The way of no return for Pantanal

Fernando Marques Quintela
Landscape, Society & Culture
42 min readJun 18, 2024

The waterway projected for the Paraguay River threats the Pantanal biome and the way of life of the local people

O caminho sem volta para o Pantanal

A hidrovia projetada para o Rio Paraguai ameaça o bioma Pantanal e o modo de vida das comunidades locais

Text and photographs by Fernando M. Quintela

A barge driven by a push boat navigates downstream during the sunset on Paraguay River at the stretch of Corumbá-Ladário, Brazilian Pantanal. The navigation of solitary barges or convoys arranged in up to six units, a set which attains about 180 meter in length, is daily seen in the region. The apparently calm displacement of barges hides severe impacts to the Paraguay River and the Pantanal biome as a hole. Uma barcaça guiada por rebocador navega rio abaixo durante o pôr-do-sol no Rio Paraguai, trecho Corumbá-Ladário, Pantanal brasileiro. A navegação de barcaças solitárias ou comboios de barcaças arranjadas em até seis unidades, um conjunto que atinge cerca de 180 m de comprimento, pode ser vista diariamente na região. Esse aparentemente calmo deslocamento de barcaças esconde severos impactos ao Rio Paraguai e o Pantanal, como um todo.

The sun has just risen in the Pantanal sky of Ladário — a small city in Mato Grosso do Sul state, Brazil — and Mr Lourival is again ready for another day in the Paraguay River. The way down to his boat is a tortuous wooden ladder built by himself on a twenty-meter ravine that separates his house above from the river below. The trust in his engineering techniques and a rope fixed to the top of the ravine are the only security measures to keep him safe from a very likely fatal fall. Down there is the boat, also built by himself, from wooden slats and small aluminum sheets. There is no motor, Mr Lourival’s rowing guarantees the boat’s propulsion. That is how I met Mr Lourival in the Paraguay River, me rowing my fiberglass oceanic kayak, and he rowing his self-made wooden boat filled with a cow femur, hooks, and fishing lines. We had crossed each other when I asked him the obvious question, “Are you a fisherman?” After his confirmation and my presentation, Mr Lourival immediately invited me to visit him and his family the next day. And then our friendship has begun.

O sol acabara de se erguer no céu do Pantanal de Ladário — uma pequena cidade no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil — e Sr. Lourival está pronto mais uma vez para outro dia no Rio Paraguai. A descida até seu bote é uma tortuosa escada de madeira construída por ele mesmo sobre uma ravina de 20 metros de altura, que separa sua casa acima do rio abaixo. A confiança em suas ‘técnicas de engenharia’ e uma corda fixada no topo da ravina são as únicas medidas de segurança que o mantém a salvo de uma queda muito provavelmente fatal. Lá embaixo está o bote, também construído por Sr. Lourival, utilizando-se de ripas de madeira e pequenas folhas de alumínio. Não há motorização; as remadas de Sr. Lourival garantem a propulsão do barco. E foi assim que eu conheci Sr. Lourival em uma das curvas do Rio Paraguai: eu remando meu caiaque oceânico de fibra de vidro, e Sr. Lourival remando seu bote, preenchido com linhas de pesca, anzóis e um fêmur de vaca. Cruzamo-nos, quando então eu fiz a ele a óbvia pergunta “Você é um pescador?” Após a confirmação e minha breve apresentação, Sr. Lourival imediatamente me convidou para visitar a ele e sua família no dia seguinte. E assim a nossa amizade começou.

Mr Lourival lives in a small and cozy home just above the Paraguay River’s eastern margin with his wife and one of their daughters, both accredited fisherwomen. The 61-year-old man with sunburned skin proudly bears scars of yacare caiman bites in his arms and legs, which he shows as part of his ‘curriculum’ of Pantaneiro (a man who lives in Pantanal). He is one of the thousands of artisanal fishermen of the Paraguay River in Mato Grosso do Sul, Brazilian Pantanal — these fishermen class fish only for their families’ consumption and small-scale local marketing. For many of these families, fish represent the primary protein source and the only way of income. After a cup of coffee, Mr Lourival came to me with a plastic bag containing the product of the last day fishery — five red piranhas (Pygocentrus nattereri), a spotted piranha (Serrasalmus marginatus), a small catfish (Pimelodus argenteus), and a hatchet characin (Triportheus sp.). In view of that small fish set, I asked myself what could be the priority there, the dinner or the money, because that small amount of fish would not be enough for both. Then, the reality of Mr. Lourival’s family — and many other families of artisanal fishermen from the Paraguay River — slowly took place in my mind.

Sr. Lourival vive em uma pequena e aconchegante casa localizada logo acima da margem leste do Rio Paraguai, juntamente com sua esposa e uma de suas filhas, ambas pescadoras credenciadas. O homem de 61 anos de idade, com pele queimada pelo sol, exibe orgulhosamente as cicatrizes de mordidas de jacaré em seus braços e pernas, como parte de seu ‘currículo de pantaneiro’. Ele é um dos milhares de pescadores artesanais do Rio Paraguai no Mato Grosso do Sul, Pantanal brasileiro. Os pescadores artesanais pescam apenas para o consumo próprio e de suas famílias, além de comercializar pescado localmente, em pequena escala. Para muitas dessas famílias, os peixes representam a fonte de proteína primária e a única fonte de renda. Após um copo de café, Sr. Lourival veio até mim com uma sacola plástica contendo o produto de seu último dia de pescaria — cinco piranhas-vermelhas (Pygocentrus nattereri), uma piranha-pintada (Serrasalmus marginatus), um pequeno bagre (Pimelodus argenteus) e uma sardinha (Triportheus sp.) Em frente a aquele pequeno punhado de peixes, eu perguntei a mim mesmo qual seria a prioridade ali — o jantar ou dinheiro — pois ao meu entender aquela pequena quantidade de pescado não seria suficiente para ambos os propósitos. Então, a realidade da família de Sr. Lourival — e de muitas outras famílias de pescadores artesanais do Rio Paraguai — lentamente foi tomando lugar em minha mente.

Mr. Lourival is contemplating the Pantanal through his window to the Paraguay River. He and thousands of artisanal fishermen from Pantanal have their way of life and incomes menaced by the Paraguay-Paraná waterway project. Sr. Lourival comtemplando o Pantanal através de sua janela para o Rio Paraguai. Ele e milhares e Pescadores artesanais do Pantanal estão com seu modo de vida e sustento ameaçados pelo projeto Hidrovia Paraguai-Paraná.

A few days later, Mr Lourival invited me to join him and his genre Joni for full-day fishing. The objective was to fish in an enclave of Paraguay River on the floodplain, locally known as boca, where, according to Mr Lourival, large-sized fish such as the spotted sorubim (Pseudoplatystoma corruscans), the barred sorubim (Pseudoplatystoma fasciatum), the dorado (Salminus brasiliensis), and others use to gather. To my surprise, we had a sterndrive motor provided by Joni. We were ready to go after placing an extra wooden board on the stern for the motor coupling. Joni was driving while Mr Lourival was singing and joking with all the other fishermen that had crossed our way. Following one hour downstream, we entered the boca. A place near a stand of emergent aquatic vegetation was selected. The two men started fishing, using pieces of cow neck meat and homemade pastry dough as bait. The fishing gear used by Mr Lourival and Joni is quite simple: bamboo stick with line and hook and free-handling line and hook. After three hours of fishing, the two men caught about twenty fish, including piranhas, pacus (Piaractus mesopotamicus), piraputangas (Brycon hilarii), threespot leporinus (Leporinus friderici), and small characins (Tetragonopterus argenteus), all of them far from being considered large-sized. Once again, I thought of how a small set of small-sized fish could serve as food and a source of income for not one but two families.

Poucos dias após a primeira visita, Sr. Lourival convidou-me para me juntar a ele e a seu genro Joni para um dia inteiro de pescaria. O objetivo era pescar em um enclave (baía) do Rio Paraguai junto à planície de alagamento, fisionomia localmente conhecida como ‘boca’. Segundo Sr. Lourival, peixes de grande porte como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans), a cachara (Pseudoplatystoma fasciatum), o dourado (Salminus brasiliensis), entre outros, costumam se agrupar nas ‘bocas’. Para a minha surpresa, contávamos com um motor de popa providenciado por Joni. Nós estávamos prontos para partir após a instalação de uma ripa de madeira extra para a acoplagem do motor de popa. Joni ia pilotando enquanto Sr. Lourival se pôs a cantar e a caçoar os demais pescadores que cruzavam nosso caminho. Após cerca de uma hora rio abaixo, adentramos a ‘boca’. Um local próximo a um aglomerado de vegetação aquática emergente foi selecionado. Os dois homens então se puseram a pescar, utilizando pedaços de carne de pescoço de vaca e massa de pastel caseira como isca. O equipamento de pesca utilizado por Sr. Lourival e Joni era de fato muito simples: varas de bambu com linha e anzol e linhas-de-mão com anzol. Após três horas de pescaria, os dois homens capturaram cerca de 20 peixes, incluindo piranhas, pacus (Piaractus mesopotamicus), piraputangas (Brycon hilarii), piaus-três-pintas (Leporinus friderici) e sauás (Tetragonopterus argenteus), todos longe de serem considerados de grande porte. Mais uma vez, pensei como aquele pequeno punhado de peixes de pequeno porte serviria de alimento e renda para não uma, mas agora duas famílias.

After a long day of fishing, Mr Lourival cleans and peels off the product of his effort: five red piranhas, one spotted piranha, a hatchet characin, and a small catfish. Após um longo dia de pescaria, Sr. Lourival limpa e descamas o produto de seu esforço: cinco piranhas-vermelhas, uma piranha-pintada, uma sardinha e um pequeno bagre.

On the way back to Mr Lourival’s home, the motor started to freak out on us, showing problems with the gasoline supply for combustion. This forced Joni to start the motor several times, which did not run for more than a few hundred meters. I had begun asking myself if we could arrive home that afternoon or from where some help could reach us. Fortunately, as if someone had read my thoughts, a friendly fisherman came with his boat and repaired the motor, which returned to work as it had at the beginning of our navigation. When everything seemed to be going well, a large Brazilian Navy boat passed near us, and the resulting curling quickly filled the boat with water, from bow to stern. That unexpected event almost sank the boat, which required us to immediately redistribute our weight, in addition to repeated emptying maneuvers by Mr Lourival, using a basis of a plastic bottle. Following the sudden scare, Mr Lourival laid down and started to sing an American pop song — using quite ‘peculiar English’ –an event that will make me laugh for the rest of my life. After about two hours going upstream, we finally arrived Mr Lourival’s home. All the junk had been unloaded from the boat, and after some glasses of water and lemon juice, Mrs Lourival and Joni proceeded with the division of the fish. The amount gathered by Mr Lourival was very similar to what was presented to me the first time I went to his house. Still, the fish, on average, were even smaller.

No caminho de volta para a casa de Sr. Lourival, o motor de popa começou a nos pregar peças, mostrando sinais de insuficiência para a alimentação de combustível. Isso forçou Joni a dar partida no motor por dezenas de vezes, e esse não funcionava por mais de algumas centenas de metros. Eu comecei a me perguntar se conseguiríamos chegar em casa naquela tarde, ou de onde viria uma ajuda. Felizmente, como se alguém tivesse lido meus pensamentos, um pescador conhecido de Sr. Lourival e Joni veio a nosso socorro e rapidamente reparou o motor, que voltou a funcionar como no início da navegação. Quando tudo parecia ir bem, uma grande embarcação da Marinha do Brasil passou próxima a nosso bote, o que resultou em ondulações que imediatamente inundaram o barco, da proa à popa. Esse evento inesperado quase afundou o barco, o que exigiu nossa imediata redistribuição de peso, além de repetidas manobras de esvaziamento por parte de Sr. Lourival, utilizando-se de um recipiente plástico. Seguindo-se ao susto, Sr. Lourival deitou-se na proa e começou a cantar uma canção pop americana utilizando de um inglês bastante ‘peculiar’, um evento que vai me fazer rir pelo resto da vida. Após duas horas rio acima, finalmente chegamos á residência de Sr. Lourival. Toda a tralha foi descarregada, e após algumas garrafas de água e suco de limão, Sr. Lourival e Joni procederam com a divisão do pescado. A quantidade obtida por Sr. Lourival foi semelhante àquela apresentada a mim na minha primeira visita à sua casa. No entanto, os peixes eram em média ainda menores.

The small wooden boat Mr Lourival and Joni used for fishing passes through a “parking lot” of barges. It is notable the contrast between the barges and the fishermen’s boat, just as it contrasts their relationships with the river. O pequeno bote de madeira que Sr. Lourival e Joni usam para a pesca passa por um ‘estacionamento’ de barcaças. É notável o contraste entre as barcaças e o bote dos pescadores, assim como são contrastantes suas relações com o rio.

My experiences with Mr Lourival made me feel the hard way of life of artisanal fishermen from the Paraguay River. If the day-to-day uncertainties are not enough, things can become even more unstable. Pantanal is the most extensive floodplain worldwide, covering an area of about 165,000 square kilometers distributed mainly in central-western Brazil (states of Mato Grosso and Mato Grosso do Sul) and also in parts of southeastern Bolivia and northeastern Paraguay. The biome hosts an incredible diversity and abundance of wildlife and holds the status of UNESCO World Heritage Site and Biosphere Reserve. Hydrographically, Pantanal is inserted in the Upper Paraguay basin, including the Paraguay River and eleven main tributaries or sub-basins. The name ‘Pantanal’ could be translated from Portuguese as ‘an aggregation of swamps’, which suits its physiognomic condition. The origins of the ‘aggregation of swamps’ are still controversial. Still, many geologists agree that the great subsidence depression called Pantanal resulted from the uplifting of the Andes. If a portion of the Earth’s crust rises, another adjacent portion must descend. In the latitudinal zone of Pantanal, the events of the Central Andes uplifting process had initiated around 40 million years ago. Every year, during the rainy season — generally from October to April — the rivers of Pantanal overflow their waters over the floodplain, and the region becomes an immense wetland. After the rainy period, during the dry season, the water accumulated in the floodplain retreats to the river channels, and the muddy cracked ground and extensive grasslands — punctuated by palm trees, ipês, and other arboreal species — are the testimony to what was previously a lush swamp. And at the center of this seasonal magic is the Paraguay River, the major river in Pantanal.

Minhas experiências com Sr. Lourival fizeram-me sentir — pelo menos superficialmente — o difícil modo de vida dos pescadores artesanais do Rio Paraguai. Como se as incertezas do dia-a-dia não fossem o suficiente, as coisas podem se tornar ainda mais instáveis. O Pantanal é a mais extensa planície de alagamento do mundo, cobrindo uma área de cerca de 165.000 km² distribuídos principalmente no centro-oeste brasileiro (estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), e também em partes do sudeste da Bolívia e nordeste do Paraguai. O bioma abriga uma incrível diversidade e abundância de vida silvestre, o que lhe rendeu o status de Patrimônio Mundial Natural e Reserva da Biosfera pela UNESCO. Hidrograficamente, o Pantanal está inserido na bacia do Alto Paraguai, o que inclui o Rio Paraguai e onze principais tributários ou sub-bacias. A nomenclatura ‘Pantanal’ pode ser entendida como ‘ um aglomerado de pântanos’, o que perfeitamente reflete suas características fisionômicas. A origem do ‘aglomerado de pântanos’ é ainda controversa. No entanto, muitos geólogos concordam que a grande depressão atualmente conhecida como ‘Pantanal’ é resultante do soerguimento de parte da Cordilheira dos Andes. Se uma porção da crosta terrestre se ergue, outra porção adjacente deve rebaixar-se (subsidência). Na zona latitudinal do Pantanal, os eventos de soerguimento dos Andes Central iniciaram-se por volta de 40 milhões de anos atrás. Anualmente, durante a estação chuvosa — geralmente entre outubro e abril — os rios do Pantanal transbordam suas águas sobre a planície de alagamento, tornando a região uma imensa área alagada. Após o período de chuvas, a água acumulada na planície de alagamento retorna às calhas dos rios, e, durante a estação seca, um solo lamacento e rachado e extensos campos — pontuados por palmeiras, ipês e outras espécies arbóreas — são o testemunho do que outrora foi um exuberante pântano. E, no papel central dessa magia sazonal, está o Rio Paraguai, o principal rio do Pantanal.

A port facility at Paraguay River margins in the municipality of Ladário, consisting of a conveyor belt for loading barges, and attachments. Ores and grains are loaded in fluvial ports like this, which are spread in strategic locations along the Paraguay River. Uma instalação portuária às margens do Rio Paraguai no município de Ladário, constituída por uma esteira transportadora para o carregamento de barcaças e anexos. Minérios e grãos são carregados em portos fluviais como esse, localizados em pontos estratégicos ao longo do Rio Paraguai.
The Paraguay River at the Pantanal of Ladário. In the most distant plane, it is possible to see the contours of Amolar Massif, where mines of iron and manganese ores are located. The ores are transported by an intense traffic of trucks from mines to the ports in the Paraguay River, where the barges are loaded. O Rio Paraguai no Pantanal de Ladário. No plano mais distante é possível ver os contornos do Maciço do Urucum, onde minas de minério de ferro e manganês estão localizadas. Os minérios são transportados por um intense tráfego de caminhões das minas das minas aos portos do rio Paraguai, onde as barcaças são carregadas.

Paraguay River extends through more than 2,600 kilometers from south-central Mato Grosso — central-western Brazil — to its mouth in Paraná River, at the frontier between southern Paraguay and northeastern Argentina. Paraná River, in turn, runs through northeastern Argentina until its confluence with the Uruguay River at the ‘River Plate’, an estuary located at the frontier between southwestern Uruguay and the Argentinean province of Buenos Aires. The Paraguay-Paraná fluvial system flows through five countries — Argentina, Bolivia, Brazil, Paraguay, and Uruguay –, from its origins at the Pantanal of Mato Grosso until its encounter with the Atlantic Ocean. Brazil, Bolivia, northeastern Argentina, southwestern Paraguay, and Uruguay are crossed in frontier regions, while in Paraguay and Argentina, the Paraguay-Paraná system also crosses interior areas of their political territories. Argentina, Brazil, Bolivia, Paraguay, and Uruguay currently comprise the Southern Common Market — abbreviated as Mercosur in Spanish and Mercosul in Portuguese — a trade block established in 1991 aiming to promote trade facilities, free movement of people and workforce, and the economic boost of the signatory countries. Mercosur — or Mercosul — recently attempted to extend the free trade agreements with the European Union. However, this has clashed with Brazil’s ineffective environmental policies concerning Amazon Rainforest deforestation and diplomatic relationships between Brazil, China, and Russia.

O Rio Paraguai se estende por mais de 2.600 km, do centro-sul do Mato Grosso à sua desembocadura no Rio Paraná, região da fronteira entre o sul do Paraguai e o nordeste da Argentina. O Rio Paraná, por sua vez, corre pelo nordeste argentino até sua confluência com o Rio Uruguay no ‘Rio de la Plata’, um estuário localizado na fronteira entre o centro-oeste uruguaio e a província argentina de Buenos Aires. O sistema fluvial Paraguai -Paraná flui através de cinco países — Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai –, desde sua origem no Pantanal do Mato Grosso até seu encontro com o Oceano Atlântico. Brasil, Bolívia, nordeste argentino, sudoeste paraguaio e Uruguai são banhados em regiões fronteiriças, enquanto que no Paraguai e Argentina o sistema Paraguai-Paraná também corre por áreas interiores de seus territórios políticos. Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai atualmente compõem o Mercado Comum do Sul — abreviado como Mercosul em Português e Mercosur em Espanhol –, um bloco econômico estabelecido em 1991 com o objetivo de se promover facilidades de comércio, movimentação livre de consumidores e trabalhadores e impulsionamento econômico dos países signatários. O Mercosul recentemente projetou também obter acordos de livre comércio com a União Europeia; no entanto, esse propósito esbarrou com a ineficiência das políticas brasileiras para o enfrentamento do desmatamento da Floresta Amazônica, além das relações diplomáticas entre Brasil, China e Rússia.

Joni drives Mr Lourival’s boat through the anchorage of the port of Ladário. The artisanal fishermen consider these areas ‘dead zones’ given the constant disturbance to the marginal areas and the river bed, which has caused the fish migration from these stretches. Joni conduz o bote de Sr. Lourival através do ponto de ancoragem do Porto de Ladário. Os pescadores artesanais consideram essas áreas como ‘zonas mortas’ devido ao constante distúrbio nas áreas marginais, o que causou a emigração de peixes desses trechos.

The multinational-frontier character of the Paraguay-Paraná fluvial system makes this a strategic via for the transportation of commodities through Mercosur countries and for the flow of those products to seaports in Argentina and Uruguay for overseas shipping. Within this focus, a proposal for improving international navigation through the Paraguay-Paraná system has culminated in the project ‘Hidrovía Paraguay-Paraná’. However, the first actions for implementing a waterway in the Paraguay-Paraná rivers preceded the creation of Mercosur by more than 20 years. Argentina, Bolivia, Brazil, Paraguay, and Uruguay first met for a discussion about the common interests in advances in Paraguay-Paraná commercial navigation in 1969, when the Tratado de la Cuenca del Plata — Treaty of Plata Basin — was signed in Brasília, Brazil. Later, representatives from the five countries met in 1988 in Campo Grande, Brazil, for the “Primer Encuentro International Para el Desarollo de la Hidrovía Paraguay-Paraná — First International Meeting for the Development of the Paraguay-Paraná Waterway ­–, when the first concrete political actions for the waterway establishment had been guided.

O caráter multinacional-fronteiriço do sistema fluvial Paraguai-Paraná faz desse uma estratégica via para o transporte de commodities através dos países constituintes do Mercosul até o escoamento e transporte marítimos por meio de portos da Argentina e Uruguai. Dentro desse foco, a proposta para o melhoramento da navegação internacional através do sistema Paraguai-Paraná culminou no projeto ‘Hidrovia Paraguai-Paraná’. Entretanto, as primeiras ações para a implementação de uma hidrovia nos rios Paraguai-Paraná precedem a criação do Mercosul em mais de 20 anos. Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai se encontraram pela primeira vez em 1969 para uma discussão sobre o interesse comum em avanços na navegação comercial no sistema Paraguai-Paraná, quando então o Tratado de la Cuenca del Plata — Tratado da Bacia do Prata — foi assinado em Brasília, Brasil. Posteriormente, representantes dos cinco países se encontraram em 1988 em Campo Grande, Brasil, para o ‘Primer Encuentro International Para el Desarollo de la Hidrovía Paraguay-Paraná’ — Primeiro Encontro Internacional para o Desenvolvimento da Hidrovia Paraguai-Paraná ­–, quando então as primeiras ações políticas concretas para o estabelecimento da hidrovia foram norteadas.

An enclave of the Paraguay River into Pantanal’s flood plain, locally known as ‘boca’. Artisanal fishermen highly use these areas once they present zones with weak currents, where large-sized fish gather. Um enclave do Rio Paraguai sobre a planície de alagamento do Pantanal, localmente conhecida como ‘boca’. Os pescadores artesanais utilizam intensamente essas áreas, uma vez que apresentam fraca correnteza e onde peixes de maior porte costumam se agrupar.

In 1992, a study attesting to the economic viability of Paraguay-Paraná Hídrovia, elaborated by the company Internave Engineering and sponsored by the Brazilian Government was published. That study pointed to “solutions” for navigation betterment, including dredging and severe structural interventions such as river channel straightening and removal of the rocky outcrops that act as barriers to water flow. The study also proposed the expansion of agricultural areas to marginal zones, aiming to take advantage of port facilities and fluvial transport. The report, therefore, did not measure the environmental costs of those interventions. This bill could arrive as a collapsing scenario for the Pantanal biome through hydrological disturbances, a decrease in fisheries, modifications in water quality, and socioeconomic impacts to be felt mainly by indigenous and riverine people. Following, the consortium Hidroservice — Louis Berger — EIH (collectively referred to as HBLE) published in 1996 two volumes of a study of technical engineering and economic viability of the waterway. Subsequently, the consortium formed by Taylor Engineering, Golder Associates, Consular Consultores Argentinos Asociados, and Connal Consultora Nacional (collectively TGCC) published in 1997 an Environment Impact Assessment (EIA) consisting of more than 3,300 pages distributed in 13 volumes dealing with the potential ecological disturbances to be caused by the waterway establishment. With the reports in hand, the scientific community has mobilized to approach the waterway’s harsh environmental and socioeconomic effects on Pantanal and southwards ecoregions. One crucial independent review entitled ‘Hidrovía Panel of Experts’ was published in 1997, concluding that the economic viability report was limited in providing information on environmental disturbances resulting from the waterway implementation. The Panel and some additional independent studies significantly impacted Brazil’s Federal Environmental Agency, which suspended all the actions related to the waterway establishment in the country’s territory in 1998. Nonetheless, stretches of the Paraguay-Paraná system in Argentina and Bolivia continued to be intensively dredged.

Em 1992, um estudo atestando a viabilidade econômica da Hidrovia Paraguai-Paraná, elaborado pela empresa Internave Engenharia e custeado pelo governo brasileiro, foi publicado. O referido estudo apontou “soluções” para o melhoramento da navegação, incluindo operações de dragagem e severas intervenções estruturais como retilinização da calha fluvial e remoção de afloramentos rochosos considerados barreiras para a navegação. O estudo também propôs a expansão das áreas de agricultura para as zonas marginais, objetivando-se ‘tirar vantagem’ das facilitações portuárias e transporte fluvial. Esse relatório, portanto, não mediu os custos ambientais de tais intervenções. A conta por tais intervenções poderia chegar por meio de um colapsante cenário para o bioma Pantanal, através de distúrbios hidrológicos, declínio na produção da pesca, modificações na qualidade da água, e impactos socioeconômicos a serem sentidos principalmente por comunidades indígenas e ribeirinhas. Seguindo-se, o consórcio Hidroservice — Louis Berger — EIH (coletivamente referido como HBLE) publicou em 1996 dois volumes de um estudo técnico de engenharia e viabilidade econômica da Hidrovia. Subsequentemente, o consórcio formado pela Taylor Engineering, Golder Associates, Consular Consultores Argentinos Asociados e Connal Consultora Nacional (coletivamente TGCC) publicou em 1997 um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) constituído por mais de 3.300 páginas, distribuídas em 13 volumes, que abordavam os potenciais distúrbios ecológicos a serem causados pelo estabelecimento da Hidrovia. Com o documento em mãos, a comunidade científica se mobilizou para uma abordagem sobre os severos impactos ambientais e socioeconômicos da Hidrovia no Pantanal e ecoregiões localizadas ao sul do bioma. Uma revisão independente intitulada ‘Hidrovía Panel of Experts’ foi publicada em 1997, concluindo que o relatório sobre viabilidade econômica era limitado em fornecer informações sobre os potenciais distúrbios ambientais resultantes da implementação da Hidrovia. O ‘Panel’ e alguns estudos independentes adicionais impactaram significativamente as autoridades ambientais federais no Brasil, que suspenderam em 1998 todas as ações relacionadas ao estabelecimento da Hidrovia em território nacional. Por outro lado, trechos do sistema Paraguai-Paraná na Argentina e Bolívia continuavam a ser intensivamente dragados.

Joni catches a red piranha with a free-handling line and hook gear. The piranhas are one of the most consumed fish in Pantanal, in soup and ‘sashimi’. According to the local people, piranha meat has aphrodisiac properties. Joni captura uma piranha-vermelha com um simples equipamento de linha-de-mão e anzol. As piranhas estão entre os peixes mais consumidos no Pantanal, em forma de sopa ou ‘sashimi’. De acordo com o povo local, a carne de piranha possui propriedades afrodisíacas.

However, Brazil’s positive attitude towards non-intervention in the Paraguay-Paraná system was very short-term. Shortly after announcing the cessation of activities related to the waterway project, the Brazilian Government reactivated the dredging operations in the Paraguay River, between Cáceres and Corumbá –Mato Grosso and Mato Grosso do Sul states, respectively –, which impacts were felt by the disturbance in riparian forests in that region due to barge convoys collisions with the riverbanks. Recently, the Brazilian Government reinforced the step towards a busy waterway, which has emitted preliminary licenses for port infrastructure improvements in 2022–2023. In the municipalities of Corumbá and Ladário — where I am based to cover that condition — it is possible to witness daily port operations such as the filling of barge compartments with iron ore and docking of push boats, in addition to the barge trains navigation upstream and downstream.

A atitude positiva do Brasil a caminho de uma não-intervenção no sistema Paraguai-Paraná, no entanto, não durou muito. Pouco após anunciar a paralização de atividades relacionadas ao projeto da Hidrovia, o governo brasileiro reativou as operações de dragagem no Rio Paraguai, entre Cáceres e Corumbá — estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente –, cujos impactos foram sentidos por meio de distúrbios nas florestas ripárias em trechos onde os comboios de barcaças colidiam com as margens. Recentemente, o governo brasileiro reforçou as ações em direção ao estabelecimento de uma movimentada hidrovia, através da emissão em 2022–2023 de licenças preliminares para obras de melhoramentos de infraestruturas portuárias. Nos municípios de Corumbá e Ladário — onde eu me estabeleci para testemunhar essa condição — é possível observar diariamente operações portuárias como o carregamento de compartimentos de barcaças com minério de ferro e a constante chegada e atracagem de rebocadores, além da intensa navegação de comboios rio acima e rio abaixo.

The Paraguay-Paraná Hidrovía is projected to operate commercial transport year-round along 3,440 km of the river system, from Cáceres (Mato Grosso state) to Nueva Palmira (Uruguay) ports. The navigation is already carried out generally using four barges driven by a push boat. Each barge measures about 48 m in length and 12 m in width and requires a minimum depth of 1.8 m for navigation. Currently, the amount of cargo annually transported in the waterway is about 36 million tons, about half of this consisting of grains — mainly soybean — and the other half distributed in ores, fuel, timber, and others. The segment linked to the development of the waterway, however, states that the navigability potential of Paraguay-Paraná is underused, and the cargo transport volume is expected to double in the next two years. This would require intensifying dredging operations, port expansions, and interventions for course strengthening.

A Hidrovia Paraguai-Paraná é projetada para operar o transporte comercial durante todo o ano, ao longo de 3.440 quilômetros do sistema fluvial, entre os portos de Cáceres (Mato Grosso) e Nueva Palmira (Uruguai). A navegação já é realizada usualmente utilizando-se um conjunto de quatro barcaças impulsionadas por um rebocador. Cada barcaça mede cerca de 48 m de comprimento e 12 m de largura, e requer uma profundida mínima (calado) de 1,8 m para uma navegação segura. Atualmente, a quantidade de carga transportada anualmente na Hidrovia é de cerca de 36 milhões de toneladas, metade dessa grandeza constituída por grãos — principalmente soja — e a outra metade distribuída entre minérios, combustível, madeira e outros produtos. O segmento ligado ao desenvolvimento da Hidrovia, no entanto, afirma que o potencial para a navegabilidade no sistema Paraguai-Paraná é subutilizado, e é esperado o dobro do volume de carga a ser transportado nos próximos dois anos. O aumento do volume de transporte, no entanto, requer intensificação nas operações de dragagem, expansões portuárias e intervenções para a retilinização do curso do sistema.

The result of a three-hour fishing easily fits into the polystyrene box. Instead of the expected large-sized catfish, only small-sized piranhas, pacus, threespot leporinus, and characins were captured at that time. O resultado de três horas de pesca coube facilmente na caixa de isopor. Ao invés dos esperados grandes bagres, apenas piranhas e pacus de pequeno porte, piaus-três-listras e lambaris foram capturados dessa vez.

While the political and economic groups interested in the Paraguay-Paraná waterway stand for immediate strategies for the increment in fluvial transport, the sectors linked to environmental conservation have mobilized to point out the impacts of the increased navigation, especially on Pantanal’s flooding dynamics and natural resources. In addition to the already mentioned ‘Hidrovía Panel of Experts’, several other reviews have been published in response to technical documents that have attested to the waterway’s viability. Priorly to the panel publishing, Enrique Bucher and Paul Huszar — researchers from Córdoba and Colorado universities, respectively — published in 1995 a scientific paper discussing impacts such as flooding losses, decrease of biodiversity, marginal riverine erosion and sedimentation, increased urbanization, industrialization, agriculture, and consequent pollution levels, and the expansion of vector-borne diseases including malaria, yellow fever, dengue, leishmaniases, and schistosomiasis. According to Bucher and Huszar, the Hidrovía is unfeasible considering that environmental costs related to dredging, loss of fishery resources, biodiversity in general, and ecotourism, and the spread of tropical diseases, which could very likely surpass the economic gains.

Enquanto grupos políticos e econômicos interessados nas operações da Hidrovia Paraguai-Paraná apoiam estratégias imediatas para o incremento do transporte fluvial, os setores ligados a conservação ambiental têm se mobilizado para apontar os impactos da crescente navegação, especialmente sobre as dinâmicas de alagamento do Pantanal e seus recursos naturais. Além do já mencionado ‘Hidrovía Panel of Experts’, outros estudos e revisões têm sido publicados em resposta aos documentos técnicos que atestaram a viabilidade da Hidrovia. Anteriormente à publicação do ‘Panel’, Enrique Bucher and Paul Huszar — pesquisadores sediados nas universidades de Córdoba e Colorado, respectivamente — publicaram em 1995 um artigo científico discutindo impactos como perda de potencial de alagamento, decréscimo da biodiversidade local, erosão e sedimentação marginal, aumento da urbanização, industrialização, agricultura e consequentes níveis de poluição, e expansão de doenças transmitidas por vetores, tais como malária, febre amarela, dengue, leishmaniose, e esquistossomose. De acordo com Bucher e Huszar, a Hidrovia é inviável considerando-se que os custos ambientas relacionados à dragagem, perda de recursos pesqueiros, perda de biodiversidade, impactos no ecoturismo e propagação de doenças tropicais, em muito superariam os ganhos econômicos.

An extensive technical report was published in 1999 by specialists associated with the World Wildlife Fund/World Wide Fund for Nature (WWF) and collaborators. Such a report deeply analyzed the documents produced by consortiums HBLE and TGCC, both sustaining the feasibility of the Hidrovía project from economic and environmental points of view. Concerning HBLE’s study, the WWF’s report has pointed out several inconsistencies and omission of essential information and possible scenarios, as enumerated: lack of detailed information on the amount of sediment to be dredged and the sites for its discharge; realistic reduction in catches by subsistence, sportive and commercial fishermen — a loss of only 2% was projected –; underestimated dredging costs; increased costs to water treatment downstream to dredged stretches; expansion of soybean large landholders, leading to social impacts on indigenous people considering their lack of property titles on the inhabited lands, with could bring to a forced migration into urban slums and illegal immigration to neighboring countries. When analyzing the TGCC’s study — the Environmental Impact Assessment –, the WWF’s committee detected many conceptual and impact projection errors, and a lack of information, including underestimates of the size area impacted by dredging, declaration of insignificant hydrological changes in hydrological features of Pantanal — water discharge in Paraguay system, flooding balance, and other parameters –; deficient lists of the occurring flora and fauna; poor analysis on impacts on aquatic invertebrate fauna; minimization about the effects in water quality and fisheries; poor information on increased bed erosion due to removal of geomorphological control points. In summary, the WWF’s report concluded that the studies aiming to promote a ‘viability vision’ for the Hidrovía had failed in the presentation of their arguments.

Um extenso relatório técnico foi publicado em 1999 por especialistas associados ao World Wildlife Fund/World Wide Fund for Nature (WWF) — Fundo Mundial para a Vida Selvagem/Fundo Mundial para a Natureza (WWF) — e colaboradores. Esse relatório analisou profundamente os documentos produzidos pelos consórcios HBLE e TGCC, ambos favoráveis à operação da hidrovia, sob os pontos de vista econômico e ambiental. Em relação ao estudo produzido pela HBLE, o relatório da WWF apontou diversas inconsistências e omissão de informações essenciais e possíveis futuros cenários, assim enumerados: falta de informação detalhada sobre a quantidade de sedimento a ser dragado e locais utilizados para seu descarte; redução realística no volume de capturas obtido por pescadores de subsistência, esportivos e comerciais — uma perda de apenas 2% foi projetada –; custos de dragagem subestimados; aumento de custos para o tratamento de água à jusante das áreas de dragagem; expansão de grandes propriedades de cultivo de soja, causando impactos sociais à comunidades indígenas, considerando-se a falta de título de propriedade por parte desses, o que poderia ocasionar em uma migração forçada para áreas vulneráveis urbanas e imigração ilegal para países vizinhos. Quando analisado o estudo da TGCC, o comitê da WWF detectou muitos erros conceituais, projeção de impactos subestimados e omissão de informação, incluindo subestimativas do tamanho das áreas impactadas por dragagem, declaração de mudanças insignificantes em aspectos hidrológicos do Pantanal — descarga no sistema Paraguai, balanço de cheias e outros parâmetros –; listas deficientes de fauna e flora ocorrentes na região; análise superficial sobre os impactos na fauna de invertebrados aquáticos; minimização sobre os efeitos na qualidade da água e pesca; informação deficiente sobre o aumento de erosão da calha fluvial devido à remoção de pontos geomorfológicos de controle. Em resumo, o relatório produzido pela equipe da WWF concluiu que os estudos objetivando promover uma ‘visão de viabilidade’ para a hidrovia falharam na apresentação de seus argumentos.

Among the piranhas occurring in Pantanal, the red piranha (Pygocentrus nattereri) is the one that attains the greatest size. The species lives in groups in river channels and margins. Juveniles seek shelter in beds of aquatic vegetation. Dentre as piranhas ocorrentes no Pantanal, a piranha-vermelha (Pygocentrus nattereri) é a que alcança maior tamanho. A espécie vive em cardumes nas calhas dos rios e margens. Juvenis buscam abrigo em ‘colchões’de vegetação aquática.

Another critical paper dealing with the adverse effects of the Hidrovía was published in 2001 by Johan F. Gottgens — an ecologist based at the University of Toledo, Ohio ­–, who besides reviewing all the supra-mentioned aspects, also presented a parallel between a plausible future scenario of Paraguay-Paraná system and other fluvial systems worldwide where waterways have been implemented. Gottgens cited the Missouri-Mississippi, Everglades-Kissimmee River, Rhine, and Danube rivers as examples of hydrological systems impacted by artificial waterways and in which the related countries are trying at great cost to reverse the impacts of human interventions. The author, however, focused on the river systems associated with Everglades — Florida — and lower Mississippi wetlands –Lousiana –, which have experienced hydrological alterations, loss of wetland areas and consequent capacity of water filtering and storage, decrease of water quality, loss of fisheries, and impacts on colonial waterbirds (breeding sites). The U.S. Congress Research Service, in its 2022 report on ‘Recent Development in Everglades Restoration’, stated that U.S. federal government and the State of Florida together have spent about USD$ 8.8 billion on CERP — Comprehensive Everglades Restoration Plan. Moreover, the entire plan is estimated to cost USD 23.2 billion and will be in progress until 2050. The Everglades, therefore, may fit as a model for a future Pantanal under a scenario of an established waterway.

Outra análise crítica lidando com os efeitos adversos da Hidrovia foi publicado em 2001 por Johan F. Gottgens — ecólogo associado à Universidade de Toledo, Ohio ­–, que além de rever os aspectos supracitados, também apresentou um paralelo entre um plausível futuro cenário do sistema Paraguai-Paraná e outros sistemas fluviais ao redor do mundo onde hidrovias foram implementadas. Gottgens citou sistemas como Missouri-Mississippi, Everglades-Kissimmee, Reno e Danúbio, como exemplos de bacias hidrográficas impactadas por hidroviais artificiais, onde os países envolvidos estão tentando a grandes custos reverter os impactos das intervenções humanas. O autor, no entanto, foca principalmente no sistema fluvial associado aos Everglades — Florida — e área úmidas do baixo Mississippi — Lousiana –, que experimentaram alterações hidrológicas, perda de áreas alagáveis e consequente capacidade de depuração e estoque de água, diminuição da qualidade da água, perda de recursos pesqueiros e impactos em colônias de aves aquáticas (sítios de reprodução). O Serviço de Pesquisa do Congresso dos E.U.A. — U.S. Congress Research Service –, em seu relatório do ano de 2022 sobre os ‘Recentes Avanços na Restauração dos Everglades’ — ‘Recent Development in Everglades Restoration’ –, afirma que o governo federal americano e o Estado da Flórida, já gastaram em conjunto cerca de USD$ 8,8 bilhões com o Plano Abrangente de Restauração dos Everglades — Comprehensive Everglades Restoration Plan (CERP). Além disso, o plano em sua integridade está estimado em USD 23,2 bilhões e estará em progresso até 2050. O Everglades, portanto, pode se encaixar como um modelo para um ‘futuro Pantanal’ em um cenário de hidrovia estabelecida.

The spotted piranha (Serralmus marginatus) adults present solitary habits and mainly inhabit the river channels. The species has a very peculiar diet, feeding on scales and fins of other fish. Os adultos de piranha-pintada (Serralmus marginatus) possuem hábitos solitários e habitam principalmente as calhas dos rios. A espécie apresenta uma dieta bastante peculiar, alimentando-se de escamas e nadadeiras de outros peixes.

Recently, a paper published in the highly regarded periodical Science of the Total Environment produced by Karl M. Wantzen — University of Strasbourg –, and co-authored by 41 other specialists, has synthesized the previous studies addressing the concerns about environmental impacts in Pantanal with the Hidrovía project. Wantzen and colleagues, in a very clear and objective way, stated the “Twelve reasons why the Hidrovia project should not be implemented in the Paraguay River through the Pantanal wetland”, herein briefly related: (1) shortening of floodplain area and period of flooding due to increased river depth by dredging; (2) impacts on biodiversity associated to wetlands, artisanal and tourism fishing; (3) three-month delay in flooding peak, shortening in the period of water retention in floodplains, and increased risk of flood southwards Pantanal (Argentina); (4) decreasing of evapotranspiration and consequent extended droughts, rainfall deficit, extreme heat and increase of fire events; (5) tendency to enlargement of cultivated areas following the floodplain drainage, with increment in the use of pesticides and environmental contamination, including edible fish; (6) disturbances to benthic fauna due to dredged sediment deposition, increased erosion due to barge collisions with riverbanks, straightening of river channel, and removal of marginal rock outcrops; (7) impacts on marginal and wetlands vegetation due to sedimentation in river banks and disruption of communication between the river and the floodplain, impacts on fish reproductive migration — piracema — due to collision with push boats propellers; (8) impacts in indigenous communities and the Pantaneiro way of life; (9) increased road traffic and consequent growth in the number of roadkill native animals — including threatened species — and deterioration of roads, exacerbated expenses with dredging, to become increasingly needed due to river bed siltation; (10) higher probability for the establishment of exotic species to be introduced by foreign vessels; (11) weakening of Brazilian water resources policies and contradictions with already-established protective protocols; (12) opening for non- previously projected actions for the navigation improvement, such as the construction of dams, additional removal of rocky outcrops, and intensification of navigation in Paraguay River tributaries.

Recentemente, um artigo publicado no conceituado periódico Science of the Total Environment, produzido por Karl M. Wantzen — Universidade de Strasbourg — e 41 outros especialistas sintetizou os estudos prévios que abordaram as questões relativas aos impactos ambientais no Pantanal relativos ao projeto da Hidrovia. Wantzen e colaboradores, de forma bem clara e objetiva, estabelecem as ‘doze razões pelas quais o projeto da Hidrovia não pode ser implementado no Rio Paraguai através do Pantanal”, que aqui são brevemente listados: (1) perda de área da planície de alagamento e período de enchentes devido ao aumento de profundidade da calha do rio, ocasionada pelas dragagens; (2) impactos sobre a biodiversidade associada às áreas alagáveis, pesca turística e artesanal; (3) ‘atraso’ de três meses no pico do período de cheias, encurtamento do período de retenção de água nas planícies de alagamento e aumento de risco de enchentes ao sul do Pantanal (Argentina); (4) diminuição da evapotranspiração e consequente extensão dos períodos de seca, déficit pluviométrico, calor extremo e aumento nos eventos de queimadas; (5) tendência para a expansão de áreas cultivadas seguindo-se a drenagem da planície de alagamento, com incremento no uso de pesticidas e contaminação ambiental, incluindo a contaminação de espécies de peixes utilizadas para consumo humano; (6) distúrbios à fauna bentônica em função da deposição do sedimento dragado, aumento na erosão marginal devido à colisão de embarcações nas margens, retilinização do canal fluvial e remoção de afloramentos rochosos marginais; (7) impactos na vegetação ripária e vegetação das áreas alagadas devido à sedimentação da margens e ruptura da comunicação entre o rio e a planície de alagamento, impactos nos movimentos migratórios reprodutivos de peixes — piracema — devido à colisões com hélices de rebocadores; (8) impactos sobre as comunidades indígenas e o ‘modo de vida pantaneiro’; (9) aumento do tráfego em estradas e consequente aumento no número de mortes da fauna silvestre por atropelamento — incluindo-se espécies ameaçadas de extinção –, deterioração de estradas, gastos exacerbados com dragagem cada mais necessária devido ao assoreamento do leito do rio; (10) aumento da probabilidade para o estabelecimento de espécies exóticas a serem introduzidas por embarcações estrangeiras; (11) enfraquecimento das políticas de recursos hídricos no Brasil e contradições com os protocolos protetivos já estabelecidos; (12) abertura para ações de melhoramento de navegação não previamente projetadas, tais como construção de barragens, remoção adicional de afloramentos rochosos, e intensificação da navegação em tributários do Rio Paraguai.

The pacu (Piaractus mesopotamicus) is a member of the piranha’s family (Serrasalmidae), but in contrast with these, its diet is composed of fruits and seeds. The pacu ribs are one of the most consumed fishery products in Pantanal. O pacu (Piaractus mesopotamicus) é um membro da família das piranhas (Serrasalmidae), mas em contraste com essas, sua dieta é composta por frutos e sementes. A costela de pacu é um dos produtos de pescado mais consumidos no Pantanal.

There are plenty of scientifically well-founded arguments for the restraint of the Paraguay-Paraná Hidrovía project, concerning mainly the deep environmental and socioeconomic impacts on the fragile Pantanal biome. The civil society actors favorable to the Hidrovía establishment, in turn, have presented a series of reasons sustaining the “benefits” of the project. One of such reasons is the lower costs and greater agility of fluvial transport when compared to road and rail transports. This aspect is even seen as an “ecological attribute” by investors, considering that less fossil fuel is necessary to transport a determined load in water when compared to terrestrial transport methods. However, increased road traffic from commodities stations to the ports along the waterway has caused a large increase in fossil fuel use and increased wildlife roadkill. The mortality of medium and large-sized mammals due to vehicles collision implies in loss of ecosystem services — and consequent economic losses — considering that many affected species such as the tapir (Tapirus terrestris), the collared peccary (Dicotyles tajacu), the white-lipped peccary (Tayassu peccary), the deers (Subulo goauzoubira, Mazama gr. americana)., and hypocarnivores and mesocarnivores such as the crab-eating fox (Cerdocyon thous), the crab-eating racoon (Procyon cancrivorus), and the coati (Nasua nasua) play important role in seed dispersion, a process essential for regeneration and maintenance of the native arboreal coverage, which in turn act in the sequestration of atmospheric carbon and climate regulation.

Existe um conjunto de argumentos cientificamente bem-fundamentados para a coibição do projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná, levando-se em conta principalmente os profundos impactos ambientais e socioeconômicos sobre o frágil bioma pantaneiro. Os atores sociais favoráveis ao estabelecimento da Hidrovia, por sua vez, vem apresentando uma série de ‘razões’ que sustentam os ‘benefícios’ do projeto. Uma dessas razões seria custos reduzidos e maior agilidade do transporte fluvial quando comparado ao transporte realizado por rodovias e ferrovias. Esse aspecto é visto até mesmo como um ‘atributo ecológicos’ pelos investidores, considerando-se que uma quantidade menor de combustível fóssil é necessária para transportar determinada carga via transporte fluvial em comparação aos métodos de transporte terrestre. Entretanto, o aumento no tráfico nas estradas entre os locais de produção de matérias-primas e os portos fluviais é um fator para o aumento de consumo de combustíveis fósseis e mortalidade da fauna silvestre por atropelamentos. A morte de indivíduos de mamíferos de médio e grande porte devido à colisões com veículos implica em perda de serviços ecossistêmicos — e consequentes perdas econômicas — considerando-se que muitas das espécies afetadas como a anta (Tapirus terrestres), o cateto (Dicotyles tajacu), o queixada (Tayassu pecari), os cervos (Subulo guazoubira e Mazama gr. Americana), além de hipocarnívoros e mesocarnívoros como o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), o mão-pelada (Procyon cancrivorus) e o coati (Nasua nasua) possuem importante papel na dispersão de sementes, um processo essencial para a regeneração e manutenção da cobertura arbórea nativa, que por sua vez atua na captação de carbono atmosférico e regulação climática.

Another idea raised by the Hidrovía supporters is the wide offering of jobs, mainly in port construction, which the local people would absorb. As exposed by Wantzen and colleagues, the reality is that after the ports establishment, a few workers will be needed for its maintenance and operation. It should also be questioned whether local skilled labor is enough to fill the demand because otherwise, people from outside will be hired. Therefore, the social benefits for local people seem not to be a very persuasive factor for the Hidrovía project promotion.

Outra ideia levantada pelos apoiadores da Hidrovia é a grande oferta de empregos, principalmente em construções portuárias, onde trabalhadores locais serão absorvidos. Como exposto por Wantzen e colaboradores, a realidade é que após o estabelecimento das instalações portuárias, poucos trabalhadores serão necessários para sua manutenção e operação. Também é questionável até que ponto trabalhadores locais qualificados seriam suficientes para atender à demanda, pois do contrário, trabalhadores não-locais seriam contratados. Os benefícios sociais para as comunidades locais, portanto, não parecem representar um fator muito persuasivo para a promoção do projeto da Hidrovia.

The treespot leporinus (Leporinus friderici) is very common in Pantanal rivers and floodplains. The species can attain 40 centimeters long and feed on roots, fruits, and invertebrates. O piau-três-pintas (Leporinus friderici) é muito comum nos rios e planície de alagamento do Pantanal. Essa espécie pode atingir até 40 cm de comprimento e se alimenta de raízes, frutos e invertebrados.

Let’s turn back time only four years to glimpse the future. During 2020–2021, the Pantanal was affected by a severe drought, the worst in the last 50 years. That event caused a drastic decrease in water level in the Paraguay-Paraná system, a condition that profoundly affected navigation. In ports of Mato Grosso do Sul — Corumbá, Ladário, and Porto Murtinho –, 50% of the volume of grains and ores to be transported that years did not flow through Paraguay River. Downstream in Paraná River, the situation was equally drastic, forcing barges to stay moored in ports or transport a considerably smaller cargo volume due to vessel draft limitations. This condition had cost millions of dollars in losses for the commodities companies and the entire associated economic network. In Paraná River, the logistics cost was budgeted at USD 250–300 million. The 2020–2021 drought period also coincides with the most tragic wildfire event in Pantanal, which was estimated to have victimized about 17 million vertebrates in the 39,030 square kilometers damaged by fire.

Vamos voltar apenas quatro anos no tempo para podermos vislumbrar o futuro. Durante os anos de 2020 e 2021 o Pantanal foi afetado por uma severa seca, a pior nos últimos 50 anos. Esse evento causou uma drástica diminuição do nível das águas no sistema Paraguai-Paraná, uma condição que afetou profundamente a navegação nesses rios. Em portos do Mato Grosso do Sul — Corumbá, Ladário e Porto Murtinho –, 50% do volume de grãos e minérios a ser transportado naqueles anos não escoou pelo Rio Paraguai. À jusante, no Rio Paraná, a situação foi igualmente drástica, forçando barcaças a permanecer atracadas aos portos ou a transportar um volume de cargas consideravelmente menor devido às limitações à navegação. Essa condição custou milhões de dólares de prejuízo às empresas de commodities e toda a cadeia econômica a elas associada. No Rio Paraná, os custos adicionais de logística foram calculados em USD 250–300 milhões. A seca dos anos 2020–2021 ainda coincidiu com o mais trágico evento de queimadas do Pantanal, quando estimou-se que cerca de 17 milhões de vertebrados foram vitimados em 39.030 km² atingidos pelo fogo.

The piraputanga (Brycon hilarii) realizes upstream migrations during river floods for reproduction. The species occurs in groups of dozens to hundreds of individuals, mainly in vegetated margins of rivers and streams, feeding on invertebrates, fruits, seeds, and flowers. A piraputanga (Brycon hilarii) realiza migrações reprodutivas rio acima durante o período de cheias. A espécie ocorre em cardumes compostos por dúzias a centenas de indivíduos, geralmente em margens vegetadas de rios e córregos, onde se alimenta de invertebrados, frutos, sementes e flores.

A collapsing Pantanal could become a reality if the punctual events of drought and extreme fire grow into day-to-day phenomena. Such fact is not far away with the establishment of Paraguay-Paraná Hidrovía. According to MapBiomas, an observatory devoted to monitoring landscape modifications in Brazilian territory, the Pantanal has lost 29% of its flooding surface between the flood periods of 1988 and 2019, corresponding to a loss rate of almost 1% per year. Following this pattern for the future, Pantanal will turn into an extinct biome in the next 70 years. A report published by the NGO Environmental Justice Foundation in 2022 indicates that 17% of Pantanal’s original vegetal coverage has been removed to give place to pastures and cultivation areas. If the current rate of deforestation continues, the native vegetation of Pantanal — and its ecosystemic functionality — will be wholly depleted until 2050.

Um Pantanal em colapso poderia se tornar realidade se eventos pontuais de seca e incêndios se tornarem um fenômeno do dia-a-dia. Tal condição não está longe de se tornar realidade com o estabelecimento da Hidrovia Paraguai-Paraná. De acordo com o MapBiomas, um observatório dedicado ao monitoramento nas modificações da paisagem no território brasileiro, o Pantanal perdeu 29% de sua superfície de alagamento entre os períodos de cheias de 1988 e 2019, o que corresponde a uma taxa de perda de quase 1% por ano. Seguindo-se esse padrão para o futuro, o Pantanal se tornará um bioma extinto em 70 anos. Um relatório publicado em 2022 pela Organização Não-Governamental (ONG) Environmental Justice Foundation, indica que 17% da cobertura vegetal original do Pantanal foi removida para dar espaço a pastagem e áreas de cultivo. Se essa taxa de desmatamento persistir, a vegetação nativa do Pantanal — e sua funcionalidade ecossistêmica — será completamente depletada até 2050.

Mrs Rosemary peels off and slices a pacu in her fish store. The 78 years old woman raised ten children selling fish from Paraguay River for 54 years in the fish market. She clearly perceives the impacts of barge traffic in the local fishery resources. According to her, large fish are killed by the push boat propellers. Sra. Rosemary descama e fatia um pacu em seu mercado. A mulher de 78 anos criou dez filhos vendendo peixes procedentes do Rio Paraguai por 54 anos. Ela claramente percebe os impactos do tráfego de balsas sobre os recursos pesqueiros. Segundo Sra. Rosemary, grandes peixes são mortos pelas hélices dos motores dos rebocadores.

The fact is that barges convoys are trafficked daily in the Paraguay River. During my kayaking excursions in river stretches located at Corumbá and Ladário, I often came across convoys generally composed of six barges — three parallel pairs — and a push boat. This about 180 m length colossus greatly contrasts with the wooden and aluminum boats of the artisanal fishermen. The great part of the push boats exhibit Paraguay flags, so I keep wondering from my cockpit how many days that convoy would take to reach its destination navigating so slowly for miles and miles downstream. The slow navigation seems calm and somewhat ludic. Still, I can closely feel the water whirlpool immediately after the push boats and mentally visualize the disturbance caused to the river bed. How many collisions with fish and other aquatic and semiaquatic animals, how many disruptions of vegetation floating beds — locally known as ‘camalotes’, and which act as ‘fish nurseries’ and resting/feeding sites for many species such as caimans, giant otters, and many bird species –, and how many collision with river banks covered by riparian forests would occur during that apparently ‘quiet’ journey?

A realidade é que comboios de barcaças estão navegando diariamente no Rio Paraguai. Durante minhas excursões nos trechos do rio localizados nos municípios de Corumbá e Ladário, frequentemente cruzo com comboios geralmente formados por seis barcaças — três pares paralelos — e um rebocador. Esse colosso de cerca de 180 m de comprimento contrasta enormemente com os barcos de madeira e alumínio utilizados pelos pescadores artesanais. Grande parte dos rebocadores exibem bandeiras paraguaias; então, do meu cockpit, imagino quantos dias aquele comboio irá levar para chegar a seu destino navegando tão vagarosamente por milhas e milhas rio abaixo. Essa navegação lenta parece calma e até certo ponto lúdica. No entanto, eu posso sentir de perto as ondulações geradas imediatamente à sua passagem, e mentalmente visualizar o distúrbio causado no leito do rio. Quantas colisões com peixes e outros organismos aquáticos e semiaquáticos, quantas rupturas de ‘colchões’ de vegetação flutuante — localmente conhecidas como ‘camalotes’, e que atuam como ‘bercários de peixes’ e locais de repouso e alimentação para diversas espécies como jacarés, ariranhas e aves aquáticas –, e quantas colisões com as margens do rio cobertas por vegetação ciliar ocorrerão durante aquela jornada aparentemente tranquila?

A barred sorubim (Pseudoplatystoma fasciatum) weighing eight kilos is exposed for sale in Mrs Rosemary fish store. She says that sorubins, even larger, used to be captured in the Paraguay River just in front of her store. Now, large-sized fish are caught only in more distant river stretches, which aggregates costs for transport. Um cachara (Pseudoplatystoma fasciatum) pesando oito quilos é exposto para venda no mercado de pescados de Sra. Rosemary. Ela me conta que cacharas e pintados ainda maiores eram capturados no Rio Paraguai em frente a seu mercado. Agora, peixes de grande porte são pescados somente em trechos mais distantes do rio, o que agrega custos para o transporte.

The barge traffic in the Paraguay River already impacts the environment and the people’s way of life in Pantanal of Mato do Grosso do Sul. Mr Lourival told me that large-sized catfish such as the spotted sorubim, the barred sorubim, large pacus, dorados, and other fish that attain greater sizes — and greater interest for commercial and subsistence fisheries — are no longer caught as easily in the river sites where this used to happen. Now, the 61-year-old men must row longer distances for better sites to fish, and even so, the results are often not as expected, as I witnessed. Mrs Rosemary, 78 years old, from which 54 has been dedicated to her fish market at the margin of the Paraguay River at Corumbá, has raised ten children selling fish from the Paraguay River. According to Mrs Rosemary, the fish commercialized in her market — mainly large sorubim and pacus — before the intensification of barges traffic was caught “right there”, referring to the river stretch and a small bay just in front of her store. Now, the fish Mrs Rosemary sells is brought by intermediaries and fishermen from longer distances, implying additional costs for her and the final consumers. When I was talking to her, a man came by car to deliver her some pacus, which were immediately peeled and cut into slices. Years ago, the fish would be delivered directly from a fisherman’s boat tied up on the river bank a few meters from the market. Mrs Rosemary was emphatic in telling me that the propellers of push boats kill large fish, contributing to the decrement in the products coveted by her customers.

O tráfego de barcaças no Rio Paraguai já causa impactos ao meio ambiente e ao modo de vida das pessoas no Pantanal do Mato do Grosso do Sul. Sr. Lourival certa vez revelou que grandes pintados, cacharas, pacus, dourados e outros peixes que alcançam grande porte — e são mais visados para a pesca de subsistência e comercial — não são mais pescados tão facilmente como ocorria em um passado não muito distante. Agora, o homem de 61 anos tem que remar distâncias cada vez maiores para encontrar melhores locais para a pesca, e ainda assim, os resultados não são o esperado, conforme eu mesmo testemunhei. Sra. Rosemary, 78 anos, dos quais 54 foram dedicados ao seu mercado de peixes às nas margens do Rio Paraguai em Corumbá, criou 10 filhos vendendo pescado local. De acordo com Sra. Rosemary, o peixe comercializado em seu mercado — principalmente pintados, cacharas e pacus — anteriormente à intensificação do tráfego de barcaças, eram pescados ‘logo ali’, referindo-se a um trecho do rio e uma pequena baía em frente a seu mercado. Agora, o peixe vendido por Sra. Rosemary é trazido de distâncias maiores por pescadores e atravessadores, o que implica em maiores custos para ela e para o consumidor final. Ao conversar com Sra. Rosemary, um homem — possivelmente um atravessador — chegou de carro e entregou a ela alguns pacus, que foram imediatamente descamados e cortados em postas. Anos atrás, o peixe seria entregue diretamente do barco de um pescador, atracado às margens do rio à poucos metros do mercado. Sra. Rosemary foi enfática ao expor-me que as hélices dos rebocadores colidem e matam peixes grandes, contribuindo para o declínio dos produtos cobiçados por seus consumidores.

An individual of globally threatened tapir (Tapirus terrestris) roadkilled in highway BR-262, intensively used for transport of ores from mines to ports in Paraguay River. The expansion of mining activity and waterway transport of ores has caused an increase in roadkill impacts on the wildlife of Brazilian Pantanal. Um indivíduo de anta (Tapirus terrestris) — espécie considerada ameaçada de extinção à nível global — morto por atropelamento na BR-262, rodovia intensamente utilizada para o transporte de minérios aos portos do Rio Paraguai. A expansão da atividade mineradora e transporte fluvial de minérios tem causado um aumento do impacto de atropelamentos da fauna silvestre no Pantanal brasileiro.

When rowing along the western margin, I often go through a stretch where barges remain “parked”, waiting for the loading with ore in the port of Ladário located on the opposite margin, or just waiting for the departure after loading. When barges had left, the margin stretch used as a “parking lot” was exposed as a river bank with completely depleted riparian vegetation across a considerable band of marginal land up to the inner densification of herbaceous-shrubby palustrine vegetation. The river marginal zone also lacks floating vegetation, except for small fragments of camalotes transported by currents. Still, these are quickly destroyed with the anchoring of the next barges. In contrast with the adjacent stretches of vegetated margins, no waterbirds and caimans are in the barge “parking lot.” I supposed that fish, semiaquatic mammals, and reptiles also avoid these areas due to the constant disturbance. The vegetated marginal areas are nesting sites of many species of waterbirds and the yacare caiman (Caiman yacare), beyond constituting hunting/fishing places for endangered carnivorans such as the giant otter (Pteronura brasiliensis) and the jaguar (Panthera onca). When considered together, it is assumed that “barge parking lots” scattered along the Paraguay River may be causing a considerable impact in Pantanal wildlife.

Quando remando pela margem oeste, eu geralmente passo por um trecho onde as barcaças permanecem ‘estacionadas’, aguardando para serem carregadas com minérios no porto de Ladário, localizado na margem oposta, ou ainda aguardando o momento da partida após o carregamento. Quando as barcaças partem, os trechos de margem utilizados como ‘estacionamento’ ficam expostos como barrancos completamente desprovidos de vegetação ripária por uma considerável faixa marginal até o limite de adensamento da vegetação palustre herbáceo-arbustiva. A zona marginal também é desprovida de vegetação flutuante, exceto por alguns fragmentos de camalotes transportados pela correnteza. Ainda, esses são rapidamente destruídos com a chegada e ancoragem de outras barcaças. Em contraste com segmentos adjacentes de margens vegetadas, não ocorrem jacarés e aves aquáticas nos trechos utilizados como ‘estacionamentos’. Suponho que peixes, mamíferos e répteis semiaquáticos também evitem essas áreas devido ao constante distúrbio. As zonas marginais vegetadas são locais de nidificação de muitas espécies de aves aquáticas e do jacaré-do-Pantanal (Cayman yacare), além de constituir locais de caça/pesca utilizados por carnívoros ameaçados como a ariranha (Pteronura brasiliensis) e a onça-pintada (Panthera onca). Quando considerados em conjunto, é presumível que ‘os estacionamentos de barcaças’ causem um considerável impacto sobre a vida silvestre no Pantanal.

The most evident impact generated by the fluvial transport in the Paraguay River and the associated ‘web of conflicts’ can be felt in the district of Porto Esperança, Corumbá. There, the mining company Vale — the one responsible for the worldwide reverberated dam disaster of Brumadinho, Minas Gerais state — moved large loads of ore through the Paraguay River through its port facilities until the selling of the company’s local patrimony in 2022. Vale had promised many structural improvements for the about 130 residents at Porto Esperança. However, the company only brought the ore dust, which caused respiratory diseases in adults and children. To make things even worse, another mining company — Mtransminas, with headquarters in Minas Gerais state — has been established in the region and requested a license to construct its own port on a large local farm. The economic interest in Porto Esperança has triggered territorial conflicts to the point that residents of the century-old community were threatened to abandon their land to give the companies a place. The Porto Esperança district stands out in the ‘Map of Conflicts — Environmental Injustice and Health in Brazil’, promoted by the renowned research institute Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O mais evidente impacto causado pelo transporte fluvial no Rio Paraguai e a ‘rede de conflitos’ a ele associada pode ser sentida no Distrito de Porto Esperança, Corumbá. Ali, a companhia mineradora Vale — a mesma responsável pelo notório acidente da barragem em Brumadinho, estado de Minas Gerais — movimentou grandes cargas de minérios através do Rio Paraguai por meio de suas próprias instalações portuárias até a venda do patrimônio local da empresa em 2022. A Vale prometeu muitas melhorias estruturais para cerca dos 130 residentes de Porto Esperança. No entanto, a empresa trouxe apenas a poeira de minério, que causou doenças respiratórias em adultos e crianças. Para tornar as coisas ainda piores, outra companhia mineradora — Mtransminas, com sede no estado de Minas Gerais — se estabeleceu na região e requisitou uma licença para construir seu próprio porto em uma fazenda local. O interesse econômico em Porto Esperança desencadeou conflitos territoriais ao ponto de residentes da comunidade centenária serem ameaçados de deixar suas terras para ceder espaço aos empreendedores. O Distrito de Porto Esperança destaca-se no ‘Mapa de Conflitos — Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil’, promovido pelo renomado instituto de pesquisas Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

The yacare caiman (Caiman yacare) is a typical species of Pantanal. The species nests in vegetated margins and beds of aquatic plants in rivers, channels, and floodplains. In stretches of Paraguay Rivers with constant traffic and anchorage of barges, the vegetal coverage is highly disturbed, which implies reduced spatial resources for the species’ nesting, feeding, and thermoregulation. O jacaré-do-Pantanal (Caiman yacare) é uma espécie típica da região pantaneira. A espécie nidifica em margens vegetadas e ‘colchões’ de vegetação aquática de rios, canais e planície de alagamento. Essa vegetação é fragmentada em trechos do Rio Paraguai com constante tráfego e ancoragem de barcaças, o que implica em redução de recursos espaciais utilizados pelo jacaré para a nidificação e termorregulação.

It seems that the barge of the Hidrovía project is navigating at full steam in the Paraguay-Paraná system. A crafty strategy found by the entrepreneurs is to obtain individual environmental licenses for each port to be constructed so that the entire waterway project becomes “diluted” in “isolated projects”. In the Pantanal domain, licenses for the expansion of Porto Esperança and Cáceres port complexes were conceded this year. This trend could, in a few years, sign the death sentence of Pantanal. The Paraguay River in February 2024 also presented water levels markedly below the levels expected for that period. So, what can we do? Is there a way out for both Pantanal and the economic ‘development’? The answer is undoubtedly “Yes”. According to Dr Wantzen and collaborators, an integrated and well-planned web of railroads and highways can compensate for all the transport made — and to be made — by water and should be applied to prevent the irreversible impacts on the Paraguay River and Pantanal.

Parece que a barcaça do projeto da Hidrovia está navegando a todo vapor no sistema Paraguai-Paraná. Uma estratégia astuciosa encontrada pelos empreendedores é a obtenção de licenças ambientais individuais para cada porto a ser construído, de forma que o projeto da Hidrovia se torne ‘diluído’ em ‘projetos isolados’. No domínio do Pantanal, licenças para a expansão dos complexos portuários de Porto Esperança e Cáceres foram concedidas em 2023. Essa tendência pode em alguns anos assinar a sentença de morte do Pantanal. Em fevereiro de 2024, o Rio Paraguai apresentou ainda níveis muito abaixo dos níveis esperados para esse período. Então, o que nós podemos fazer? Existe uma saída para ambos o Pantanal e o ‘desenvolvimento’ econômico? A resposta é um indubitável ‘Sim’. De acordo com Dr Wantzen e colaboradores, uma bem-planejada e integrada rede de ferrovias e estradas pode compensar todo o transporte feito — e a ser feito — pela Hidrovia, e esse deve ser colocado em prática para evitar danos irreversíveis ao Rio Paraguai e ao Pantanal.

A small group of people and their economic interests can’t seal the fate of Pantanal. The Pantanal is for Mr Lourival and Mrs Rosemary. The Pantanal is for indigenous people and Pantaneiros. The Pantanal is for all humankind and the thousands of species that live there. The death of Pantanal would undoubtedly leave an irreplaceable void on Earth.

Um pequeno grupo de pessoas e seus interesses econômicos não podem selar o destino do Pantanal. O Pantanal é para Sr. Lourival e Sra. Rosemary. O Pantanal é para os povos indígenas e os pantaneiros. O Pantanal é para toda a humanidade e as milhares de espécies que ali vivem. A morte do pantanal certamente deixaria um vácuo insubstituível na Terra.

A couple of jabirus (Jabiru mycteria), the symbol bird of Pantanal, feed in the herbaceous-shrubby floodplain. The trend for decreased floodplain extension and duration of flooding periods due to Paraguay River human interventions of dredging and removal of outcrop barriers represent an adverse condition for the species, which feeds exclusively on aquatic animals in the shallow wetlands. Um casal de tuiuiús (Jabiru mycteria), ave símbolo do Pantanal, alimenta-se na planície de alagamento herbáceo-arbustiva. A tendência para a redução de extensão de planície de alagamento e a duração dos períodos de cheias devido a intervenções humanas de dragagens e remoção de pontos naturais de controle de vazão no Rio Paraguai representam condições adversas para a espécie, que alimenta-se exclusivamente de animais aquáticos nas zonas rasas alagadas.

--

--

Fernando Marques Quintela
Landscape, Society & Culture

Zoologist, ecologist, conservationist, photographer, and passionate writer. Instagram: @fernandotaxamundi