Foto: João Pedro (@jao_fotos)

LANÇA apresenta: Vitor Hugo Lemes, VH para os que o leem de perto.

Coletivo Lança
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4 min readMay 8, 2021

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Conheça o poeta e rapper goiano que estreia a seção de literatura da Lança.

VH, 25 anos, é rapper, poeta e acadêmico de Filosofia. Também constrói em parceria com o rapper DAM o grupo de rap “CASEIRO” presente e atuante na cena Hip Hop de sua cidade. Vitor também é um dos responsáveis pelo “Valderundestein”, um projeto que une ilustração e poesia, além de autor do blog “pretopoetapreto”.

Vitor Hugo Lemes ou “VH, O Escrivão”, como é conhecido no cenário Hip Hop goiano, inaugura a seção de literatura como poeta convidado. VH derrama na tela em branco vivências muito próprias do poeta preto e brasileiro. Parece escrever não só para sobreviver, mas para pegar a vida pelos chifres, com coragem e visceralidade, como um vivo retrato do que é viver e ser artista no Brasil. Conheça.

orçamento

Tenho fumado mais do que me permite o atual orçamento dos dois pulmões que por ora carrego.
Tenho gozado mais do que me permite essa sede de tocar o mundo com meus próprios dedos.
Tenho sonhado mais do que permitiriam a Hamlet, se esse por ventura tivesse a cor de Otelo.
Mas minha paixão é branda, sufoco-a pouco a pouco e sei que ela só há de matar a mim mesmo.
Mesmo bebendo mais do que me permite a atual situação financeira, a atual reputação que por ora renego, perante a família de bem, própria ou alheia.
Mesmo chorando mais do que me permite o atual orçamento liquefeito que de meu corpo é reserva.
Mesmo sentindo demais e realizando de menos.
Mesmo sofrendo demais, por motivos de menos.
Talvez você há de convir sobre essa atual e não menos constante sensação de ineficácia frente às demandas do mundo real.
Quiseram-me conjugue, respeitável, com um bom emprego e alguns diplomas na parede.
Mas a vida, por ventura ou desventura, quis-me poeta.
E tudo o que trago, além dos cigarros e a matéria liquefeita, são alguns versos na algibeira.

Foto: João Pedro (@jao_fotos)

Vitor Hugo escreve sobre o cotidiano, é também metalinguístico, como todo poeta que precisa escrever sobre seu ofício. Talvez porque seja preciso convencer sempre a si que arte e trabalho podem ser sinônimos possíveis em um país que tão pouco valoriza seu artistas. Ser poeta exige a coragem que VH revela no poema que se segue.

coragem

Nada como o assalto de um dia após o outro. Se a dor da existência que é sucessão dos dias se faz igualmente matéria prima da dor. Como a ideia do cosmos contido no livro; como a ideia do livro, um vasto micro-cosmos. Tudo isso é falso, entretanto, não poderia ser mais verdadeiro. Cada consciência que se difere do caos é um espécime de caos particular.
A auto-ficção ou a poesia, por exemplo, como fez Pessoa — ainda que fingindo
descaradamente — requisita um certo tom de coragem. Ou demasiada coragem, como queira. Já disse certa vez que:

Gosto de sentir o que escrevo
Gosto, sobretudo, de sentir o que escrevo
pois se finjo, sou covarde
e necessito de coragem para dizer o que sinto.
Gosto de sentir o que escrevo
e ser mal interpretado,
pois todo o mundo que me compreende
ou julga fazê-lo,
encarcera-me.
Encerra-me no que não sou.
E eu já não sei…
É um labirinto o homem. Entretanto, ainda assim, alguém que o leia, mas que porventura não o conhece, poderá afirmar o contrário. Sobretudo, se esse alguém o lê, veja
lá, como devem ser lidas todas as coisas — com a intensidade de reconhecer fora algo que já é, aparentemente, realidade dentro.
À parte teóricos rodeios, o que quero dizer é que há que se ter coragem para essa
espécie de confissão a nível planetário. Ainda que ninguém o leia…
Há que se ter demasiada coragem para expressar o mais íntimo de si a qualquer outro.
Que é outro, porque a princípio desconhece a extensão dos vastos desertos que cada qual lega ao labirinto mais íntimo de si.

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Pretopoetapreto — https://pretopoetapreto.wordpress.com/

Valderundestein — https://valderundestein.wordpress.com/

CASEIRO: http://bit.ly/_caseirorap

Instagram: https://www.instagram.com/vhoescrivao/

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