Movimento negro se levanta contra reformas

Laio Rocha
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7 min readApr 7, 2017
Foto: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA

Negras e negros foram às ruas de São Paulo no dia 1º de abril, que marca os 53 anos do golpe militar

Às 9h da manhã do dia 1º de abril de 1964, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro da capital, estava em polvorosa. Os generais haviam tomado o poder, e o reitor da USP, Gama e Silva, era um dos principais apoiadores do golpe. Professor da SanFran, como é conhecida, ele promoveu uma verdadeira caça às bruxas, e afastou 52 profissionais da universidade.

Às 9h da manhã do dia 1º de abril de 2017, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, estava cheia de jovens de 15 a 18 anos, vindos dos quatro cantos da cidade. Periféricos, em sua maioria negros, ocuparam o claustro que fica logo na entrada do prédio, este datado de 1827, o mais antiga do país.

Em pouco tempo, 300 alunos tomaram todo o espaço, que tinha o formato quadrado e era aberto. Eles estenderam as faixas do movimento que os motivaram a estar ali: o Uneafro, cursinho popular para jovens da periferia de São Paulo e região metropolitana, que existe há 11 anos e dá a possibilidade da juventude negra e periférica ingressar no ensino superior, seja ele público ou privado.

Foto: Laio Rocha

Além do aulão, o evento comemora à aprovação de cotas para a Universidade de Direito, que a partir de 2018, em seu vestibular terá 20% das vagas destinadas para pretos, pardos e indígenas de escola pública, e 10% para estudantes de escola pública, ambos via Enem. A medida é uma vitória para o movimento dentro da universidade, que institui políticas afirmativas pela primeira vez em sua história.

A chuva, no entanto, atrapalhou os planos. Quando o professor Douglas Belchior pegou o microfone para iniciar os trabalhos, por volta das 10h, a água desatou sobre os estudantes, que se recolheram para os abrigos laterais.

“O que me indigna é saber que estamos nesse espaço como um “favor” do diretor, enquanto há um auditório vazio com cadeiras acolchoadas, ar condicionado e capacidade para 600 pessoas, e que a universidade não liberou sem motivos. Eu sei que daqui os professores das outras aulas que acontecem na SanFran podem me ouvir. Saibam que foi culpa da universidade, financiada através dos impostos do povo trabalhador, composto por nós e pelas nossas famílias, que estamos pegando essa chuva”, desabafou o ativista.

O desabafo de fato ecoou nas paredes velhas do prédio, e fez com que a direção liberasse o espaço vazio. Lá, o público tornou-se ainda maior, e cerca de 700 jovens lotaram completamente o auditório e as salas adjacentes, a fim de acompanhar a programação de aulas públicas.

Aulão público para os jovens

Dentre os palestrantes estiveram o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos, a rapper feminista criadora da página Eu Empregada Doméstica, Preta Rara, a ativista negra editora da página Desconstruindo Conceitos, Monique Evelle, e o poeta e agitador cultural do sarau da Cooperifa, Sérgio Vaz.

Foto: Laio Rocha

Boulos destacou em sua fala como o plano de retirada de direitos começou com o impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT), e se aprofundou com a agenda de ajuste fiscal, desenhados na PEC 55, que congela gastos públicos, e nas reformas da Previdência e trabalhista, que somente um governo sem representatividade e apoio do povo proporia ações desse feitio.

Monique, por sua vez, falou da sua trajetória como militante negra na universidade pública, e como é sua atuação na ocupação desses espaços majoritariamente brancos. Além disso, anunciou que estará na próxima temporada do programa Profissão Repórter, e a importância de mulheres negras assumirem posições de destaque na mídia.

Foto: Laio Rocha

Preta Rara e Sérgio Vaz declamaram poesias e reafirmaram a importância da iniciativa para os jovens da periferia.

Por fim, os coordenadores de número da Uneafro faziam as suas falas de encerramento do evento, quando uma intervenção tomou de assalto as salas da universidade.

“A intervenção foi criada dentro de uma ocupação e nos apresentamos pela primeira vez no fim do ano passado. Temos ocupados os espaços, nossa luta é nas escolas, mas também nos teatros e em outros lugares.

Foto: Laio Rocha

(…) Lutamos pela educação, mas também contra o genocídio da população negra. Hoje, por exemplo, citamos a Maria Eduarda, assassinada pela PM do RJ. Estar no espaço da Uneafro, que vem fazendo essa luta há anos, trabalhando com a população negra e levando o negro para a universidade através dos cursinhos populares, é uma situação que não temos palavras para descrever”, disse o ator e ativista da educação Marcelo Rocha

Marcha das Mulheres Negras

Foto: Jorge Ferreira / Mídia NINJA

Após o encerramento das atividades da Uneafro na SanFran, em frente à universidade começou a concentração da Marcha das Mulheres Negras, manifestação que luta contra as reformas da Previdência e trabalhistas, propostas pelo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSDB), pelo governo Michel Temer (PMDB) e patrocinadas na Câmara Federal pelo presidente da casa Rodrigo Maia (DEM). As reformas tramitam em Comissão Especial, e devem ser votadas no próximo mês.

Foto: Jorge Ferreira / Mídia NINJA

Os manifestantes chamam atenção para o caráter racista das reformas, que devem afetar principalmente os negros. Por exemplo, de acordo com dados do IBGE o trabalhador negro recebe em média 59,2% do salário pago ao trabalhador negro. Em um cenário de rebaixamento de salários em função da terceirização irrestrita, serão os mais prejudicados.

O ato caminhou pela Av. Brigadeiro Luiz Antônio até a Av. Paulista, finalizando seu trajeto no MASP, quando se encontrou com o Cordão da Mentira.

Cordão da Mentira

Foto: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA

O cordão voltou às ruas da capital novamente no dia 1º de abril, Dia da Mentira e data em que relembramos a triste data do golpe militar de 1964, que durou 21 anos e deixou marcas indeléveis na história. Mais do que isso, o cordão traz à memória ás vítimas do período “democráticos”, assassinados pela Polícia Militar.

Foto: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA

Entre eles, estão as Mães de Maio, grupo de familiares dos mortos e desaparecidos do Massacre de Maio, ocorrido em 2006, no Estado de São Paulo, em que mais de 564 assassinatos foram identificados, sendo que 503 eram civis. “Os nossos mortos têm voz”, dizia a faixa que o coletivo carregava na linha de frente do cordão.

A bloco circulou por diversos pontos da Av. Paulista, realizando escrachos e homenagens. Entre os lugares escrachados, estiveram a Caixa Econômica Federal, o Escritório da Presidência da República e a Fiesp, em que os manifestantes limparam a entrada com “sangue”.

Foto: Jorge Ferreira / Mídia NINJA
Fotos: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA
Fotos: Eduardo Figueiredo / Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA

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