Você conhece o feminismo interseccional?
As mulheres são diferentes entre si. Raça, classe social, orientação sexual, religião e muitas outras particularidades exigem que as demandas do feminismo se adequem para atender a todas. E é aí que a interseccionalidade começa.
A princípio a palavra pode causar dúvidas e lembrar algumas aulas de matemática. Com os números, interseccionalidade é quando um grupo de elementos se encaixa em mais de um conjunto ao mesmo tempo.
No feminismo, isso não é muito diferente: cada particularidade representa um conjunto, por exemplo a raça, a classe social e a orientação sexual. Nesses grupos a intersecção é de gênero, pois todas são mulheres. Algumas farão parte de poucos conjuntos, mas não há limite quanto ao número de conjuntos com os quais uma mulher pode se identificar. E isso reflete nas reivindicações da luta feminista.
A pele negra, por exemplo, tem um histórico de preconceito muito particular: os estereótipos que as mulheres negras carregam são historicamente diferentes daqueles que afetam as mulheres brancas. Assim a aceitação da aparência natural para as mulheres negras muitas vezes caracteriza um ato de empoderamento muito significativo. E questões como essa não podem ficar de fora das pautas feministas, afinal todas precisamos de espaço.
Algo parecido acontece com mulheres trans, lésbicas e também com as de classes sociais mais baixas. Uma vez que cada grupo vivencia opressões e em diferentes esferas do cotidiano e precisa de voz para expor aquilo que as representa da melhor maneira possível.
O fato de a representatividade sempre pertencer a uma classe privilegiada, principalmente durante a ascensão do feminismo, contribuiu para que muitas minorias fossem prejudicadas. Nana Oliveira, jornalista e editora da revista Azmina, comenta essa questão “Eu não vejo nenhuma maneira de ser feminista se não for interseccional. Isso vem da minha própria história enquanto mulher: nasci em uma família pobre, mais velha de seis filhos, sofri abuso sexual na infância e assédios de muitos tipos”
Nascida na periferia de São Paulo, Nana é a mais velha de seis irmãos e explica que percebeu com o tempo, e ascensão financeira da família, o quanto ser feminista estava em seu cotidiano de forma prática, pois ela desconhecia a teoria. A jornalista conta também que acredita que o feminismo interseccional não recebe a atenção que mereceria nos debates de internet.
Ela explica que “Algumas pessoas usam conhecimentos sobre interseccionalidade pra humilhar mulheres menos esclarecidas com a carteirada do ‘você devia ler mais’ sem perceber que isso é uma enorme contradição: afinal, é uma carteirada de elite intelectual.”
Larissa Santiago, é escritora no site Blogueiras Negras, e conta sua experiência como o feminismo interseccional: “Meu contato com a interseccionalidade veio muito depois de conhecer o feminismo. Quando eu ainda me descobria feminista estudei e li muita coisa das feministas brancas clássicas, mas aos poucos a minha identidade de mulher negra começou a se consolidar”. Nesse processo, Larissa ressalta que a figura de sua mãe e de sua avó foram essenciais para sua construção enquanto mulher negra.
A imagem acima é um grafite de Ary Marciano, estudante de artes visuais da Escola de Comunicação e Artes da USP. Negra e feminista Ary ressalta que e encontra dificuldade em enxergar uma unidade plena no feminismo “A existência de um feminismo negro além do feminismo branco é prova disso: é necessário pararmos de tentar ‘ignorar nossas diferenças’ e encará-las nas suas totais complexidade.”
A interseccionalidade não pretende segregar, mas sim integrar. E eu, como mulher negra, aprendi isso há não muito tempo. O feminismo não tem dogmas, não é fechado: ele pode (e deve) ser um espaço onde todas são aceitas, ouvidas e compreendidas.
Originally published at www.siteladom.com.br on January 11, 2016.