Agricultura urbana leva alimentação saudável para a quebrada

Laio Rocha
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5 min readSep 26, 2018
Foto: Laio Rocha

Conheça a Fazenda Abaetetuba, em São Lourenço da Serra, que produz alimentos orgânicos na periferia de São Paulo

Em uma pequena saída da Rodovia Régis Bittencourt, na cidade de São Lourenço da Serra, região metropolitana de São Paulo, seguimos por uma estreita estrada de terra barrenta. A paisagem verde, de encontro com a neblina e a garoa fina, revela uma pequena e silenciosa revolução.

Seguidos por dois cachorros pretos, a van deu de encontro com um manequim feminino preto, com boina rosa e adereços brilhantes, tal como uma mulher a caminho de uma festa. O “espantalho” emperequetado foi o nosso “bem vindos” à Fazenda Abaetetuba, local em que se produz alimentos orgânicos mirando a população periférica da capital.

Rafael Mesquita, homem branco com barba e cabelos longos, nos recebeu em sua casa ao lado da sua companheira e seus três filhos, além de sua mãe e seu pai. A família reunida no encontro diz muito sobre a forma como vive e quais motivos os levaram a sair da periferia de São Paulo e viver no campo ou, como chama, na “periferia da periferia”.

Foto: Laio Rocha

Há 3 anos, ele decidiu mudar do bairro de Campo Limpo, no extremo sul da capital, e morar definitivamente em São Lourenço, vivendo da produção de diversos tipos de folhas e da cerveja artesanal Da Roça.

A comercialização dos produtos é realizada por meio de whatsapp, em que os consumidores mandam suas listas de compras e recebem uma cesta com os alimentos orgânicos. Além disso, a União Popular de Mulheres e a Agência Solano Trindade, ambas no Campo Limpo, fazem feiras abertas para a população local.

De acordo com Mesquita, entre as pessoas da ponte pra cá, quem mais compra são mulheres com um ou mais filhos, muitas delas solo. A frequência, no entanto, é baixa, em função dos preços.

“A nossa política de preços é inferior a maioria dos outros produtores de alimentos orgânicos. Mesmo assim, para quem mora na periferia, é mais caro do que o do supermercado. Já para quem mora para lá da ponte, acaba sendo mais em conta”, aponta o produtor.

A maior dificuldade, no entanto, é a equipe pequena diante da demanda de entregas, além do crescente custo para distribuição dos produtos. O trabalho é totalmente familiar, realizado por todas as mãos da casa.

Por que ter alimentos orgânicos nas periferias?

Foto: Laio Rocha

Essa questão permeia todo o trabalho realizado na Fazenda Abaetetuba, em que, além da mera comercialização de alimentos de qualidade para a população periférica, como um nicho do mercado, o objetivo é reaproximar as pessoas do campo, tendo em vista que boa parte tem nele a sua origem.

“A nossa missão aqui é conseguir transformar a partir do campo a periferia. Não queremos estar bem e esquecer tudo lá. Ao contrário, queremos mudar lá, daqui”, conta a também gestora da Fazenda Abaetetuba, Ana Maria.

Com isso, além das entregas, os produtores estimulam que os consumidores façam visitas à Fazenda, conhecendo como funciona o seu modo de vida, a produção dos alimentos e a biodiversidade da região.

Esse trabalho acontece espontaneamente, quando os clientes se mobilizam individualmente para visitá-los, ou a partir de eventos abertos, em que são disponibilizados transportes, e do camping do local, onde os interessados podem acampar e vivenciar algumas noites no campo.

“A relação que passamos a ter com o trabalho é do ser, não mais do ter. Com isso, invertemos a lógica da produção, construindo não o lucro, mas construindo uma sociedade mais justa, que se alimenta e vive melhor”, conta o produtor Zé, que faz parte da rede de produtores apoiadora da Fazenda Abaetetuba.

Com isso, o movimento aponta seu objetivo para a Soberania Alimentar da população periférica, substituindo gradativamente a alimentação contaminada pela produção com base em agrotóxicos e outras substâncias prejudiciais à saúde, ao meio ambiente e ao agricultura familiar.

Entende-se soberania alimentar como “o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação a toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses de produção, de comercialização e de gestão, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental”, de acordo com a Via Campesina e o Movimento de Pequenos Agricultores.

Movimento crescente

Foto: Laio Rocha

A agricultura urbana e periurbana na cidade de São Paulo, apesar de relativamente desconhecida por boa parte da população, é grande e está em franco desenvolvimento. Hoje existem 420 Unidades de Produção Agrícola (UPA) na cidade, a maioria no chamada área rural da capital, que compreende 30% do seu território.

A maior parte das UPAs estão localizadas na zona sul, são 320, tendo outras 70 na zona leste e 30 na zona norte. Apesar disso, apenas 14 são identificadas como produtoras de alimentos orgânicos.

A importância dessa agricultura urbana ultrapassa a produção de alimentos, pois ela é fundamental também para a conservação do meio ambiente, protegendo principalmente áreas de Mata Atlântica, especialmente na zona sul, em que o aspecto mais se assemelha ao imaginário do campo.

“É notório que o desenvolvimento da agricultura em pequena escala, sobretudo as de base agroecológica tem papel fundamental na preservação ambiental, geração de emprego nas periferias, contenção do espraiamento urbano, revitalização de espaços ociosos e maior coesão social. Contudo, ainda há muito a ser feito para que esta atividade se fortaleça e sua reprodução seja facilitada”, informa texto do Instituto de Pesquisa e Inovação em Urbanismo (IPIU).

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