LANÇA apresenta: John Silva e sua poesia de durezas cotidianas

Conheça o poeta mineiro que se inspira nos desafios cotidianos e faz da poesia um escape coletivo.

Coletivo Lança
Lançatxt
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4 min readJul 3, 2021

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Seguindo a nossa missão e desejo de dar voz e vez a novos poetas e escritores, convidamos John Silva, poeta e compositor mineiro, guitarrista na banda Drowned Men e apaixonado por literatura, a compartilhar com os nossos leitores três de seus mais recentes trabalhos em poesia. John é um poeta estreante, mas já escreve há mais tempo do que é capaz de contar e prepara, para tão breve quanto possível, o lançamento de um livro de contos, ainda sem nome. Antes de apresentar a vocês o trabalho de John Silva, traçamos um mini perfil do autor para nos conhecermos melhor.

John Silva | Créditos: Flávio Charchar

LANÇA: John, o que te inspira a escrever?
John Silva: Bom, acho que além de coisas externas — filmes, músicas, outros autores — o que me inspira mesmo é o dia a dia, o ato de viver, de acordar e pensar “E agora, como é que eu vou pagar isso, como é que eu vou fazer aquilo?”, aluguel atrasado, desemprego, solidão, aquilo que, embora você seja rodeado de amigos, essas coisas ninguém sabe… tem uma frase que eu vi uma vez que diz “é um desperdício a gente sentar e parar para escrever sem ter experimentado a vida”, acho que é isso, a vida nua e crua assim, a vida de verdade que me inspira.

VIDA NORMAL, SAUDÁVEL E FELIZ
doe seu corpo (toda a energia)
doe seu tempo (cada segundo)
doe sua alma (toda a sua cor)
doe sua mente (cada pensamento)
pendure seus sonhos no gancho
tal como a carne abatida a machadadas.
sonhe com férias e fins de semana
e pense em suicídio às segundas.
marque consultas com o
cardiologista
ortopedista
psicanalista.
convença a si mesmo de que leva uma vida normal, saudável e feliz,
que uma hipoteca datada até daqui a 60 anos
e um cubículo que atende por seu;
que te aparta dos vizinhos odiosos de quem
você tira sarro por ter meio metro a mais
é o ápice da felicidade humana.
agradeça a Deus pela sexta-feira às
17h59
amaldiçoe a existência às 23h59 do domingo.
leve as crianças ao shopping
compre tudo o que puder e o que achar que pode
escarneça dos idiotas
que vivem de música, pintura e poesia.
quem eles pensam que são, vivendo os
sonhos deles?
mas tudo bem,
eles não têm a sorte de uma rotina
de 12 horas de servidão.

LANÇA: Qual foi o livro que mudou a sua vida?
John Silva: Um livro que mudou a minha vida… é difícil, não é meu livro preferido, nem é meu livro de cabeceira, mas quando eu li talvez tenha tido o um impacto assim foi o A Insustentável Leveza do Ser do Milan Kundera.

MOSCAS, TEIAS & ARANHAS
Sinto-me desesperado
como a mosca
presa na teia de
aranha que vi
essa manhã.
pobre mosca,
sem chance alguma,
nenhuma escapatória
possível;
se debatendo
se enrolando cada vez
mais
enquanto a aranha
se aproximava lentamente
com movimentos frios e
calculados.
Uma predadora fatal,
sádica e implacável.
E esse é o sentimento
que a vida causa às vezes:
somos como a mosca
que não sabe nem explicar
como diabos foi parar naquela
situação.
Basta um simples deslize,
passo em falso e então você já era,
preso em uma teia
gigantesca de várias facetas:
um falso amor
um emprego que você odeia
e do qual não pode sair,
parasitas em forma de pessoas
que continuam a vir e ficar,
sugando toda sua luz.
ou qualquer outra mazela
que costuma recair sobre o homem.
A vida é a nossa teia e
também a aranha — vira e mexe
caímos feito moscas
em uma de suas armadilhas.
Aquela mosca que vi essa manhã
não faz ideia do quão bem
eu entendi seu desespero.

LANÇA: Pra terminar, poderia indicar pra gente três leituras indispensáveis para os dias atuais?
John Silva: Para os dias atuais, 1984 do George Orwell com certeza; acho que sempre atual também, não especificamente dos dias atuais, mas enquanto ser humano, Cem Anos de Solidão do Gabriel García Márquez, dá sim pra fazer um link com os dias de hoje; e pra finalizar eu colocaria também Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley que conversa bastante com os tempos que estamos vivendo. Só três é foda, risos.

VIVI ATÉ ESTE MOMENTO OITO MIL SETECENTOS E QUARENTA E
DOIS DIAS

Encontro-me a poucos dias de completar a vigésima quarta
volta em torno do sol
meu “retorno de saturno” está cada vez mais próximo;
o crepúsculo da alma avança
enquanto a existência tem sido uma odisseia monótona sempre
essa busca de sabe-se lá o quê.
contemplo outra noite que chega, fica e se vai.
repito novamente os passos de ontem,
com a singela diferença de acreditar cada vez menos
em uma metafisica regente.
me vejo encurralado
como se cada escolha a partir de agora
fosse o ferro quente para a pele.
e como a figueira de Sylvia,
minhas opções começam
a murchar e apodrecer
enquanto me paraliso incapaz de escolher
aniquilado pela infinitude de cada caminho.
Todos esses dias vividos até aqui
e ainda assim sei tão pouco sobre
o que quero de mim.

Por aqui gostamos muito do que lemos e não vemos a hora de trabalhar textos do John Silva nos futuros projetos da Lança. Para acompanhar mais do autor você pode segui-lo nas redes abaixo e acompanhar os próximos projetos literários da Lança.

Instagram: https://www.instagram.com/johnsilva42/
Drowned Men: https://www.instagram.com/drownedmen/

Quer ter o seu trabalho publicado com a gente? Envie uma amostra do seu trabalho literário — crônicas, contos, poemas e outros formatos — para nossa curadoria em txt@coletivolanca.com.br

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