Carlo Petrini: por que estão destruindo a agricultura familiar no Brasil?

Laio Rocha
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6 min readFeb 14, 2018
Foto: Laio Rocha

Criador do Movimento Slow Food, Carlo Petrini aposta na agricultura familiar e em comunidade para impulsionar alimentação saudável

“Por que estão destruindo a agricultura familiar no Brasil? Aqui a fome está voltando, e você vem me falar da exportação? Antes da exportação, necessitamos que o brasileiro coma bem!”, fala Carlo Petrini, fundador do movimento Slow Food, organização internacional que se contrapõe ao fast food.

Petrini conversou com a Mídia NINJA no evento Fruto | Diálogos do Alimento, em São Paulo. Em sua palestra, o ativista alimentar defendeu que a mudança na forma como se produz e se consome alimentos só pode ser feita com as palavras comunidade, aliança e alegria, através de uma política de autonomia e construção de base.

Slow Food também produz a Arca do Gosto, catálogo que investiga e registra culturas alimentares de diversas regiões do mundo. Criado em 1996, são mais de 4.000 produtos alimentares catalogados até hoje, em 140 países. Confira os principais trechos dessa conversa.

Consumo de carne e desperdício

Hoje no mundo se produz comida para 12 bilhões de pessoas. Nós somos 7 bilhões e 300 milhões. 38% da produção é desperdiçada. 38%! Todos falam que devido ao aumento da população precisamos de uma produção maior. Esse é um paradigma errado. O campo de trabalho é na redução do desperdício. Se aumentarmos a produção com estes 38% de desperdício, a coisa fica insustentável.

Necessitamos de uma nova cultura de luta contra o desperdício. Essa é uma luta de todos, não só da política, é também dos cidadãos. É um desastre e esse é o desafio máximo. Eu estou convencido disso.

A ONU estima que em 2.050 a população mundial será de 9 bilhões de pessoas. Se produzimos para 12 bilhões, é uma loucura pensar que precisamos de mais.

Em particular, o consumo das carnes. Na Itália se consome 100 kg de carne para cada italiano. Nos EUA, 125 kg. Se todo mundo comer essa porcentagem de carne precisaríamos de 3 planetas. Neste momento, a maioria da terra é para produzir comida para os animais que comemos. É fundamental diminuir o consumo de carne.

Mas, como pedir para um africano, que consome 5 quilos de carne por ano, para diminuir o consumo? Nesse sentido, precisamos fazer convergir a necessidade de norteamericanos, italianos e europeus consumirem menos, e os africanos mais.

Ao mesmo tempo esse consumo produz enfermidades enormes. Em outubro de 2016, a OMS disse que o consumo de carne é um dos maiores responsáveis pelo câncer. Ninguém fala disso. Ninguém. Vivemos em um mundo que necessita de mais responsabilidade e informação.

Educação alimentar e agricultura familiar

Nós temos um problema que é a educação. Não há educação alimentar na escola. Na sociedade camponesa, a consciência e educação se transmitia de mãe para para filha ou de pai para filho, era direta. Agora, na sociedade industrial e pós-industrial, o cordão umbilical da sabedoria foi cortado.

Necessitamos uma nova formação na escola, que realiza esse impacto nos pequenos cidadãos. O segundo é ter informação, porque sem informação não fala. Continua a ter uma dimensão de pornografia alimentar. É preciso ter informação de receitas, tratabilidade de produtos. Fazer se perguntar “de onde vem esse produto?”.

Na Itália, todo dia são produzidas toneladas de tomate enlatado. O tomate enlatado, tem um nome italiano chamado tino. O tino é enviado para o africano. O africano não pode produzir seus tomates porque recebe o tino, que é mais barato. Isso tem um nome, chama-se dumping.

A força desse momento é que o jovem tem muito mais essa bandeira do que a minha geração. A minha geração é um desastre, porque acha que sabe de tudo. Hoje o jovem pergunta: eu quero saber a tratabilidade do produto. Quanto pagam pelos produtos. Uma boa porcentagem porcentagem de impostos, mas quanto pagam os camponeses? Quanto é?

Em um momento como esse, porque se estão destruindo a agricultura familiar no Brasil? eu não me encanto em ver que o agronegócio vai bem, no Brasil a fome está voltando, e você vem me fala da exportação? Antes da exportação, necessitamos que o brasileiro coma bem!

Combate ao desperdício e valor do alimento

Conhecer a tratabilidade e o sistema produtivo é fundamental para combater o desperdício. Se você não sabe sobre tratabilidade e cultura produtiva não pode combater o desperdício. Ao mesmo tempo, está loucura incrível que é o desperdício se difere.

Por exemplo, na África há desperdício porque falta a infraestrutura, não há refrigeração, você produz a comida num povo e e ela não chega na cidade. Essa é uma forma de desperdício. Em outras situações, há o desperdício porque nos últimos 50 anos a comida perdeu valor. A comida é só o preço. É diferente o valor e o preço, são coisas diferentes.

Se você fala qual é o valor desta comida? O preço sempre vai ser mais barato. E nesse momento vemos a coisa mais incrível, pequenos produtores orgânicos, que não ganham nada, e produzem para os ricos, que gosta de comer orgânicos. E grandes empresas que ganham muito e produzem para os pobres.

Todos trabalham sempre pelo preço mais baixo. Se você não ganha verdadeiramente, ganha só pelo preço, isso significa para o pequeno produtor é a morte. Esse é um processo fundamental. E onde está a política? Há desperdício porque na comida não há valor. O que falar sobre isso se não há política? Por isso, é importante aliança entre nós, construir da base.

Arca do gosto, cultura e mercado local

Arca do gosto é nossa história. É nossa natureza. É a forma de promover a agricultura de base e ajudar os camponeses. A Arca do gosto é uma forma de denominação. Por isso defendemos uma produção que pode ser uma forma de ajuda aos camponeses. E não é uma coisa da nostalgia, velha, é moderna, isso é que realmente moderno. Muita gente pensa que a modernidade é a comida enlatada que comemos. Mas a modernidade não é isso. Modernidade é recomeçar a nossa relação com o campo. Isso é modernidade.

Precisamos fortalecer os produtos verdadeiros, que se não houver um trabalho forte vai desaparecer. A biodiversidade vai desaparecer, e toda a comida será ruim. A biodiversidade daqui é maravilhosa, perdê-la irá destruir a história. Eu não falo de comida por comida, eu falo de história, de sociedade e de respeito pelas pessoas humildes.

Como construir mercados locais e comunidades?

Essas realidade não tem futuro se não se criarmos alianças. Primeiro, os cozinheiros necessitam cozinhar com produtos locais e dar valor à comida. Isso é a coisa mais importante. A aliança entre os cozinheiros e os camponeses.

Segundo, construir uma rede de cidadãos coprodutores que ajudem em uma forma distributiva nova e forte, que significa mercado de camponeses, onde antes de ser orgânico, que é uma boa prática, deve ser local. No meu país tem produtos orgânicos que chegam do Chile. Isso está errado. Eu prefiro um produto local, que do Chile, que atravessa os continentes. Essa é uma coisa incrível, comer e ajudar a economia local.

Terceiro, construir forma de suporte a agricultura. Isso significa que grupos de cidadãos pagam antes aos camponeses, e os camponeses quando colher a produção, entrega esse produto. Dessa maneira os cidadãos não põe dinheiro no banco, põe dinheiro num banco muito mais produtivo que é dos camponeses. Os camponeses tem afetividade e amor pelos seus produtos e dão produtos frescos para os cidadãos. Ao mesmo tempo, os camponeses não vão buscar o dinheiro nos bancos.

Isso não é uma utopia, isso se realizou nos EUA. Os EUA neste momento tem muitos mercados camponeses e community supporter. Aa política que promoveu essa ideia está personificada no Bernie Sanders. Todo mundo fala de Benny Sanders, mas ninguém sabe que ele também é Slow Food, porque realizou em seu país um dos primeiros mercados de camponeses, e os jovens gostam dele por essa filosofia. Na Europa e aqui regressamos à Nestlê.

A segurança afetiva é muito importante se você quer realizar um desafio por outras pessoas. Tem que ser afetivamente entregue. Isso é comunidade. O futuro é construir comunidades em que um desafio forte é a seguridade afetiva. Isso é uma força enorme, que não política não existe mais. No mesmo partido há contraposição, não há construção.

A melhor escola para isso são os indígenas, porque eles são uma comunidade. Os indígenas têm uma realidade com uma visão muito próxima da natureza, e precisamos escutar suas vozes.

Eu estava no Acre, em Rio branco, e compreendi uma coisa: todo mundo fala de defender os índios de uma forma paternal, como coitados, e não compreendem que o verdadeira respeito à floresta vem dos índios. São os índios que mantêm a Floresta Amazônica. Se perdemos eles, perdemos a floresta.

Os índios não precisam de filantropia, precisam ser reconhecidos por seu trabalho de defesa a natureza. A verdade é que a floresta nesse país tem nos índios sua parte mais responsável. Foi isso que compreendeu muito bem Chico Mentes, e agora fazem 30 anos que ele morreu, assassinado. Essa é uma reflexão muito importante.

Para Mídia NINJA

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