Capítulo 1

Camila Marciano
Lady Nin
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7 min readFeb 27, 2021

O amor bateu à porta e ela abriu. Quase amanhecia quando a campainha tocou até a acordar. É sempre assim que as coisas ruins chegam, não é?

Vestiu um roupão por cima da camiseta de dormir e desceu correndo. Embananou-se com a chave de casa, quase a deixou cair e espiou pelo olho mágico.

Não conhecia aquela cabeleira loira, mas abriu mesmo assim, pronta para mandar aquele babaca parar de esmurrar sua campainha como se ela fosse o pronto-socorro municipal.

– Puta merda, se você tocar mais uma vez a bosta da minha…

Não conseguiu dizer qualquer outra coisa. Racionalmente, sua vontade era a de xingá-lo muito, mas todos os seus outros instintos a emudeceram.

A cabeleira loira tinha um corpo. Um par de olhos escuros, um maxilar lindo. Boca feita para beijar. Apoiado com uma mão no batente da porta, de camisa comportada cujas mangas eram arregaçadas até os cotovelos, e calça jeans.

Para conseguir que um tipo desses batesse à sua porta, no meio da madrugada, geralmente ela tinha que sair à caça. De boa vontade, assim, nunca bateu ninguém.

Puxou as abas de seu roupão batido um pouco mais para perto do corpo para disfarçar os mamilos duros e o formigamento entre as coxas. Engoliu a saliva instantânea, segurou o suspiro e quis perguntar o motivo da visita.

Como quando um predador encontra a presa, ela se sentia atraída por seus olhos, seu cheiro e por qualquer coisa que não tivesse explicação. Feito coisa de pele.

Não conseguia parar de olhar. Reparou na gola amassada de sua camisa, os botões fechados, a envergadura dos ombros, os braços fortes e cheios de veias saltadas. Reparou no tamanho dos joelhos porque eles, para ela, sempre lhe disseram muito. O tipo de homem que lhe chama a atenção sempre tem joelho grande pois ficam lindos em cima de um chão frio.

– Desculpa bater nesse horário. – E a voz! Voz grossa, mas suave, um pouco acanhada. Coisa de quem ainda não aprendeu a potência que tem.

Olhando-o, a primeira coisa que ela gostou de verdade foi no potencial. No monstro que ela criaria se ele apenas lhe dissesse sim.

Se ele aparecesse toda noite, ela engoliu o sorriso e a saliva que escorriam, ele poderia terminar de quebrar a campainha que ela nunca reclamaria.

– Meu Deus…

Uma buzina cortou o resto de seus pensamentos. Olhou para além do loiro e viu um carro estacionado em cima de sua calçada. Lá dentro, no banco do passageiro, Daniel chorava e se balançava, bêbado como nunca e de coração terrivelmente partido.

Daniel era seu melhor amigo desde quando seus pais ainda tinham a hortifruti. Descalça, correu até o amigo, forçou a trava da porta e se agachou diante dele, examinando-o.

– O que foi que fizeram com você… – Ela sussurrou, recebendo o amigo que jogou as pernas para fora do carro, incerto nos passos, tonto pela bebedeira e desolado.

Em todos os anos que o conhecia, nunca o tinha visto tão perdido. Com carinho, apoiou seu queixo, olhou-o para entender seu coração, e percebeu que praga de amiga também pega:

– O que aquela cadela fez com você, Dani?

– Tarra certa o tempo inteiro, …

O loiro se aproximou, sem falar nada, e ajudou Daniel a sair do carro. Apoiou o corpo do amigo com o próprio e só então se lembrou de dizer:

– Ele pediu… – tentou, um pouco confuso e sem saber como pedir – para deixá-lo aqui.

– Me ajuda a levar ele lá para dentro que…

A força naqueles braços. De perto assim que ela percebeu seu tamanho. Alto, grande e todo forte. O olhou erguer Daniel do banco do carro, empurrar a porta para fechá-la, e colocá-lo em pé, andando, direto para a porta de entrada de sua casa.

Indicou o caminho sentindo a viscosidade lá embaixo a cada passo, só pensando no quão maravilhoso seria quebrar um macho daquele tamanho.

Alcançou a própria porta de entrada e teve que parar dois segundos para respirar fundo. Um loiro como esse suspirando pedindo com pelo amor de Deus para poder…

Meu Deus.

– Deita ele aqui nesse sofá. – Ela pediu, se apressando para tirar o cobertor e as almofadas que viviam no móvel para as maratonas de Netflix.

Daniel caiu como um saco de batatas. Sem vontade alguma, descompassado, os membros desconectados do cérebro por tanto álcool que engoliu para poder esquecer.

– Me conta, querido. – Abaixou na altura do rosto de Daniel, marcado por lágrimas e fez carinho em seu cabelo – O que foi?

– Me expulsou de casa. – Ele chorou, tentando se esconder com as mãos, mas muito bêbado para encontrar o próprio rosto.

– Como é que é?

– Depois de tudo, Natália, …

– Eu te falei que ela não prestava!

– Eu sei, eu sei, eu sei…

– Você não volta mais para a casa daquela vaca!

– Nem tenho mais para onde voltar…

Ela nunca tinha visto ninguém chorar como ele. O coração tão partido. Ela conheceu Daniel há tanto tempo, vindo de Pernambuco com uma namorada e cheio de planos para casamento e filhos.

No entanto, olhando para ele ali, como uma boa amiga, ela sentia o próprio coração se partir junto do dele. Deu um beijo em seu rosto, ouvindo seu choro de dor, e fez carinho para acalmá-lo.

Ela não pediu que ele parasse de chorar ou disse que estava melhor sem a namorada. Só esperou. Sentada no chão, deitou a cabeça perto da dele e fez carinho, calmamente, sem pressa alguma.

Foi a primeira coisa que comoveu o loiro. Sem saber o que fazer, ele se sentou no outro sofá, sentindo o peso do coração partido do amigo, e esperou.

Só quando Daniel dormiu, embriagado, entristecido, é que ela se levantou do chão, o cobriu com a coberta do sofá, e foi para a cozinha.

Precisava de um café e tempo para pensar. Daniel não tinha qualquer neurônio para decidir, então chamou a responsabilidade para si.

O loiro foi atrás por não saber o que fazer. Sob a luz branca da cozinha pequena, cheia de móveis planejados e vidrinhos de tempero, se sentiu mais confortável em puxar assunto com a dona da casa.

– Desculpa ter tocado a campainha daquele jeito.

– Não se incomode – Ela fazia planos, pensava em como seria a vida de seu melhor amigo e não tinha mais disposição para morrer de tesão pelo homem logo atrás. Puxou uma chaleira de um dos móveis sobre a pia, encheu-a com água e a colocou para esquentar – Você fez certo.

– Ele pediu para vir para cá.

– Você quer um chá? Depois de tudo isso acho que eu preciso de um.

– Não sou muito de chá.

– Café, talvez?

– É, prefiro.

Apontou para o lado, mostrou o suporte de cápsulas e perguntou qual ele preferia. Fez um espresso com mais rapidez que seu chá e aproveitou para observá-lo andar por sua cozinha, imaginando-o numa Calvin Klein branca, descalço, e sabendo onde pegar seus utensílios.

Puxou uma cadeira para ele, sorrindo, enquanto adoçava seu chá com um pouco de mel.

– Não deu – Ele pigarreou quando percebeu sua voz embargada – Não pude sequer perguntar seu nome.

– Meu nome é Natália.

– Natália. – O jeito como ele disse seu nome. Quase como se fosse um poema de amor.

– Natália Hina, filha de japonês tem sempre um nome de cada nação.

– Você fala japonês?

– Um pouco, não muito. Aprendi quando pequena, mas já esqueci muita coisa. – Ela se sentou ao seu lado, com sua caneca cheia de chá, e sorriu olhando suas mãos. – E você?

– Eu não falo japonês.

– Não – Ele usava aliança?! – Seu nome.

– Ah – Lindo seu jeito envergonhado e um pouco sem jeito. Lindo ele inteiro —, Leandro.

– Prazer, Leandro que não fala japonês. – Ela estendeu a mão num cumprimento cordial, decepcionada pela aliança. – Seja bem-vindo. Algo me diz que você vai vir muitas vezes para cá, ainda.

– Pois é – Ele apertou sua mão, devolvendo a cordialidade, sorrindo com sua boca muito boa de beijar —, também tô achando isso.

O sorriso acabou, mas ninguém soltou a mão de ninguém. Com o polegar, solta no mundo como Natália sempre foi, ela fez carinho no dorso da mão dele, jogando charme demais para uma mulher num roupão velho, um pouco descabelada porque acabara de sair da cama, mas nunca, em hipótese alguma, desajeitada.

Ele sentiu o charme bater na virilha. Desde que entrou naquela casa se sentia como um garoto que não tem posse sobre o próprio corpo.

Mas a mão que ela acariciou carregava uma aliança de compromisso. Noivado sério.

Então, sem dizer nada, retirou a mão do aperto cordial, buscando o próprio café, e fingiu que nada aconteceu.

Ela, por outro lado, não se sentiu rejeitada. Viu a confusão dele, o jeito incômodo de se portar depois do flerte e sorriu, retirando a mão também.

– Você sabe onde Vivian mora? – Ela trocou de assunto depois de dar um gole em seu chá.

– Vivian do Daniel?

– Sim.

– Sei, sim.

– Será que você pode me levar lá?

– … – Deu um gole no próprio café pensando que deveria ter colocado um pingo de açúcar, nem que fosse um nada, e retomou – O que você quer fazer lá?

– Para lá o nosso Dani não volta. – Falava com a firmeza e segurança que Daniel, bêbado na sala, precisava – Eu vou tirar todas as coisas dele de lá e trazer para cá.

– Ótimo – Ele concordou – Eu não costumo xingar mulher, mas…

– Não tem problema, deixa que eu xingo. Eu vou lá para cima vestir uma roupa um pouco melhor que essa. Fique à vontade, tá bem?

Ele concordou com a cabeça, a viu sair carregando sua xícara e só então soltou o ar que não percebia preso.

Nunca, em toda a sua vida, tinha ficado tão sem jeito diante de uma mulher como ficou quando diante dela.

Agora, precisava perguntar a Daniel onde foi que ele escondeu Natália por todos os anos em que são amigos e por que nunca os apresentou.

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Camila Marciano
Lady Nin

Largou a faculdade para escrever e não consegue escrever porra nenhuma.