Como ‘empretecer’ a universidade?

Laio Rocha
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5 min readMar 23, 2017

Coletivo negro Vozes, da UFABC, luta por uma universidade mais inclusiva

Fotos e entrevistas: Jorge Ferreira; Transcrição e edição: Laio Rocha

No último dia 16 de março, aconteceu na Universidade Federal do ABC, região metropolitana de São Paulo, mais um sarau Empretecer, do coletivo negro Vozes. A luta do coletivo é para incluir mais negros na universidade e por mecanismos que garantam a sua permanência.

A UFABC possui 50% das suas vagas destinadas à negros, pardos e indígenas vindos de escolas públicas. Conversamos com duas integrantes do movimento, Julieti Vitorino, mestranda do programa de biossistemas, e Bruna da Silva Magno, bacharel em matemática e mestranda do memso programa.

Elas explicaram como a universidade vem lidando com os programas de inclusão de negros e quais ações o coletivo tem promovido.

Julieti Vitorino: Entrei em 2015 no coletivo. Estudei em outra universidade, na Universidade Federal de Lavras, em que não havia cotas. Quando entrei aqui, tomei até um choque, porque tem muita gente preta. Onde eu estudei, no primeiro semestre tinham apenas três minas pretas em toda a universidade. Aqui tem uma quantidade considerável de negros.

Apesar disso, as cotas preveem 50% de negros, mas entrando nas salas você percebe que não tem isso. A gente acredita que isso acontece porque apesar de existir cotas, não existem políticas para que essas pessoas permaneçam.
E são as pessoas que têm mais dificuldades de permanecer aqui, pela questão de bolsa auxílio, moradia, muitas minas negras têm filhos e faltam creches para colocá-los.

No coletivo a gente acaba fazendo essas coisas de vez em quando, e acaba sendo bem tenso para gente. Por exemplo, tem uma mãe desesperada no grupo, pedido para alguém ficar com o filho dela, porque ela tem prova e não tem com quem deixar. Tem menina que não tem dinheiro para comprar fraldas. Então a gente faz um chá bar para arrecadar.

Mas não deveria ser uma coisa nossa, deveria ser institucional, A instituição deveria estar preocupada com isso muito mais do que a gente, para podermos nos dedicar aos estudos.

Bruna: Tem a questão psicológica também. Quando você entra em uma sala em que só tem você de negro lá, você não se sente pertencente àquele lugar. Várias pessoas se sentem muito desgastadas, e não querem permanecer na universidade porque não se sentem representadas, não se sente parte da universidade, e isso causa depressão em várias delas, e saem em função disso, da questão monetária e psicológica.

Julieti: Infelizmente nós não temos muitos recursos financeiros, então procuramos fazer ações que abarquem questões negras para acolher as pessoas, como o sarau que estamos fazendo aqui, palestras e eventos, como o que realizamos no dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.

Nesse ano entraram quatro professores negros a partir de um edital que é o edital 4x4, que foi uma pressão entre poucos professores negros da universidade e do nosso coletivo. Eles entraram através das cotas do concurso federal. Isso para termos representação. e para que o aluno negro entre na universidade para ter representação, e ver alguém que está no espaço de poder, e falar eu posso estar ali um dia e esse lugar me pertence.

Bruna: A gente acha também que enquanto coletivo, temos pouca voz na hora de lutar. A gente vai atrás e briga. Esse edital mesmo, foi uma guerra porque queriam cancelar o edital, o taxaram de absurdo. Fomos à reitoria e falamos: ou vocês tomam uma posição, ou a gente ocupa a reitoria até alguém dar uma solução para isso.

Esse ano, por exemplo, percebemos que a gente precisa ocupar outros espaços. 300 minas da graduação criaram uma chapa para concorrer ao DCE. É a primeira chapa negra da universidade, só de pessoas negras, e 80% são mulheres. É uma chapa muito representativa. E a gente sabe que estando lá, vamos poder lutar por coisas que ninguém vai brigar pela gente, que é moradia, creche e fazer com que os coordenadores de curso cumpram a lei da cota, que existe em concurso federais e eles fazem vários sistemas para burlar esses editais.

Julieti: Vamos cobrar cotas para a pós graduação. Por que a gente não tem cotas para todos os programas de pós graduação aqui?

Bruna: Pouquíssimos cursos [de pós graduação] tem cotas. No meu não tem, e temos apenas três pessoas negras na pós. Tem cursos que não tem nenhuma pessoa negra.

A gente tenta trazer esse debate para as pessoas refletirem. Ou as pessoas acham ainda que o negro é inferior, quando é algum problema para ele não alcançar isso.

Estamos tentando ocupar todos os espaços que a gente consegue para trazer todas as nossas pautas para a universidade.

Apesar de ser um caminho lento, estamos avançando. Esse sarau, por exemplo, é uma coisa que deixa a gente muito feliz. Se você entra na sua sala e só tem você de negro, você acha que não tem negros ali, então quando a gente se reúne, percebe que tem em quem se fortalecer. São coisas que dão força.

Julieti: Isso é importante também porque os alunos brancos também vieram participar do sarau, e vão ouvir a nossa mensagem e saber o que a gente passa de verdade, e perceber que a universidade é diferente para eles, que tem acesso de uma outra maneira.

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