Porão
Olha pra fora
A vida é um lugar estranho.
Nós fugimos de filas para entrar em festas, e apressamos o passo para ganhar troféus.
Nosso porão é repleto de vazios empoeirados, pedaços de uma fuga fácil da sala lá em cima.
Somos formigas carregando pedras, finos fios de quase-morte. Apertamos mãos e compramos cremes para o rosto. Tudo enquanto a TV grita por atenção, chorando dentes de outras almas que se corroem.
A vida é, sim, um lugar hostil.
E eu nem vou falar de mortes em assaltos, batida de carro ou piano jogado pela janela.
O que me assusta são os olhares.
O jeito que o trocador me olha.
A cara que o pipoqueiro faz pra mim quando digo que não quero doce.
Os olhos frios dos que passam pela rua…
A rua…
A rua écomo o coliseu. É um monte de gente esperando a queda para aplaudir. Mas eu já estou no chão, e fiz daqui meu lar. Você até pode me chutar, abrindo a boca em gargalhada. Mas eu gargalho de volta enquanto o sangue escorre. Pois a dor é benção nessa vida veloz.
E pressa é algo que me falta. Por isso fique à vontade. Seremos bons amigos no fim, dividindo janta e plantando jardim. Pois a vida… a vida é um lugar sujo. E a sujeira se traduz em mim.
Estamos em um canto torto da existência, e pensamos em ciência, cálculos e exploração da mente humana. Mas devemos é olhar para fora, espiar pelo buraco da fechadura.
Você vê? Tem mais vida lá no quintal.
E, se você não tiver a chave, procura lá no porão.
ANOMIA (Meu podcast)
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