O que é a Cask Ale e como funciona seu sistema de chope

Victor Kling
Ladobier
Published in
4 min readFeb 6, 2019
Torneiras de Cask Ale em um pub tradicional inglês

Quem já teve a oportunidade de visitar algum Pub na Inglaterra, talvez tenha reparado no lado mais tradicional dos taps disponíveis atrás do balcão. Diferente e ligeiramente maior que as torneiras de chope convencionais, as chamadas “handpumps” estão ali especialmente para servir as Cask Ales, ou “Real Ales”, como a chamam os britânicos. Elas são uma iguaria clássica e histórica do país da Rainha, sendo assim imperdíveis para qualquer um que se dedique a explorar a cena cervejeira do local.

As Cask Ales, ou Real Ales são cervejas produzidas, em quase sua totalidade, a partir apenas dos quatro ingredientes base: água, malte, lúpulo e levedura.

Em alguns poucos casos, são usados adjuntos, como aveia, trigo, mel, frutas e outras especiarias. Passam por um segundo processo de fermentação no próprio barril onde será feito posteriormente o serviço. Não são pasteurizadas nem carbonatadas forçadamente. Por esses motivos, também pode ser chamada de cerveja viva. Todo o gás contido nela é produto natural das duas etapas de fermentação realizadas pelas leveduras.

O serviço de um chope no sistema de Cask Ale se dá de forma diferente dos demais, sem a injeção de CO2 para dentro do barril. O que empurra a cerveja para fora aqui, é a gravidade. Como a linha é despressurizada, o serviço é feito tradicionalmente nos pubs pela chamada “handpump”, ou bomba manual, que tem a função de bombear a bebida por sucção, a puxando para fora da torneira.

Ao pedir por uma Cask Ale no Pub, alguns podem estranhar o baixo volume de gás presente na cerveja. De fato, visualmente ela sugere uma cerveja “flat”, ou como no jargão popular utilizado para descrever uma cerveja com pouco gás, “choca”. Isso é completamente normal para as Cask Ales, e não significa nenhum demérito.

Vale ressaltar alguns pontos importantes sobre a carbonatação: em primeiro lugar, a grande maioria dos estilos tradicionais britânicos possuem naturalmente um perfil de baixa carbonatação. Em segundo lugar, elas não sofrem carbonatação adicional à força. Em terceiro e último, quando a cerveja passa pela “handpump”, ela sofre uma agitação, que acaba retirando ainda mais o pouco gás contido na bebida. Esse processo, entretanto é fundamental para criar o colarinho cremoso, característico da Cask Ale, além de ressaltar o aroma lupulado e frutal, que geralmente apresentam.

Barril de Cask Ale ao centro, e barril convencional de Keg à esquerda. Foto: Victor Kling

O formato dos barris das Cask Ale também é diferente. Possuem duas aberturas, ao invés de somente uma, e ficam deitados, e não em pé, na câmara fria. O encaixe das mangueiras para fazer a retirada do chope do barril respeita as seguintes etapas: primeiro, é martelado um pequeno pino, que pode ser de plástico ou de madeira, na parte lateral, que na verdade funcionará como uma válvula, para abrir, despressurizar e eliminar o excesso de CO2 da bebida. Depois, a mangueira / torneira de plástico é martelada na “boca” do Cask já deitado, por onde sairá a bebida por gravidade.

Normalmente é colocado um filtro, chamado de Hop Filter, na saída da torneira acoplada ao barril. Isso porque, em alguns casos, é feito um dry-hopping dentro do barril das Cask Ale para brindar aromas frescos à cerveja. O filtro tem a função então de auxiliar no alcance de um dos objetivos das Real Ales, que é o de ser uma cerveja bastante cristalina, com o mínimo de turbidez possível.

Geralmente é indicada a espera de um período de 24h entre a abertura do Cask e o início do serviço. Devem ser mantidas sob a temperatura de 11 a 13C. Abaixo disso pode gerar turbidez, acima pode afetar a qualidade sensorial. Como a vida últil desse tipo de cerveja é pequeno, normalmente é servida próxima aos locais de produção. Depois de aberta, o consumo deve ser realizado em até três dias.

A campanha para a Real Ale (CAMRA) surgiu na Inglaterra durante os anos 1970 para combater os processos industriais que estavam sendo incorporados pelas grandes cervejarias mainstream.

Eles defendem que as “cervejas de verdade” deveriam ser produzidas e mantidas de acordo com os métodos tradicionais. Dentre outras coisas, eles combatiam a filtragem, carbonatação forçada e pasteurização da bebida. Entretanto, nos dias atuais as Cask Ale são produzidas por grandes marcas locais que seguem estes padrões. Apesar disso, o selo de “Real Ale” tem tanto peso em relação à qualidade da cerveja quanto o da Lei de Pureza (Reinheitsgebot) na Alemanha, ou seja, puramente comercial. O conceito de cerveja artesanal, atualmente transcende às regras, e essa é justamente a sua beleza, a de não respeitar padrões, desafiar a lógica e os processos produtivos para criar cervejas maravilhosas que possam encantar os mais variados paladares.

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