Violência doméstica e o coronavírus: momento de discutir políticas públicas para as mulheres
Os governos de diversos países estão em uma corrida contra o tempo no combate à violência doméstica, que tem aumentado por conta do isolamento social imposto pela crise do coronavírus.
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Este ditado nunca fez tanto sentido para dezenas de milhares no mundo todo que sofrem diariamente com a violência cometida dentro de suas próprias casas.
Os números têm aumentado. Em Blumenau, um município em Santa Catarina, por exemplo, houve um aumento das ligações de mulheres denunciando violência doméstica. Segundo dados da polícia militar, o número de telefonemas aumentou 39% em março em relação ao mesmo mês em 2019. Do outro lado do país, os números também assustaram: segundo o site G1, em apenas quatro dias (do dia 23 ao 27 de março), o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Fortaleza (Ceará) teve 65 pedidos de pedidos de medida protética de urgência.
Embora os números assustem, a discussão é mais complexa e de difícil solução. Organismos internacionais e estudos comprovam que o isolamento social e a quarentena são as medidas mais eficazes para conter a contaminação em massa causada pelo coronavírus. É imprescindível que as pessoas — sejam do grupo de risco ou não — evitem ao máximo sair de casa neste momento (em que a contaminação ainda não atingiu seu pico). Se correr o bicho pega.
O bicho, conhecido pelo nome de COVID-19, tem levantado diversas questões em diversos setores, seja na saúde, na economia, nas interações sociais, nas nossas relações com nossas casas. E, portanto, não deveria ser diferente com a questão das medidas de proteções às mulheres.
Por isso decidi citar algumas medidas tomadas por países que mostram que há uma alternativa para essas mulheres que sofrem ou podem sofrer violência doméstica, e que tais medidas não devem durar somente no período da pandemia, mas talvez deva ser vista como uma política pública.
No dia 2 deste mês, o ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos anunciou a criação de plataformas digitais dos canais de atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH).
Assim, a mulher vítima de violência doméstica poderá utilizar não somente o telefone, mas os meios digitais para pedir socorro. “Tanto no site, quanto no aplicativo, será possível enviar fotos, vídeos e documentos que comprovem a situação de violência”, afirmou o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Fernando Pereira.
Embora a medida não resolva todos os problemas — como, por exemplo, o de garantir proteção à vítima após a violência — , ela promete facilitar as denúncias e ajudar com o conhecimento de casos. O ministério promete ainda criar funcionalidades como chat, vídeo chamada em Libras e gravação de denúncias em áudio.
Além do Brasil, a França também anunciou medidas protetivas. Na segunda-feira (30), o ministério de Igualdade de Gêneros francês anunciou que pagará quartos de hotel para vítimas de violência doméstica e abrirá centros de aconselhamento para as vítimas.
Ainda segundo a agência Reuters, o governo afirmou ter uma verba extra de 1 milhão de euros para ajudar organizações de ajuda a vítimas de abuso doméstico.
Nos Estados Unidos, o governo do estado de Nova York anunciou que providenciará abrigos seguros para mulheres que sofrerem algum tipo de violência. O estado, com o maior número de casos de pessoas contaminadas pelo coronavírus, também registrou o aumento de 20% nos casos de violência doméstica desde que a quarentena começou (dia 20 de março).
O momento é atípico. A humanidade passou por poucas pandemias, a sociedade moderna jamais imaginaria ter que se confinar por tanto tempo em suas casas. E, embora ainda estejamos no olho do furacão (aqui em São Paulo, onde escrevo, nem chegamos ao pico de contaminados), já é possível ver quais áreas devem ter mais tenção na sociedade pós-pandemia.
E quais medidas devem ser tomadas sempre, em todos os lugares do mundo, em todas as instâncias dos Estados.
A violência doméstica não é um assunto novo; vem acompanhando a sociedade há milhares de anos, infelizmente. Novidade é ter este espaço de discussão e ter muita gente que se engaja no planejamento de soluções e ações para diminuir esse crime que tem acometido tantas mulheres. A sua vizinha, a sua mãe, a sua amiga, você. É preciso que a pandemia seja mais um universo nas discussões do tema, e que se torne mais um episódio na discussão da importância de políticas públicas para defender as mulheres do mundo todo.