Andre Aguiar
lanches
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7 min readJul 6, 2015

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Quem é Amanda Palmer?

Digamos que Amanda Palmer não seja a pessoa mais conhecida e popular por esses lados do planeta. Para falar a verdade, não tinha ouvido falar dela até uns meses atrás, quando seu discurso no TED inspirou um livro com o mesmo nome, A Arte de Pedir. Sabia bem pouco sobre Amanda (artista meio que performática, algumas bandas no currículo, casada com Neil Gaiman…) mas, mesmo assim, investi na leitura. E, olha, o conteúdo é tão bom e diferente que virei fã sem precisar ouvir nenhuma das suas canções.

A Arte de Pedir é um livro de não-ficção que mistura algumas cenas da vida de Amanda e as lições que ela tirou dessas diversas situações. E essa mulher tem muitas histórias para contar: ela já foi atendente de sorveteria, estátua viva, stripper, diretora de teatro, garçonete, instrumentista em várias bandas e duos… Além de todas as profissões que acumula, Amanda ainda é bastante dedicada, amiga e inquieta, faces abordadas no livro também na sua vida pessoal.

Mesmo depois de se formar em Arte pela renomada Wesleyan University e encaminhar um mestrado na área na Alemanha, Amanda Palmer largou tudo para ser artista de rua. Usando um vestido de noiva comprado num brechó, com a cara pintada de branco e carregando um buquê feito de flores que encontrava em parques de sua cidade, ela subia em um caixote e se tornava uma estátua viva (Amanda ficou conhecida na vizinhança como A Noiva de Dois Metros e Meio).

Foi nessa situação, onde ela se colocava totalmente vulnerável, sem nenhuma garantia de que iria conseguir pagar as contas no fim do mês, que ela começou a se conectar com as pessoas. Sempre que alguém depositava uma moeda aos seus pés, ela se movimentava e oferecia uma das flores do seu buquê, enquanto olhava fixamente para os olhos desconhecidos à sua frente.

Nessas horas, Amanda percebia o quanto cada um deles era solitário.

A arte

Quando começou a tocar por outras cidades e países, em turnês pequenas e com o orçamento apertado, Amanda e suas bandas (a mais conhecida delas, a The Dresden Dolls) economizavam com hospedagem pedindo um sofá emprestado para os fãs por uma noite. Era só escrever um tweet ao chegar em seus destinos que recebia respostas de fãs entusiasmados.

Nada de uma iluminação incrível ou painéis de led: um orçamento enxuto também requeria formas criativas de que o show fosse bonito e atraente, indo para além da sonoridade e do punk cabaret da banda. A mesma moeda de troca utilizada para pagar pelos lugares onde dormiam (ingressos pro show, cerveja, jantares…) era utilizada para pagar outros artistas que topavam participar do show. O estacionamento também recebia teatro e encenações, o público dividia seu espaço com músicos antes do início do show, alguns dançarinos participavam com coreografias durante as apresentações. Ou seja, as limitações, em vez de restringir, criavam laços com pessoas.

imagem via Wikipédia

Amanda também buscava se conectar com os fãs criando encontros surpresa, chamadas de “sessões ninja” por ela. Pelo Twitter, ela recrutava os fãs para reuniões puras e simples. Passar um momento juntos, conversando, fazendo arte, bebendo, falando bobagens, tocando seus instrumentos numa praça.

Porém, a forma mais incrível de conexão que Amanda tinha era a decisão de não ir embora dos locais de show enquanto não conversasse com cada uma das pessoas que quisessem um abraço, um autógrafo, uma fotografia. Mesmo esgotada depois dos concertos. Mesmo que isso durasse três ou quatro horas. Amanda chegava a receber bebida e comida neste pós-show dos fãs mais preocupados.

“Quando os artistas trabalham bem, conectam as pessoas a eles mesmos e as costuram umas às outras com essa experiência compartilhada de descobrir uma conexão que era visível antes.”
— Amanda Palmer

Quando Amanda Palmer finalmente conseguiu assinar com uma gravadora e lançar seu disco através de um selo, estúdio e com uma certa garantia prévia de que ele seria bem distribuído, contudo, as coisas não foram como ela esperava.

Nas primeiras semanas, o disco vendeu 25 mil cópias, um número grande para quem vendia seus discos com esforço depois dos shows ou online. Para os executivos da gravadora, porém, era insuficiente e não valia mais investimentos. O marketing, então, foi interrompido rapidamente.

Nervosa com a situação, Amanda passou a desabafar a cada desentendimento na empresa em seu blog ou no twitter (como toda pessoa ativa na internet). Os fãs sempre a acolheram nesses momentos e foi então que ela resolveu dar um passo corajoso. Inspirada pelos seus dias como artista de rua, passou a disponibilizar os novos singles e faixas online sem nenhum valor fixo, para cada fã pagar quanto quiser e se quiser.

imagem via A.G.Billig

Depois da rescisão de contrato, quando reuniu algumas faixas para lançar um disco completo, Amanda aderiu ao crowdfunding e colocou seu projeto no Kickstarter (a maior plataforma para financiamento coletivo). Para que ela conseguisse pagar estúdio, músicos, o serviço prestado pelo site, a gravação e o envio das cópias para os endereços dos fãs e as recompensas para aqueles que contribuíram, ela precisaria de 100 mil dólares.

Amanda conseguiu coletar mais de 1 milhão de dólares.

E o mais interessante disso é o fato do número de responsáveis por esse número grandioso ter sido de cerca de 25 mil pessoas. O mesmo número que recebeu o descrédito da gravadora.

“Para mim era bastante simples: você dá duro, toca para seu público, conversa, se comunica, abraça e se conecta de todas as formas possíveis com seus ouvintes, e eles por sua vez dão apoio e convertem os amigos em nossos fãs também. É aí que a música funciona melhor, quando as pessoas a utilizam para formar comunhão e conexão. Simples assim.”
— Amanda Palmer

Pedir

É de se admirar (e se inspirar) alguém que tenha tanto desprendimento, calma (okay, nem sempre, já que o livro mostra alguns momentos preocupados de Amanda) e coragem para fazer o que faz. Não somente porque esperar algo de outras pessoas seja algo incerto, nada seguro. Também porque o tempo inteiro somos preparados para fazer justamente o contrário.

Nós crescemos e precisamos sair da aba dos nossos pais, para vivermos nossas próprias vidas, sozinhos e sem ajuda alguma. Somos educados para sermos auto-suficientes. Depender de outras pessoas é ser incapaz. Confiar nos outros não é algo válido. Arriscar-se em algo fora do padrão escola-universidade-empregobacana é um ato irresponsável. Pedir é visto como humilhação. Mostrar-se vulnerável é errado.

A Arte de Pedir é muito voltado para a arte em si (a relação dos artistas com os fãs), mas nada me impediu de parar para refletir sobre o monte de vezes que eu insisto em fazer tudo sozinho — até porque Amanda falou tudo que eu estava precisando escutar no exato momento da leitura. Aceitar uma parte enorme num trabalho de grupo da faculdade, ficar desesperado sem saber o que fazer e terminar com tudo mal feito e entregue em cima da hora. Ou ser incapaz de pedir uma informação na rua e continuar andando por calçadas estranhas. Ou ainda sumir (ou fingir que está tudo bem) quando, na verdade, estou precisando conversar.

Amanda mostra, então, que existe uma confiança implícita entre quem oferece e quem retribui, quem recebe e quem doa. E se apresentar como alguém “humano” e que precisa de ajuda é algo que, nos nossos moldes sociais, só pode ser feito quando há um certo nível de conexão entre as pessoas.

“É como dizer “eu preciso de você, eu confio que você pode me ajudar.”
Pedir é algo digno e necessário, pois reforça laços.”
Amanda Palmer

imagem via O Globo

Quer se inspirar também?
Aqui está o vídeo com a palestra completa e legendada
(e se gostarem, por favor, procurem a “história completa” no livro também)!

a arte de pedir
amanda palmer
304 páginas
editora intrínseca.

tipo de lanche:
um manual para ser mais livre (e mais cara de pau).

sabor:
tem gosto de inspiração.

ingredientes:
misture auto-ajuda, biografia, poesia e encorajamentos.

outros lanches:
+ amanda palmer: você pode ouvir aqui as músicas que aparecem no livro.
+ bastidores: o livro “eu não sei lidar”, de lucas silveira (dublinense, 2015)
+ inspiração: o livro “sobre a escrita”, de stephen king (suma de letras, 2015)

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