Victoria e Abdul: como uma amizade improvável pode salvar vidas

Helena Vitorino
Lado M
4 min readNov 6, 2017

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A Rainh Victoria foi, durante muito tempo, a monarca mais longeva e poderosa do Reino Unido. Quando nada mais era capaz de fazê-la sorrir, Abdul Karim apareceu e modificou o curso da história da realeza britânica. Desenvolvido a partir de uma das relações mais inacreditáveis e fascinantes da História, o filme Victoria e Abdul mostra como essa improvável amizade entre a Rainha mais poderosa do século 19 e um servo indiano foi responsável por salvar a existência de ambos.

O enredo

A Rainha Vitória (Judi Dench), no ápice de seus 81 anos, já não demonstrava qualquer ânimo em participar dos protocolos sociais impostos à vida de monarca. Todos os pomposos encontros e jantares reais a conferiam um imenso tédio, assim como todos aqueles que a cercavam. Dezenas de criados, camareiras, governantas, chefs e sub-chefs, todos a seu serviço, porém nenhum deles lhe era capaz de despertar qualquer tipo de interesse. No esforço de lhe aprazer em alguma atividade, sua equipe real traz dois jovens indianos, incumbidos de lhe apresentar a medalha do Mohur, uma moeda indiana comemorativa.

Mas não é o Mohur que lhe chama atenção, mas a audácia de um dos jovens servos, que contraria os protocolos de serventia à Rainha, e lhe dirige um olhar caloroso e amigável. Ao cometer a blasfêmia de olhar diretamente nos olhos da Rainha, o jovem Abdul Karim (Ali Fazal) estabelece com ela uma conexão de curiosidade, deixando-a cativada pela sua ousadia e simplicidade.

Ao contrário do exército de servos que a sufocava com infinitas bajulações, como carregá-la nos os braços para fora da cama pela manhã, ou controlar o funcionamento de seu intestino, Abdul não subestimava a capacidade da Rainha de pensar e agir por si só. A sagacidade, a imaginação e a inteligência do mouro muçulmano levaram Victoria a outro universo, longe das enfadonhas reuniões e paparicos da corte real. Mostrando à idosa monarca que a vida ainda lhe pertencia, e que havia muitas outras coisas ainda a se descobrir fora dos muros do palácio, Abdul ganhou sua confiança e estima. É possível dizer que a amizade improvável dos dois, tema de um dos mais belos filmes do ano, salvou a ambos do ostracismo e do isolamento de uma vida sem amor.

Victoria e Abdul na vida real

Victoria e Abdul

Victoria e Abdul explora como as diferenças culturais, sociais e estéticas podem deixar de serem barreiras para se tornarem conexões. No caso de Abdul e a Rainha Victoria, duas existências sem qualquer possibilidade de convívio, as diferenças e contrastes foram essenciais para o surgimento de uma afeição ímpar. Interessada pelo que aquele jovem poderia lhe ensinar, a Rainha o transforma em seu Munshi (professor pessoal), e pede que ele lhe introduza a tudo aquilo que achar interessante, por mais simples ou banal que possa parecer. O jovem, então, lhe apresenta conceitos e tradições completamente novas, como a escrita urdu, a história do Taj Mahal, a arte da tapeçaria tradicional persa e o sabor incomparável da rainha das frutas: a manga.

A relação dos dois, no entanto, foi abominada pela Corte Real, pelos habitantes do Palácio e pela família de Victoria. Preocupados que Abdul viesse a interferir na vida da monarca, todo o palácio, incluindo serviçais de alto e baixo escalão, guiados pelo filho mais velho e sucessor direto do trono, arquiteta um plano para encerrar de uma vez o prestígio do indiano no Palácio. Ou a Rainha expulsa Abdul da Inglaterra e desiste de mantê-lo com seu munshi, ou o médico responsável pelo Palácio atestará que ela se encontra mentalmente incapacitada de exercer suas funções de líder de Estado, transferindo o trono automaticamente a Bertie, seu filho mais velho. A Rainha trava então uma batalha para proteger Abdul da inveja e ganância daqueles que o querem fora dali, ao mesmo tempo em que preocupa-se em como será a vida dele após sua morte, prevendo o pouco tempo que lhe resta.

Uma mensagem atual

A belíssima fotografia e a trilha sonora são responsáveis por transportar o expectador do filme aos mais belos cenários da época. Num período em que a Índia era colônia britânica, e que os preconceitos raciais e sociais contra indianos tornava a amizade dos dois povos praticamente impossível, Abdul e Victória provaram que os seres humanos não se definem apenas pela guerra, pela dominação e pelo racismo. Juntos, um simples escrivão penitenciário e uma idosa entediada e solitária vão descobrir a beleza de se comunicar com o diferente, de igual para igual, e de se descobrirem seres humanos no auge da sua vida, salvos pela amizade e pelo amor um do outro.

Originally published at www.siteladom.com.br on November 6, 2017.

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