Sobre a pesquisa que antecede uma história

Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun
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3 min readApr 7, 2020
Floresta de pedras, Marcus Larson, 19??

Um dos erros que cometi quando tentei ser escritor pela primeira vez (em 2012) foi escrever sem planejamento. Eu tinha uma ideia na cabeça e simplesmente ia escrevendo para ver o que seria criado on-the-fly. Talvez para alguns escritores esse seja o melhor jeito de criar, mas não para mim. Minha estratégia de improviso criativo me retribuiu com uma grande frustração após 60 páginas de manuscrito. Eu olhava para para o texto e apenas pensava “eu não pagaria por isso”. Dez anos depois e eu mudei radicalmente minha estratégia.

Hoje 50% do tempo de desenvolvimento do conto é apenas de pesquisa e anotações. Eu sei, eu sei. Às vezes a ansiedade de colocar a ideia no papel é tamanha que a gente quer escrever logo, mas eu realmente recomendo respirar fundo e se dar o presente de alguns dias de pesquisa. Assim que eu comecei a incluir a pesquisa no processo criativo eu aprendi três lições.

Lição 1

A pesquisa esclarece como as emoções chegarão (ou não) aos leitores

Quando a gente decide escrever geralmente temos uma ideia cinematográfica de algumas cenas hipotéticas que se encaixarão dentro daquela história. Um romance proibido, uma cena de ação ou um final trágico, por exemplo. Ter essas cenas na cabeça nos dá a falsa impressão de que sabemos como contar a nossa história. A pesquisa põe à prova a originalidade e criatividade dessas ideias. Minha experiência é a de descartar grande parte delas durante essa fase.

Lição 2

A pesquisa revela caminhos inesperados e criativos que dificilmente você teria antes

Eu não sou o louco do controle que precisa saber cada segundo da minha história antes de começar a contá-la… mas eu gosto de ter uma ideia do que acontece no começo, no meio e no fim. Mesmo tendo alguma facilidade com os começos, é comum eu mudar meu plano original após alguns dias de pesquisas e leituras. Vou usar como exemplo meu conto Remarca.

Eu tinha apenas o conceito dele: Um futuro onde todas as pessoas do mundo têm pelo menos um canal de TV próprio.

Durante a pesquisa eu comecei a ler sobre a influência negativa da cultura de digital influencers. Isso me levou a artigos científicos sobre a relação entre heavy users do Instagram e alcolismo. Logo depois cheguei a uma matéria sobre pais que são agentes de seus filhos influencers crianças (com 6 a 8 anos). Isso me deu a ideia para a cena no auditório. Um outro artigo sobre a pasteurização das influencers de moda me deu a história de Chan-Mi que vai até as últimas consequências por seu público. A ideia de usar simbolismo cristão com citações e obras de arte veio a reboque quando decidi que seria uma história sobre renascimento de Andrea Husk. Tudo isso surgiu durante a pesquisa. Eu jamais teria essas ideias do nada.

Lição 3

O medo de começar some na pesquisa

Essa foi a maior lição que tive. O medo que temos de começar uma história nova se deve, em grande parte, a não fazermos ideia se ela será boa e original o suficiente para agradar alguém. A melhor maneira de ter ideias originais é não depender da bagagem que você já tem. Ao adquirir novos conhecimentos você é tirado de uma zona de conforto e é forçado a pensar se essas novas ideias poderiam se encaixar com as suas antigas. A cada leitura a história vai ganhando um corpo que te surpreende não apenas como escritor, mas principalmente como leitor. Você começa a querer ler a sua própria história porque percebe que ela se tornou maior do que você.

Eu já li algumas vezes autores dizendo que a única maneira de aprender a escrever histórias é escrevendo histórias. Honestamente eu discordo disso. Conquanto a escrita nos ajude a exercitar nossas ideias, sem um método não temos como medir nosso progresso como escritores. Não existe um segredo para o bom livro ou para boas histórias, mas ter um método pode te aproximar delas. Mais do que isso, você começa a conseguir medir o tempo que o processo leva e o quanto de lacunas narrativas se sente confortável em deixar para a “hora do vamo ver”.

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Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun

Designer, escritor, amante de terror e ficção científica, cristão