Viver com alopecia: o impacto da queda drástica de cabelo para a autoestima das mulheres

Giovanna Chencci
Lado M
Published in
7 min readNov 17, 2020

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A forma como elas lidam com a perda dos fios é um reflexo direto de como a sociedade trata a calvície feminina

Em um intervalo de duas semanas, Beatriz Santos viu todo o seu cabelo cair de uma só vez. Esse episódio aconteceu em 2012, quatro anos após o diagnóstico de alopecia areata, uma doença que desequilibra o sistema imunológico, atingindo os fios e provocando uma queda significativa dos pelos de todo o corpo. Com essa drástica mudança na aparência provocada pela ausência de cabelos, sua autoestima também foi abalada — principalmente por estar dentro de um processo em que ela não tinha controle ou conhecimento sobre o que estava para acontecer com seu organismo.

“Quando eu tinha cabelo e começaram a aparecer as primeiras falhas, parecia muito distante para mim, não achava que um dia ficaria careca. Na época, eu ficava angustiada, mas tinha certeza que não iria acontecer. Mas quando vi que estava realmente caindo muito, eu lembro de pensar ‘como que eu vou lidar?’”, relata Beatriz, que é editora de livros e coautora da publicação Era uma vez um cabelo. Hoje, sua cabeça é lisa, não possui os pelos das sobrancelhas e restaram apenas alguns fios nos cílios.

A força simbólica dos fios

A dúvida sobre como encarar a calvície é um questionamento bastante comum entre as pessoas que perdem seus cabelos, já que eles carregam consigo uma série de representações culturais, que podem ser analisadas desde a antiguidade, em registros mitológicos, até histórias de contos de fadas da idade contemporânea.

Medusa, conhecida personagem da mitologia grega, possuía cobras no lugar de suas madeixas e podia petrificar e matar aqueles que a olhassem diretamente. Há ainda Sansão, uma figura bíblica que perdeu sua invencibilidade quando teve seus longos cabelos cortados. Ou então Rapunzel, uma jovem donzela de um dos clássicos dos irmãos Grimm, no século XIX, que, ao ficar presa em uma torre, usa os seus resistentes fios loiros como única forma de contato com o mundo exterior.

Essas são algumas narrativas que demonstram a personalidade e a força das pessoas a partir de seus cabelos. E, de acordo com esse raciocínio, os indivíduos que possuem longos e saudáveis fios são vistos como pessoas com mais vitalidade, virilidade e sensualidade. Lembrando que o cabelo também pode ser entendido como um marcador de tempo e crescimento, de forma que seus cortes, penteados e cores vão se alterando a cada fase da vida, como ritos de passagem naturais que fazem parte da vivência de cada um. Diante de tantos significados, é natural que haja um choque quando os fios se perdem contra a vontade das pessoas e custam a voltar — ou nunca mais retornam — ao que eram antes.

Cabelos e autoestima feminina

Pensando agora nas mulheres, o impacto emocional que essa perda excessiva de cabelo causa é grande, em especial para as que vivem em sociedades marcadas pela valorização de madeixas longas, cheias e volumosas. As que sofrem com a calvície feminina acabam desenvolvendo, em um primeiro momento, uma baixa autoestima que pode desencadear problemas ainda mais sérios, como ansiedade e depressão. “Por estar relacionada à aparência, a alopecia impacta na autoestima das mulheres, porque ela atinge as suas identidades, imagens e vaidade”, explica Kesya Souza, psicóloga com foco no tratamento de pessoas com alopecia e que também foi diagnosticada com a doença. “A autoestima é construída todos os dias com pequenos gestos, em pequenas ações, então precisamos trabalhar isso conosco o tempo todo para fortalecer nossa imagem”, completa.

Após o susto com a mudança de imagem repentina, as mulheres precisam lidar com os olhares de estranhos nas ruas que se espantam ao vê-las calvas ou mesmo carecas. “Há uma falta de compreensão da sociedade com pacientes com alopecia, porque eles passam a ser alvo de olhares, geralmente piedosos, achando que a pessoa está fazendo tratamento de câncer, por exemplo, e por isso o cabelo caiu”, relata Enilde Borges Costa, médica dermatologista e coordenadora do Grupo de Apoio aos Pacientes com Alopecia Areata (AAGAP), em São Paulo (SP).

São esses olhares às mulheres sem cabelos que contribuem para que a alopecia seja maior do que realmente é. “Eu associo essa questão muito ao machismo, a uma cobrança nas mulheres para mostrarem sua feminilidade pelos cabelos, se enquadrarem em um determinado padrão de beleza. E tudo isso gera uma angústia, um medo de ficar careca e ser aceita”, explica Beatriz.

Pelos e cabelos do corpo possuem uma função protetora no organismo, ao evitar atrito com outros corpos e objetos ou cuidando para que raios UV e agentes externos não causem danos à pele. Por outro lado, hoje em dia, há muitas roupas e acessórios que conseguem reproduzir a função protetora dos fios corporais. No entanto, a questão deixa de ser a sua função biológica e continua sendo a aceitação social da careca feminina. “Aqui no Brasil existe uma cultura muito forte do cabelo e eu acho que é isso que causa a tristeza e a dificuldade, não a doença em si”, completa a editora.

Processos de aceitação

Jessica Tavarez tem 27 anos, é fisioterapeuta e foi diagnosticada com alopecia androgenética em 2017. Essa variação da doença é determinada por variações hormonais além da questão genética. Ela conta que, no começo, recusou-se a aceitar que precisava de um tratamento capilar como forma de conter a queda. Isso até a sua gravidez, em 2019, quando teve uma perda de cabelo temporária após uma situação de desequilíbrio no organismo. Mesmo já acostumada a ter o cabelo mais fino na parte frontal da cabeça, ela tomou um choque quando, ao acordar um dia ao lado do filho, viu uma grande quantidade de fios na cama e na roupa dele.

Nesta mesma época, as falhas em seu cabelo passaram a ficar cada vez mais perceptíveis e as pessoas começaram a comentar. “Até que uma vez, estava conversando em um grupo de conhecidos e uma das mulheres que estava lá falou: ‘deus me livre meu cabelo ficar igual ao dela, eu não daria conta’. Nesse momento, meu mundo caiu”, conta a fisioterapeuta.

Foi preciso um longo processo de aceitação, tratamentos e cuidado com a saúde psicológica para que Jessica pudesse lidar melhor com a sua nova imagem. Sobre esta questão, Kesya destaca que aceitar esse “novo eu” é diferente de gostar e que as mulheres não precisam gostar de não ter cabelo, “mas não se boicotarem em relação a isso, deixarem de viver ou se isolarem por conta da alopecia”.

Redes de apoio

O suporte emocional de terapeutas e amigos é fundamental neste momento para que as mulheres não se sintam sozinhas. Buscar uma rede de apoio com pessoas que estão passando pela mesma situação também é uma forma de entender melhor o que está acontecendo com seu próprio corpo. Um dos caminhos tomados por Jessica foi buscar, nas redes sociais, outras mulheres com alopecia. Já Beatriz, descobriu o grupo de apoio do qual a médica Enilde e psicóloga Kesya são coordenadoras, o AAGAP.

“O cabelo sempre pode nascer e cair de novo e essa sensação de imprevisibilidade é difícil de lidar, porque pensamos que temos controle da nossa vida e imagem, o que não é necessariamente verdade. Nesse sentido, os grupos de apoio podem ajudar, ao possibilitar que as pessoas encontrem outras que têm a mesma doença, e possam compartilhar angústias e medos”, finaliza Enilde, que, após anos trabalhando com pacientes com alopecia, decidiu criar o grupo de apoio em 2003.

Tratamentos para alopecia

As causas que levam a queda dos fios são diversas e caracterizam os tipos de alopecia — areata, androgenética, eflúvio telógeno, cicatricial, de tração, entre outras –, sendo que cada uma delas necessita de um tipo de tratamento específico. Em todos os casos, é importante lembrar, um médico dermatologista precisa fazer todo o acompanhamento do paciente, indicando os melhores medicamentos e procedimentos.

Além de conhecer o melhor caminho que deverá ser traçado pelo paciente, os profissionais saberão alertar sobre os possíveis efeitos colaterais que cada medicação e procedimento pode causar ao organismo. Para a alopecia areata, por exemplo, um dos tratamentos mais indicados é baseado no uso de corticoides, que atuam diretamente no sistema imunológico e pode minimizar os efeitos causados pela doença no couro cabeludo. No entanto, os medicamentos acabam também atingindo a massa óssea, de forma que a osteoporose pode ser um efeito colateral.

Em 2008, Beatriz recebeu seu diagnóstico e começou a fazer tratamentos para interromper a queda de cabelo. Mas, em dois anos, ela teve que paralisar toda a medicação que tomava porque ela estava com osteopenia, um estágio anterior a osteoporose. “O médico sabia dos efeitos colaterais que eu poderia ter, mas é aquela coisa, a gente sabe, mas não acha que vai acontecer, sempre fica aquela dúvida”, relata.

Já para a alopecia androgenética, há uma variedade de tratamentos que envolvem desde uso tópico de medicamentos como Minoxidil, que estimula o crescimento dos fios nos folículos capilares, até tratamentos hormonais via oral. Jessica explica que sua rotina de procedimentos é bastante extensa, mas que já conseguiu resgatar parte do cabelo perdido nos momentos de crise e hoje está mais contente com suas madeixas.

Couro cabeludo da Jessica quando começou a perder os fios (Foto 1) e, em seguida, com os tratamentos (Fotos 2 e 3) / Arquivo pessoal

Atualmente, ela faz tratamento com Minoxidil, além de medicamentos hormonais e anti-androgênicos, que também atuam na recuperação dos fios. “Tudo que eu faço é acompanhado pela dermatologista e é um tratamento para o resto da vida, porque todo dia estamos em um processo, olhamos no espelho e pensamos que o cabelo não é como era antes, mas está tudo bem”, finaliza.

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