Sobre se tornar um escritor durante a distopia de uma quarentena

Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun
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2 min readApr 4, 2020
“Arranha-céus e Túneis”, Fortunato Depero, 1930

Quando o ano começou eu pensei que seria o ano de colocar em prática antigos sonhos. Talvez publicar minhas próprias histórias não fosse tão difícil assim, afinal. A Amazon estava lá facilitando tudo para os independentes e eu tinha algumas ideias na cabeça. Verdade seja dita, essa não seria a primeira tentativa. Há dez anos eu tentei escrever algo, mas falhei miseravelmente após 60 páginas de manuscrito. Mesmo à época eu tinha a percepção de que minha escrita era imatura, minhas ideias eram ingênuas, eu tinha vivido muito pouco. Ao longo dos anos fui deixando a escrita de lado por estar sempre ocupado demais (e em parte por não acreditar em mim mesmo). 2020 seria diferente. Eu faria o que estivesse a meu alcance para publicar minhas histórias. Começaria com um conto, uma ficção científica com pitadas de distopia.

E então veio o Coronavírus.

Como escrever uma distopia em meio a uma distopia? O que pode ser mais crível do que o que estamos vivendo neste ano? Essas perguntas todas se passaram na minha cabeça enquanto escrevia meu conto Remarca. A quarentena começou quando eu já estava no último capítulo da história e pôs à prova minha percepção sobre o que eu escrevia. Por um lado me parecia fútil escrever ficção científica ou até mesmo investir em hobbies durante o período mais duro da nossa geração. O mundo estava preocupado em não perder os empregos ou morrer de fome. Quem iria ler minhas histórias, afinal?

Por outro lado, naquele momento meu conto parecia ser mais urgente do que antes. Diante de um mundo que ruía no Jornal Nacional, a ficção era um dos poucos refúgios que nos permitia sair de casa na segurança dos nossos sofás. A quarentena havia encontrado um solo fértil não apenas para a minha imaginação, mas para a esperança insistente dos leitores de ficção científica. Sob a responsabilidade de tornar esse período que vivemos um pouco menos terrível eu terminei meu conto. A sensação de escrever “Fim” foi maravilhosa.

Da janela do meu apartamento tudo o que consigo ver é o mesmo prédio, as mesmas pessoas, os mesmos sons e os mesmos carros todos os dias. Após três semanas de quarentena, contudo, as cores começam a revelar novas camadas e o céu parece querer me mostrar algo além de suas caravelas. O que antes era apenas concreto e tédio aos poucos vai se tornando uma nova pintura. Um quadro que é pintado sob o prisma da imaginação de cada leitor. Diante disso que decidi escrever.

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Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun

Designer, escritor, amante de terror e ficção científica, cristão