e à sua nova condição é emoldurada pela visão de Frida. Tudo é visto pelo mais honesto olhar de uma criança que precisa amadurecer às pressas. Frida se sente sozinha, abandonada e confusa sobre o que houve com a mãe. Numa tentativa inconsciente de reverter o tempo, ela passa regredir seu comportamento como se fosse ainda um bebê, recusando-se a amarrar os sapatos e urinando na cama ao dormir. Frida é a filha enjeitada, hora absurdamente mimada pelos avós, hora desafiada duramente pela tia. Junto de toda a família e compreendendo melhor a si mesma, ela encontrará as respostas às perguntas que tem dentro de si, e só então poderá canalizar todo o sentimento incompreendido de perda, dor e saudade.

Ver a pequena Laia Artigas em cena, seus olhinhos cintilando e sua expressão de um amadurecimento que precisa ser acelerado, é como enxergar Marcélia Cartaxo em “A Hora da Estrela”, com os mesmos olhos brilhantes, buscando uma maturidade que ainda não existe. A semelhança física de ambas é transparente, e seus papeis de meninas abandonadas pelo mundo e pelo afeto são análogos. Macabéa é a sonhadora e ingênua criatura que não sabe nomear suas sensações, e Frida é o pequeno passarinho que, deslocado e sem lugar no Universo, tenta compreender as peças de um quebra-cabeça infeliz que encerrou a vida de sua mãe e a moveu para outra família.

Verão 1993

A estreia da diretora Carla Simón no cinema não poderia ter sido mais tocante e delicada. Em Verão 1993, sente-se na pele todo o desarranjo e complexidade infantil numa situação de perda e recomeço. O filme, falado em catalão, representará a Espanha no Oscar, e ainda que não vença a categoria de Melhor Filmes Estrangeiro, arrancará lágrimas e suspiros de quem o assistir. Poucos filmes são tão ousados a ponto de enviesarem toda a trama pelo ponto de vista de uma criança, e menos ainda obtiveram sucesso.

Longe de ser piegas ou infantil demais, Verão 1993 é honesto sobre a confusão de sentimentos que acomete crianças que perdem seu ponto de segurança. A câmera baixa, que fica 90% do tempo na altura e na face de Laila, deposita na jovem atriz toda a carga emocional de concretizar o filme, o que ela tira de letra e nos oferece o que há de mais belo na atuação. Frida não é a criança que vive a sorrir e a cantar, mas que está lutando contra seu próprio sofrimento. E, no meio de tanta dor, vai saber dizer sim a si mesma. A última cena tem o enorme poder de sufocar nossos corações, nos dando um nó na garganta e a sensação total e completa de dar sentido a todo o filme, que é poderoso, belo e real.

Politicamente, representar a Espanha no Oscar é um desafio para o filme, que é falado em catalão. Participar de uma premiação internacional e carregar consigo a mensagem de que a Catalunha também produz arte e conteúdo artístico é uma estratégia interessante de incorporar a luta pela independência da região. Mas de qualquer maneira, vencendo ou não o Oscar, o filme Verão 1993 vencerá com certeza o coração de todos aqueles que o assistirem por sua fragilidade incomparável,a beleza e emoção que carrega.

Originally published at www.siteladom.com.br on December 11, 2017.

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