Fontes são como montanhas

Como que ao entender hierarquia tipográfica você fará seus leitores lerem seus zines até o final (e gostarem!)

Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun
4 min readSep 6, 2019

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2019 está sendo um ano frutífero para a cena independente de RPGs no Brasil, graças a Deus. Todos os dias eu vejo novos panfletos e zines entrando no catálogo do dungeonist. Muitas histórias criativas e novos criadores se aventurando pelo mundo do faça-você-mesmo. Apesar desses bons sinais, um dos equívocos mais comuns que vejo nos zines é no que diz respeito à hierarquia tipográfica.

Hiera…o que?!

As palavras têm pesos visuais. Você provavelmente já está acostumado com o Regular e o Bold (também conhecido como negrito por essa bandas). Esses são dois pesos visuais comuns. Em uma condição normal nós usaríamos a fonte em negrito para os títulos, enquanto a fonte regular para o texto corrido. Se por um experimento tentarmos inverter essa relação, notaremos que alguma coisa parece fora de lugar. Os títulos não marcam o começo tão bem quanto se estivessem em negrito e o texto, por sua vez, parece pesado demais. Olhe o exemplo abaixo: a coluna da direita parece mais harmônica visualmente do que a coluna da esquerda. As fontes são as mesmas e estão todas no mesmo tamanho. A única diferença é que na coluna da direita o texto corrido está com o peso Regular e na da esquerda com o peso Bold.

Além desses dois pesos visuais existem alguns outros mais leves (Light, Thin e Hairline), intermediários (Medium e Semibold) e mais pesados (Extrabold e Black). Nem todas as fontes vêm com toda essa gama de pesos visuais, mas com as melhores e mais bem feitas fontes sempre há um leque generoso.

A hierarquia tipográfica é resposta a um princípio do design que diz que onde houver contraste ele tem que ser perceptível, igual nesse negrito aqui. Se o contraste for fraco, ele pode dar a impressão de ser um erro de impressão/software e o pior: ele certamente confundirá o olhar do seu leitor sobre pra que direção ele deve ir. Isso gera frustração na experiência de usuário do seu leitor e faz ele reagir ao seu zine com um terrível “pra um zine até que é legal”.

Fontes são como montanhas

Para te ensinar sobre fontes eu decidi trazer um quadro do Nicholas Roerich para ficar mais didático. Vai ficar fácil, confia em mim.

Note a cor do céu no quadro acima. Amarelado, certo? Agora perceba algumas coisas:

  1. As montanhas atrás do homem são as que estão mais perto de nós, expectadores dessa cena. Elas são de um vermelho bem escuro e isso faz com que elas tenham um contraste alto com o céu amarelado. Nosso olhar vai primeiro para elas.
  2. As montanhas à esquerda da cena estão em segundo plano, atrás das do ponto anterior. Elas já são uma mistura de vermelhos e amarelos. E parte se conectam com o céu, em parte com a terra. Elas têm médio-contraste em relação ao céu.
  3. As montanhas lá atrás têm mais amarelo do que vermelho, de forma que quase se mesclam com o céu amarelado e por isso tem baixo contraste. Elas são o último detalhe que nosso olhos vê.

Você consegue perceber que quanto maior o contraste com o fundo, mais a sensação de que um objeto está próximo de nós? Isso faz com que ele chame a atenção do nosso olhar primeiro. Saber medir os contrastes faz com que seu zine fique mais lógico e amigável em termos de experiência de usuário. Seus leitores não ficarão mais confusos e isso dará aquele toque de profissionalismo para seu objeto editorial.

Talvez você esteja fazendo um excelente zine péssimo de ler.

As fontes funcionam do mesmo jeito que as montanhas do quadro do Roerich. Aqueles pesos tipográficos que apresentam mais contraste com o fundo/papel são vistos primeiro como montes próximos do leitor. Em seguida seu olhar se dirige a montanhas/pesos tipográficos em segundo plano, mas que ainda requerem atenção (textos corridos, fontes Regular). Por último, seu olhar vai para as montanhas/pesos tipográficos mais longínquos e que quase se mesclam ao fundo (notas de rodapé, fontes Light)

Leiturabilidade não é bem se perguntar se o texto é legível. Tem mais a ver com se perguntar se o texto dá vontade de ler. Quando você não deixa claro para onde o olhar do seu leitor deve ir primeiro, você gera essa confusão e cansaço de ler. O leitor nunca vai saber te explicar o que lhe incomoda. Ele apenas vai deixar de comprar, ou pior, comprar pela amizade. Evite esse constrangimento e estude o design dos seus zines.

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Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun

Designer, escritor, amante de terror e ficção científica, cristão