A importância dos copos adequados na hora de beber cerveja

Victor Kling
Ladobier
Published in
7 min readNov 7, 2018
foto: Victor Kling / LadoBier

“Com a cerveja na temperatura certa e servida com a habilidade de um expert, em um copo apropriado, tudo o que resta fazer é beber e se deleitar”. — Michael Jackson.

Quem pensa que o tema da cristaleria se resume a puro capricho, está muito enganado. Os copos são elementos importantíssimos no conjunto da experiência que é beber cerveja. Sua participação é fundamental, pois eles são a ponte entre a garrafa, lata ou barril e a nossa boca, ou seja, são responsáveis por trazer a bebida da fonte ao seu destino final. Se na antiguidade os copos de ouro, ferro, couro, etc. objetivamente serviam apenas para transportar o líquido, foi quando o vidro se converteu na principal matéria prima para a produção de copos que eles passaram a desempenhar funções sensoriais na degustação de cerveja.

Primeiramente, a adesão ao vidro tornou possível enxergar o líquido que bebemos. Para a degustação, este foi um passo fundamental, pois hoje já sabemos que a visão exerce grande influência sob a percepção sensorial quando estamos ingerindo alimentos e bebidas. Depois, a facilidade com a qual é possível moldar o material, fez com que as mais variadas formas de copos fossem surgindo, até que aos poucos fomos percebendo que algumas destas, exerciam influência no sabor e aroma de determinados estilos.

Copos de Weissbier

Atualmente há uma infinidade de modelos de copos para tomar cerveja. Alguns, de fato não exercem nenhum efeito sensorial prático na degustação. Um destes exemplos são os tradicionais shakers americanos, que originalmente serviam apenas como um objeto auxiliar para a produção de drinks, e que segundo Randy Mosher, foram adotados pelos bares a partir da década de 1980, apenas pela facilidade que ofereciam para o serviço de grandes quantidades de chope, por serem mais resistentes, fáceis de limpar e armazenar, mas que não realçam nenhuma qualidade em particular no sabor e aroma das cervejas.

Entretanto, existem copos que quando servidos da cerveja ideal somam e ajudam a aprimorar a experiência sensorial. Desta forma é possível sentir os aromas e sabores de uma maneira mais completa e intensa, percebendo diferenças — às vezes sutis — entre uma cerveja e outra. Alguns dos copos mais conhecidos e tradicionais, e suas respectivas características são:

  • Taça pilsner ou lager: a extensão estreita auxilia na exibição da cor clara do estilo, o formato cônico com a parte de cima aberta propicia uma boa formação de espuma. A lateral reta fornece velocidade de escoamento, uma vez que serve para consumir estilos leves para beber em quantidade. O pedestal da taça dá um toque de elegância, além de fornecer estabilidade ao copo.
  • Copo de Weissbier: De tamanho geralmente maior que os demais copos, foi desenhado para receber de uma só vez todo o conteúdo de uma garrafa, geralmente de 500ml. O conjunto da boca larga, o estreitamento no meio e a abertura no pé ajudam a reter a espuma e a recircular o líquido após cada gole, garantindo uma formação constante de colarinho. A abertura da boca para fora ajuda a liberar os aromas intensos de banana e cravo, característicos do estilo.
  • Tulipa: Indicada para o consumo de Ales belgas em geral, é conhecido por ser um dos copos mais versáteis. O corpo bojudo concentra os aromas. A curvatura para dentro, no topo, ajuda a reter os aromas, e a boca com uma singela abertura para fora auxilia na formação de espuma, além de fazer o encaixe perfeito com os lábios.
  • Snifter: Conhecido por ser o copo clássico para beber conhaque, foi adotado pelos cervejeiros para o consumo de cervejas de alta potência alcoólica, como as strong ales, barley wines e imperial stouts. A boca curvada para dentro ajuda a preservar os aromas. Por ser menor e de formato bojudo, torna-se ideal para o serviço em pequenas quantidades. O serviço deve ser feito até a metade, e recomenda-se segurar o copo pela base, pois a transferência de calor da mão com o copo ajuda a volatilizar os aromas.

Tomando como base os exemplos citados acima, podemos perceber que quanto mais leve a cerveja e menos potente em sabores e aromas, mais estreito deve ser o copo utilizado. Quanto mais aromática e potente em sabores, mais bojudo deve ser.

Os copos com a lateral reta oferecem maior velocidade no escoamento e consumo da bebida, por isso são indicados para cervejas leves, que podem ser consumidas em grandes quantidades. Por outro lado, o mais bojudo, oferece menor velocidade de escoamento, e quanto menor a velocidade, maior o contato do líquido com a superfície da língua, proporcionando experiências sensoriais diferenciadas. Dessa forma, são indicados para cervejas mais complexas, que devem ser consumidas lentamente.

E a limpeza?

Os copos devem ser lavados e armazenados separadamente do restante das louças, sempre com detergente neutro, deixando-os secar naturalmente com o ar circulando em seu interior. Quando for utilizado, deve ser enxaguado com água novamente para remover resíduos de sabão ou sujeira que possam ter permanecido. Um copo sujo pode estragar a formação de espuma e gerar off-flavors, destruindo a experiência da degustação.

O Programa de Certificação Cicerone® é uma organização norte-americana, concebida e liderada por Ray Daniels, que se dedica ao ensino e certificação de profissionais do ramo cervejeiro. Um dos segmentos de ensino do programa, e talvez um dos mais importantes, é o de como fazer um bom serviço da cerveja. Parte disso, obviamente, gira em torno da preocupação com a cristaleria. Quais são os copos ideais para cada estilo e o porquê, como limpá-los e armazená-los, como fazer o serviço ideal? São pontos que podemos encontrar nas capacitações do programa. Abaixo segue um belo pôster elaborado pela instituição sobre as causas e efeitos que um copo sujo pode ter sobre a cerveja.

Conforme podemos notar na figura acima, um copo sujo tem como características a má formação de colarinho e a geração de bolhas nas laterais do copo (as bolhas se formam onde há sujeira encrustada no vidro). Enquanto isso, um copo limpo deve proporcionar uma boa formação e retenção de espuma, sem bolhas nas laterais do copo, e possivelmente com o lacing, que é o rastro circular de espuma que permanece na lateral do copo após cada gole. Adicionalmente, Randy Mosher e Joshua Bernstein, sugerem um teste para saber se o copo está limpo para receber a cerveja. “Enxágue um copo com água e polvilhe com sal, onde ele não grudar é onde está sujo. Às vezes óleos ou sabão permanecem no vidro afetando a formação de espuma”.

Enquanto isso na Bélgica…

Os bares belgas podem chocar os visitantes de primeira viagem. A maioria possui um copo diferente para cada estilo de cerveja, podendo chegar a centenas de versões. A etiqueta do copo é levada muito a sério na Bélgica. Sem o copo correto, o garçom pode se recusar a servir a cerveja. — Michael Jackson.

Bar Dulle Griet, na Bélgica. Foto: Divulgação.

Faz parte da tradição dos bares na Bélgica o serviço de cada cerveja em seu copo ideal, e de preferência com a marca da cerveja estampada na frente. Tem centenas de versões, uma mais linda que a outra. Por isso mesmo que os turistas começaram a se aproveitar para “levar de brinde” alguns modelos. Os bares passaram a perder tantos copos, que reagiram com uma medida bastante peculiar: alguns agora pedem o sapato do cliente na entrada, como garantia!

Concluindo

O que podemos perceber ao estudar o tema da cristaleria, é que sua evolução ocorre em paralelo ao próprio ato de beber cerveja. Se, na antiguidade, quando do descobrimento da bebida, a mesma era consumida principalmente em rituais sagrados, apenas para se embriagar e celebrar algo, atualmente — apesar de nunca ter se distanciado do caráter social que sempre carregou — bebemos cerveja também para ter uma experiência sensorial complexa, ou seja, degustar e apreciar o universo de distintos sabores e aromas cativantes que ela pode apresentar.

--

--