Na foto, vemos a atriz Yuh-Jung Youn com a cabeça apoiada em um tronco de árvore cortado. Ela tem uma expressão serena e segura flores cor-de-rosa.
Foto: Peter Ash Lee/The New York Times.

Yuh-Jung Youn: a atriz por trás da irreverente avó em “Minari”

Aline Naomi
Lado M
Published in
6 min readMay 3, 2021

--

No domingo, 25, eu assistia à transmissão do Oscar e, enquanto checava o Twitter, minha mãe apontou para a televisão e disse: “Essa eu conheço!”. Era Yuh-Jung Youn, a ganhadora do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em Minari. Minha mãe não a conhecia do filme de Lee Isaac Chung, mas sim da série Dear My Friends (sim, ela é uma grande fã de dramas coreanos). Isso mostra o quanto o trabalho de Youn é popular não só em seu país natal, mas também por aqui.

Em Minari, Youn interpreta Soonja, a avó de uma família coreana que se muda para os Estados Unidos para que o pai, Jacob (Steven Yeun), consiga realizar seu sonho de ter uma fazenda. Brincalhona, Soonja gosta de jogar baralho, xingar e assistir à luta-livre, coisas bem incomuns para uma avó — o que incomoda seu neto, David (Alan Kim).

Assistindo e lendo entrevistas de Youn, dá para entender porque a atriz foi selecionada para interpretar Soonja. É impossível não dar risada ao vê-la perguntando a Brad Pitt, produtor de Minari, porque ele não estava nas gravações do filme em Tulsa, nos EUA, ou fazendo seu discurso de agradecimento no BAFTA (a premiação britânica de filmes) dizendo se sentir honrada, afinal ingleses são conhecidos por serem “esnobes”.

Discurso de agradecimento de Youn durante o Oscar 2021.
Discurso de agradecimento no BAFTA 2021. Depois de desejar condolências pelo falecimento do Príncipe Philip, a atriz diz que britânicos são esnobes, o que arranca risada da plateia.

“Eu tenho um pouco mais de sorte”

Em seu discurso no Oscar, Youn diz às outras concorrentes que naquele dia ela foi apenas um pouco mais sortuda do que as outras. “Todas as cinco indicadas somos vencedoras por um filme diferente. Não podemos competir umas com as outras. Esta noite estou aqui porque tenho um pouco de sorte, eu acho”, disse a atriz. E sua história traz muitos momentos de sorte como esse.

No começo dos anos 1960, Youn foi chamada para distribuir brindes à audiência de um programa infantil. Ela seguiu fazendo trabalhos semelhantes até que um diretor sugeriu que ela participasse de uma audição. Youn hesitou a princípio, mas aceitou a sugestão, mais por necessidade do que por interesse na profissão. “A maioria das pessoas se apaixonam pelos filmes ou pelo teatro. Mas no meu caso foi só um acidente”, disse a atriz em entrevista ao The New York Times.

Pôster colorido de filme. Na imagem, aparecem escritos em coreano, uma jovem coreana no centro, interpretada por Yuh-Jung Youn, e o rosto de outra atriz coreana com a expressão cabisbaixa.
Poster do filme “Woman of Fire” (Reprodução)

Youn não sabia o que era atuar, então simplesmente decorou as falas e fez o que mandavam. E deu certo: em 1966, ela passou no teste e fez sua estreia como atriz em uma série dramática chamada Mister Gong. Em 1971, ela fez sua estreia no cinema com o filme Woman of Fire, do diretor Kim Ki-Young, a quem ela agradece em seu discurso no Oscar.

Mudança para os EUA e maternidade

No auge de sua carreira, em 1975, Youn casou-se com o cantor coreano Jo Young-Nam e se mudou com ele para os EUA. No mesmo ano, ela teve seu primeiro filho. Em entrevista ao Bustle, a atriz conta que o médico obstetra nunca tinha feito o parto de um bebê asiático. “A pele de um menino asiático é diferente, então pensaram que ele tinha icterícia [doença que causa coloração amarela na pele]. Mas não, ele estava bem!”, lembra.

Naquele momento, criar o primeiro filho era seu maior objetivo, então Youn se dedicou a ler sobre o tema, já que ligações internacionais eram caras na época e ela não poderia pedir conselhos para a mãe sempre que quisesse. Assim como a mãe da família de Minari, Youn encontrou na igreja uma forma de criar laços na nova casa.

“Eu sou uma pessoa muito realista, então sabia que quando fosse para os EUA ninguém me conheceria. Eu geralmente não olho para trás e fico pensando nos bons momentos que tive. Eu esqueci completamente isso e tentei aprender a cozinhar e a me adaptar aos meus novos amigos americanos.”

— Yuh-Jung Youn ao Bustle

De volta para a Coreia do Sul e para a atuação

Depois de quase uma década morando nos EUA e com dois filhos, em 1984 Youn decidiu se divorciar do marido (o que foi oficializado em 1987) e voltar para a Coreia do Sul. Fazia muito tempo que a atriz havia deixado de atuar, então no começo ela achou que não teria espaço na atuação e acabaria voltando para a Flórida. “Então uma de minhas amigas me disse: não seja estúpida, você é talentosa, você vai ter um nome na atuação de novo. E ela estava certa”, conta ao The New York Times.

Enquanto seu ex-marido procurava voltar para as apresentações musicais, Youn enfrentava os obstáculos de ser uma mãe solteira em uma sociedade patriarcal. A audiência chegou a ligar para as emissoras dizendo que ela não deveria aparecer, já que era uma divorciada. No entanto, para garantir que seus filhos fossem para boas universidades, ela aceitou a maioria dos papéis que lhe oferenciam.

“Pensando em tudo isso, valeu a pena. Naquela época, eu sofria interpretando apenas papeis pequenos e com a maioria das pessoas me odiando. Eu pensei em desistir e voltar para os EUA. Eu ainda estou viva e finalmente gosto de atuar.”

—Yuh-Jung Youn ao The New York Times

Minari

Aos 60 anos e sem a obrigação de sustentar sua família, Youn decidiu que só participaria de projetos de pessoas nas quais ela acreditava. Um amigo próximo da atriz a apresentou para o diretor Lee Isaac Chung, que conhecia seu trabalho em Woman of Fire.

Chung via muita semelhança entre Youn e a personagem que havia criado para Minari. A atriz era conhecida por ter um bom coração e um jeito meio absurdo de lidar com as coisas (como já vimos nos vídeos citados anteriormente). O diretor sabia que Youn incorporaria essas características à Soonja de uma forma cativante para o público. E acertou em cheio.

Imagem da atriz coreana Youn Yuh-Jung em uma cena do filme Minari. Ela está sorrindo olhando para alguém fora da imagem.
Cena do filme “Minari”, em que Yuh-Jung Youn interpreta a avó Soonja (Divulgação)

“Eu não fui a nenhuma escola de dramaturgia e não tinha estudado cinema, então tinha um complexo de inferioridade. Eu pratiquei tanto quando recebi o roteiro.”

— Yuh-Jung Youn ao The New York Times

Asiáticas no cinema: mudanças à vista?

A temporada de premiações foi cheia de primeiras vezes para mulheres, sobretudo as asiáticas. Ao mesmo tempo que as vitórias são celebradas, elas também trazem um pouco de ceticismo, afinal falamos de uma indústria que existe há décadas e que apenas há pouco tempo cedeu à representatividade (e ainda caminha a passos lentos).

Youn é a primeira asiática a ganhar uma categoria individual em um filme no SAG Awards (em obras para televisão, temos a canadense Sandra Oh), a primeira atriz sul-coreana a ganhar o BAFTA e a segunda asiática a ganhar um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

Antes de Youn, a japonesa Miyoshi Umeki havia ganhado na categoria pelo filme Sayonara, em 1957. No filme, Umeki interpreta Katsumi, uma japonesa que vivia um romance proibido com um piloto americano, interpretado por Red Buttons. Ainda que tivéssemos a presença de uma asiática, Katsumi não era protagonista de sua própria história. Sua personagem vivia a serviço do personagem principal, um homem branco, e era retratada de maneira racista e sexista. Ela acaba sendo a reprodução do imaginário ocidental sobre a mulher asiática.

Cena em preto e branco do filme Sayonara. Nela, Red Buttons encontra-se em uma banheira, enquanto Umeki, enrolada em uma toalha, joga água na cabeça dele.
Cena do filme “Sayonara” com Miyoshi Umeki e Red Buttons em cena (Reprodução)

De certa forma, as vitórias não só de Youn mas também de Chloé Zhao, diretora de Nomadland, quebram o paradigma da mulher asiática não só na frente das câmeras, mas atrás delas. A popularização do cinema sul-coreano e os movimentos de Stop Asian Hate contra os discursos de ódio a asiáticos (insuflados pela pandemia) podem ajudar a conscientizar o Ocidente sobre a visão problemática que ainda tem sobre pessoas amarelas, mas essa é uma conversa que está apenas começando.

--

--

Aline Naomi
Lado M
Writer for

Jornalista formada pela USP, feminista e influencer anônima. Gosto de conhecer e contar histórias e acredito que elas têm o poder de transformar o mundo.