Vindo de uma origem humilde e superando dificuldades, enquanto encontra o seu poder e o utiliza para abrir caminho a outras pessoas

Thaisa Fernandes
Latinx no Poder
Published in
23 min readJan 9, 2021

Baseado no episódio com Valerie Villarreal 🇲🇽

Bem-vindx ao Latinx in Power, um blog e podcast que irá compartilhar histórias de líderes Latinxs incríveis ao redor do mundo, apresentado por Thaisa Fernandes.

Eu estou muito honrada em ter Valerie Villarreal conosco hoje. Valerie é uma Gerente de Produtos que tem trabalhado nas maiores plataformas sociais do nosso tempo — Instagram, Facebook, Snapchat. Sua primeira função na área de produtos começou como estagiária na Amazon, em 2011 — onde ela adquiriu seu gosto por construção e desenvolvimento de produtos, numa proporção de milhões (e bilhões) de usuários globais.

Valerie entrou na área de produtos com um formação não-tradicional e não-técnica, começando sua carreira em consultoria de gestão na McKinsey and Company, onde ela aconselhava executivos, como primeiro emprego após a faculdade. Ela fez um MBA e se tornou bacharel em Ciência Política, em Stanford. Valerie é uma Latinx in Power, porque ela é bem sucedida no papel, mas mais importante, porque ela tem trabalhado para encontrar sua voz autêntica em espaços nos quais ela era apenas uma das poucas, a única ou não sentia que pertencia a esses locais.

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Onde a sua história de vida começa?

Com meus pais. Meu pai imigrou para os Estados Unidos do México, junto com nove irmãos. Ele veio de uma cidade viária, morou em uma pequena casa no leste de Los Angeles. Ele conheceu minha mãe, e os dois viveram uma vida de classe trabalhadora, de pagamento a pagamento, a realidade de ser uma trabalhadora pobre. Eu lembro de, quando criança, ter consciência da sobrevivência e pobreza, desde que eu tinha cinco ou seis anos.

Eu lembro do conceito de aluguel e contar os dólares na carteira da minha mãe, ver se nós teríamos dinheiro o suficiente e ajudá-la a escrever cartas para famílias para pedir dinheiro. Eu costumava comer sanduíches só com mostarda e sem carne, eu tinha almoço gratuito na escola e sofria um pouco de bullying por isso. Eu tive uma educação difícil.

Nós morávamos em um apartamento pequeno, era perto de uma rodovia muito movimentada, e eu lembro que havia tantos carros dirigindo tão rapidamente que as pessoas eram atropeladas em frente à minha casa, era muito traumático. Eu não conseguia brincar fora de casa quando criança, então cresci com fome, com vergonha, estressada e eu odiava esses sentimentos. Mas esse também foi um dos maiores presentes de uma formação difícil, porque me deu um intenso impulso para escapar daquela realidade e vencer.

O ponto importante foi quando eu tinha 10 anos, e comecei a vender coisas para ganhar dinheiro nos encontros de trocas. Eu costumava levar maquiagem antiga da minha mãe para vender. A primeira vez que ganhei 100 dólares, quando tinha 10 anos, eu pensei que era muito poderosa. Isso foi como a catapulta para eu ser capaz de dizer que eu tinha ganho poder. Então, eu poderia fazer algo para minha família e talvez para minha comunidade, isso me guiou para dar saltos de entrar para a educação e tecnologia para que eu pudesse romper a minha realidade.

Onde você encontrou sua voz?

Meus pais não me ensinaram a me manifestar, na verdade, eles viviam com medo. Eu lembro de ter cinco anos de idade e entender que meu pai não era totalmente um cidadão americano. Ele não estava em uma posição de defender seus direitos neste país, e continua a não estar hoje em dia, ainda que ele seja um cidadão americano.

Minha mãe faleceu, mas ela trabalhava por muitas horas, fazia horas extras, trabalhava durante os finais de semana, e não era paga por esse tempo extra, o que é ilegal, mas meus pais tinham medo de exigir seus direitos do seus empregadores ou da sociedade realmente. Eu era o oposto apenas porque eu queria ser diferente deles. Eu acho que todos nós queremos ser diferentes de nossos pais de alguma forma.

Eu lembro de encontrar minha voz, de fato, durante a educação religiosa. Os ensinamentos de algumas coisas que as freiras nos contavam simplesmente não pareciam sentido. Por que um casal gay/lésbico não pode se casar? Por que uma mulher não pode ser padre, embora as freiras fizessem todo o trabalho? Eu fazia essas perguntas e, em algum nível, eu não estava sendo totalmente respeitosa, mas quanto mais elas recuavam, mais afundo eu ia.

Eu aprendi a me posicionar, especialmente no ensino médio. Eu fiquei motivada a concorrer para presidente, e consegui por três anos. Esse foi como o primeiro terreno fértil no qual aprendi como ter uma visão, juntar pessoas e tentar romper o status quo para que as pessoas oprimidas não ficassem em silêncio. Eu acho que é um serviço social. Não é como se nós apenas estivéssemos tentando tornar isso melhor para nós mesmos, mas acho que se tem um grupo de pessoas em silêncio, nós estamos perdendo as ideias dessas pessoas, as riquezas delas, então é uma vergonha para todos, se todos não tem a mesma voz.

O que significa ser uma Latina para você?

Ser uma Latina é uma parte importante da minha identidade, mas não é tudo. Eu cresci em uma comunidade predominantemente mexicana-americana, com a maioria das crianças do ensino médio sendo a primeira geração americana como eu. Falamos, na maioria das vezes, em inglês na escola, porque nossos pais eram imigrantes, nós não conhecíamos nossa identidade. Então, eu fui para a faculdade. Na faculdade, eu comecei a ter uma identidade real pela primeira vez. Quando eu fui para Stanford, que era predominantemente branca e bem internacional, foi quando tive uma forte sensação de que aquelas pessoas eram diferentes de mim. Quem sou eu? Isso aconteceu até eu encontrar as pessoas que eram de uma geração similar à minha, de origem Latina, que eu realmente me apeguei à minha identidade, porque eu precisava saber onde eu me encaixava.

Eu encontrei uma comunidade chicana em Stanford, que é como um grupo de estudantes Latinxs, chamado Match Up, mas foi em um grupo ativista chicano onde encontrei meu primeiro sentido de ser uma chicana naquela época, que é como me identifico. Esse é um termo para mexicano-americanos que cresceram no sudoeste, é um termo um pouco regional. E claro que a identidade Latina tem evoluído, e eu respeito todas as contribuições das pessoas Latinxs na sociedade. Agora, claro, eu reconheço a importância da Shakira, J Lo e todas as outras mulheres dedicadas à causa, mas eu também tenho uma identidade como mãe, como esposa, como uma progressista, como uma yogi, e amante de gatos.

Existem tantos rótulos diferentes, mas eu acho que, falando sobre tecnologia, para mim, ser uma Latina significa ser sincera, dedicada, trabalhadora, mas muitas vezes subestimada. Eu acho que Arlen Hamilton, a fundadora do Backstage Capital, escreveu um livro sobre quão subvalorizadas mulheres afrodescendentes são em relação a capital de risco. Enquanto deplorável 0.2% do financiamento de capital de risco vai para mulheres pretas, mero 0.4% é destinado para mulheres Latinx. Uma vez eu fiz um pitch de uma startup para conseguir o financiamento, eu consegui uma tração, mas eles realmente queriam me pagar um salário baixo. Eu não podia me permitir isso, porque eu queria ter uma família, então eu não queria ter chegado tão longe para viver na miséria novamente e passar por uma escassez financeira.

Existem muitas barreiras para ter sucesso com financiadores, apoiadores de Latinxs, mas também ser Latina significa não ser bem representada na área da tecnologia. Nós temos menos que 1 ou 2% de posições técnicas ou de liderança na nossa indústria. Isso é um problema, sabe. Outra coisa é sobre ser mal paga e compensada. Enquanto uma mulher nos Estados Unidos ganha, em média, 80 centavos de dólar comparado com 1 dólar de um homem, esse número cai para 61 centavos para mulheres pretas e 53 centavos de dólar para Latinas. Então uma Latina tem que trabalhar o dobro de horas para ser remunerada da mesma maneira que seu colega homem-branco. Eu acho que, infelizmente, essa é a história Latina hoje, e isso não pode ser assim daqui para frente.

Você já trabalhou em muitas grandes empresas no Vale do Silício como Amazon, Snapchat, Facebook e Instagram. Como você assumiu o papel de gerente de produtos? Esse sempre foi o trabalho dos seus sonhos?

Esse não era meu trabalho dos sonhos, eu não tinha ideia do que isso era, porque eu não tive nenhuma exposição a isso. Você só conhece o que você vê, e eu não conhecia ninguém da área de tecnologia. Eu estava em Stanford quando as maiores empresas estavam nos contratando, mas eu não conhecia ninguém na area da ciência da computação. Como eu teria sabido que essa posição existia? Foi só depois de uma década.

Durante a faculdade, meu sonho era, na verdade, entrar para a política, como você pode perceber. Eu sempre quis ser uma defensora, eu escrevi minha monografia da faculdade sobre ciência crítica e diversidade corporativa. Eu defendia ideias no campus, então consegui estágios em Washington, trabalhando para um senador americano e trabalhando para ONGs.

Eu vi que aquelas pessoas que estavam trabalhando com política ou ativismo estavam ou quebradas ou morando com os pais. Eu não poderia me permitir isso também, porque naquela época eu estava mandando dinheiro para minha mãe para ajudá-la a pagar o aluguel. Semanalmente, ou mensalmente, ela me ligava e nós tentávamos negociar quanto de dinheiro eu conseguia dar ou emprestar a ela. Era uma situação difícil, então eu tive que ganhar dinheiro desde o primeiro dia na faculdade.

Eu comecei a focar em como eu poderia aumentar meu potencial de ganhos, de volta àquela garotinha que costumava vender maquiagem. Eu não conhecia ninguém nesse negócio, mas eu me envolvi num clube universitário de negócios. Eu me sentia intimidada, era a única Latina, mas me forcei a participar desses eventos de recrutamento corporativo que eram famosos no campus.

Eu tive sorte, estava em Stanford, todos queriam contratar naquela época, o que não é necessariamente a mesma coisa nesse momento. Eu fui para todos aqueles eventos, meus amigos Latinxs zombavam de mim — isso era difícil, porque eles falavam como, “você vai ser uma vendida, você não está ajudando a comunidade”. Você precisa colocar a máscara de oxigênio primeiro em você, para tomar conta de si senão você não consegue ajudar ninguém mais. Eu precisava me ajudar, e ajudar a minha família, então não podia me culpar por isso, “eu vou entrar para os negócios”.

Eu acabei fazendo parte da empresa de consultoria mais exclusiva na McKinsey, parcialmente porque eu fui rejeitada pelos outros, mas isso foi um bom treinamento para entrar na McKinsey. Eu me preparei duramente para aparar as arestas dessa pessoa de 21 anos saída diretamente da faculdade para entrar nesse ambiente corporativo refinado, no qual você está trabalhando com executivos. Eu realmente gostei daquilo. Era uma exposição ótima, eu tive que aprender sobre modelos de negócios, finanças e estratégias, marketing, organização e design. Todas essas coisas foram como um campo de treinamento dos negócios.

Eu finalmente encontrei a função de gerente de produtos. Eu acho que é porque agente foca no que pode ser um problema para o usuário, qual é o problema do cliente, e trabalhamos com todos que possuem as habilidades para construir uma solução. A ponte entre engenheiros, cientistas de dados e designers para fazer o produto tomar vida. Existem muitos pontos em ser uma Latina que realmente combinam comigo sendo uma gerente de produtos. Uma coisa é ter empatia e paixão pelos usuários, como a comunidade Latinx é bem orientada, eles pensam sobre as dores do usuário, qual é a experiência, como um sistema fracassa e como nós o melhoramos.

Solucionar problemas, pensar em sistemas, como movemos as peças de xadrez para que consigamos avançar restrições objetivas e subjetivas? Isso é o que uma gerente de produtos e o que Latinxs fazem de melhor, além da garra e da batalha. Eu quero dizer que ninguém consegue fazer as coisas como imigrantes. Nós temos a adversidade e a resiliência nas veias para tornar um “não” em um “sim” e fazer algo acontecer mesmo com as adversidades, mirar na lua.

Foi assim que eu entrei para a área de produtos. Eu especificamente foco em um tipo de produto chamado crescimento, que é como você consegue adquirir novos usuários, como conseguir fazer com que eles façam o download do seu app, como mantê-los, como fazer eles continuarem dando valor ao app repetidamente. É fácil lançar um app, fazer com que as pessoas façam download, mas é muito difícil fazer elas continuarem usando aquele aplicativo. Isso requer encontrar o que a indústria pede, o que a indústria espera de um produto que se encaixe no mercado. Como você vai encontrar o ponto problemático e apontar a solução certa, que continua adicionando valor ao longo do tempo?

Poucos produtos alcançam essa marca. Eu tive sorte de ser capaz de trabalhar e aprender com as plataformas que tem esse encaixe no mercado de produtos, ajudar a dimensioná-las um nível acima — tanto na expansão para novos mercados internacionais, quanto para novas demografias — e engajar com novos elementos, que continuarão adicionando valor ao produto. Essa é minha profissão e minha jornada.

Eu acho que ser uma Latina sub-representada me dá o superpoder da empatia para me conectar com os usuários que se sentem isolados, se sentem excluídos, sentem que eles não vão conseguir, ou que o produto não os alcança. Eu amo tentar ajudar todos a sentirem que o produto foi criado para eles. Esse é o meu desejo, e é, de fato, o que todas as empresas querem — personalização. Eu tenho a habilidade de ver as entrelinhas, antecipar onde o usuário está, e aí trabalhar com meu time para tentar chegar o mais próximo possível dessa expectativa e superá-la.

Nós sabemos que a cultura inova a partir das bordas da sociedade, cultura inova a partir da cultura jovem, imigrantes a partir de culturas imigrantes e inovação a partir de pessoas que estão fora da caixa central. Eu amo ver nossos produtos sendo usados por pessoas reais do mundo nas ruas. Eu lembro quando estava trabalhando para o Snapchat nas novas lentes, algumas pessoas chamam de filtros de rosto. Aquele do vômito de arco-íris era tão famoso, eu via as crianças na rua usando, eu fiquei tão empolgada. Eu gostava de ir ao bar e de literalmente abordar estranhos enquanto estava esperando meu drink e dizer, “você já testou as lentes do Snapchat?”. Eu fazia eles fazerem o download e testar para ver o prazer em seus rostos, eu era muito dedicada a isso.

Ao mesmo tempo, algo onipresente de ser uma Latina na tecnologia é que muitas vezes trabalhamos com um time amplamente dominado por engenheiros homens. É sobre expor e vender suas ideias para uma maioria de executivos homens brancos para financiar ou dar suporte a sua ideia. Às vezes, isso parece uma batalha só para me defender, defender minhas ideias e apenas fazer o meu trabalho, mas também é emocionante ser a única dos poucos que são representados. Se eu não estiver lá, quem vai estar lá para fazer as perguntas difíceis? É isso que eu sinto que é o meu chamado.

Qual é a sua parte favorita sobre essas experiências que você teve na área de tecnologia?

Eu acho que é convocar o usuário que saiu, o usuário que os outros não pensaram sobre, porque todo mundo está focado no poder do usuário de hoje, mas eu estou pensando sobre o poder do usuário de amanhã. Eu sinto que tenho uma capacidade especial de me conectar com eles e descobrir o que está fazendo com que eles não sejam incluídos no nosso serviço. Acho que o que eu espero fazer nos próximos anos é realmente integrar o pensamento inclusivo como parte do desenvolvimento. Nós não estamos totalmente lá ainda. Mas é uma boa prática que quero construir.

Eu li seu artigo sobre Inclusão e Diversidade que você postou no LinkedIn. Você escreveu que até as empresas que são terríveis em diversidade ainda podem ter gerentes e colegas inclusivos.

Primeiramente, vamos dividir essa área, porque tem muita conversa e hype sobre diversidade e inclusão. Eu apenas quero explicar isso de uma maneira concreta, sem enrolação. Para mim, diversidade é você pensar em um gráfico de pizza — quem está representado na empresa, quantos de seus engenheiros são diversos, quantos do seu time são diversos e quantos líderes são diversos? A segunda parte é a inclusão. Todas essas pessoas que estão nesse gráfico de pizza, quantas delas sentem que pertencem? Elas estão tendo suporte? Elas são mantidas? Elas continuam trabalhando na mesma empresa?

Nós falamos sobre curva de retenção. Qual é a taxa de rotatividade de empregados diversos na indústria? Ou eles vão embora? E, finalmente, tem equidade, todos falam sobre equidade — o que isso significa para mim? Isso significa ser paga uma quantia justa? Isso é sobre estar se nivelando justamente? Você é recompensada competitivamente e você é avaliada de forma justa, sem preconceito? Esses são os três componentes de inclusão diversa e equidade que eu gostaria de ter como contexto básico para uma conversa.

Você falou sobre inclusão e diversidade como sendo um trabalho de todos da empresa, não apenas dos gerentes e dos comitês de diversidade. Você pode compartilhar conosco seus pensamentos sobre o que as pessoas podem fazer para ajudar a criar um ambiente mais inclusivo?

Esse conceito que eu citei no Medium, “mentalidade inclusiva” é uma brincadeira com “mentalidade de crescimento” (grow mindset), que é uma pesquisa da Carol Dweck, de Stanford. É muito popular e hype, hoje em dia todo mundo tem uma mentalidade de crescimento. Suas capacidades não são inatas, você tem que se reinventar para mostrar sua força, construir novas alternativas através da perseverança e tornar isso uma prática. Eu acho que inclusão é a mesma coisa, inclusão não é inata, ninguém necessariamente nasce capaz de entender os outros e chegar lá.

Similarmente a como isso aconteceu na minha vida, porque eu não tive realmente um gerente ou um líder sênior na minha empresa que compartilhava uma identidade Latina comigo, mas existiam algumas pessoas que me ajudavam a me nivelar. Eu lembro que no meu primeiro emprego tinha um parceiro sênior na McKinsey, ele era muito tradicional, um cara branco e mais velho que, só de olhar sua foto no site da empresa, você esperaria que ele fosse um executivo. Na minha primeira avaliação de performance, ele disse “Valerie, você é muito diferente de todos daqui, mas você poderia ser uma parceira nessa firma. Você seria incrível, porque seus clientes te adoram e você seria ótima no desenvolvimento de negócios”. Isso foi um estímulo para minha confiança. Eu sou uma pessoa baixa e me senti um pouco mais alta naquele dia. Essa foi uma mentalidade inclusiva.

Também tem meu professor da graduação, que estava em uma das primeiras aulas da faculdade. Eu estava super intimidada, porque eu era a primeira geração, eu tinha frequentado uma escola não tão boa e estava cercada dessas outras pessoas de cursinhos sofisticados. Eu sentia que minhas redações não eram tão boas quanto as delas. Ele percebeu isso e encontrou tempo para me dar umas aulas extras, para me dar um feedback e me validar. Eu precisava daquilo, ele me deu seu tempo e isso era ter uma mentalidade inclusiva.

Finalmente, outro exemplo de como você pode ser inclusiva, seja qual for a cultura da empresa. Eu estava em uma empresa diferente, na qual a cultura era bruta para mulheres, ainda mais para Latinas. Tinha um colega, um cara branco na verdade, ele viu que nas reuniões eu era, às vezes, ignorada, mas ele tirou um tempo para me ouvir, então eventualmente defendeu meu trabalho, quando meu gerente não fez isso.

Todos eles eram homens brancos aliados, eles eram muito poderosos em suas micro ações. Para mim, é sobre aliados aparecerem e fazerem pequenas ações e minimizarem as micro agressões. Esse é o tipo de espírito que eu quero evangelizar.

Um exemplo são pessoas que são realmente inseguras e desajeitadas ao falar sobre diversidade e inclusão. Eu tive um colega de time que era muito atencioso, poderoso e influente sobre muitos projetos e quando eu trazia algumas dessas ideias e propostas, ele congelava. Ele tinha tanto medo, ele ficava petrificado e não ajudava em nada com a organização. Reivindicar que nós vivemos em uma sociedade daltônica na qual todos somos iguais e não existem problemas é um pouco de estado de negação, não é útil. Claro, nós não precisamos falar sobre todas as micro agressões ou coisas difíceis que surgem, se não temos um espaço seguro para falar sobre isso.

Tem alguma citação segundo a qual você vive?

O mantra que eu estou inventando é “não pergunte de onde você é, na verdade”. Em vez disso, pergunte “onde você está indo?”. Eu carrego uma grande quantidade de privilégios, eu tenho educação, eu tenho uma pele Latina clara, eu sou miscigenada, mas logo que alguém vê meu sobrenome, ou eles me ouvem falar diferente, com sotaque, ao menos um quarto ou metade do tempo no Vale do Silício, e na maioria das vezes todos os lugares que eu vou, eu sou perguntada “de onde você é, realmente?”. Eu digo: “Eu sou de LA e foi onde eu cresci”. E eles falam: “Não, não, não pode ser, sério, de onde você é?”. E eu respondo: “Eu sou americana, eu tenho os documentos e posso te mostrar”.

Essa pergunta é um gatilho para minhas inseguranças profundamente de volta para quando eu era uma garota de cinco anos de idade preocupada com o status de cidadão do meu pai. Há uma afirmação implícita de que a origem da minha família é o elemento mais marcante da minha identidade. É importante, é minha história, mas é muito da minha bagagem que está retribuindo as pessoas, está provando elas também. Eu acho que o ideal, ao invés de perguntar “de onde você é?” ou assumir que você é diferente, é perguntar “onde você está indo?”. Eu acho que é uma pergunta um pouco mais unificadora, é uma pergunta progressista, é uma pergunta de oportunidade, é sobre qual é sua visão. “Onde você está indo” é muito mais aberto. Uma pergunta esclarecedora versus uma que é acidentalmente um gatilho.

Alguém do seu LinkedIn mencionou que você faz as coisas acontecerem e eu acho que isso é uma qualidade incrível de se ter. Qual recomendação você daria para alguém que quer ter essa mentalidade ou ser mais produtiva?

Eu acho isso super importante, porque existem tão poucos de nós e porque nós realmente temos que nos provar, existe uma expectativa implícita de que nós precisamos ser melhores do que nossos tradicionais semelhantes. As percepções estão empilhadas contra nós — a percepção que eu ouvi de colegas ou na faculdade, “você só chegou aqui, porque você é Latina, por conta de cotas”. E isso me dá uma força a mais para provar constantemente que eu estou agregando valor.

Fazer as coisas acontecerem é sobre me certificar de que a minha avaliação de desempenho ou meu histórico de resultados são incontestáveis. Se existe algum preconceito no sistema, eu posso me defender. Eu lembro de me preparar para as avaliações de desempenho quando eu estava no começo da carreira. Eu tinha resumos do impacto, conquista de crescimento, métricas de marcos, ganhos, todas essas coisas. Eu acho que, sem elas, eu sentiria que não teria nenhuma armadura para me defender.

É muito importante para qualquer uma de vocês, Latinxs, que quer ganhar influência e ser respeitada, manter uma anotação constante do que você alcançou ultimamente, o que você está alcançando essa semana, esse mês, esse semestre. Eu não defino meu valor pessoal através desses feitos profissionais, mas eu acho que isso define meu valor comercial, isso define meu ganho financeiro, e como provedora da minha família, isso importa.

Nós não temos a capacidade de apenas esperar que sejamos adoradas e recompensadas por isso. Também é importante ter em mente que você pode ter espaço e momento, um período de tempo que você pode relaxar, não apenas pensar em fazer as coisas acontecerem. Existem muitos momentos esmagadores desde muito cedo, trabalhar para ganhar dinheiro desde que eu tinha 10 anos, houve momentos de esgotamento. Você não consegue ser boa para o mundo se não for com você mesma.

Há muitos filósofos, professores espirituais e pesquisadores que mostram que você precisa de momentos de quietude, de silêncio e inércia, de tédio, de descanso, de ocasional inatividade, de se desconectar, a fim de ter criatividade, eficiência, saúde mental e produtividade. Eu não quero ser uma dessas pessoas que romantizam a produtividade.

Qual foi o seu momento de maior orgulho, pessoalmente ou profissionalmente?

Eu acho que é um bom balanço do que nós estávamos falando sobre o que importa na vida. O orgulho vem não com o que eu alcancei, mas o que eu superei. Eu lembro de ter sobrevivido a um estágio de pré-câncer assustador quando eu era adolescente, eu lidei com uma difícil infertilidade, que é algo sobre o qual nós não falamos muito na nossa comunidade. Foi bem difícil, mas com bastante sacrifício e perseverança, eventualmente eu fui capaz de me tornar mãe e essa é a minha maior conquista. Nosso filho hoje tem dois anos, é um garoto forte. Demos a ele o nome de Benito, em homenagem ao primeiro presidente do México, que era um pobre estrangeiro indígena, e o grande imperador asteca. Meu filho é nosso orgulho e felicidade e o que importa na minha vida.

Eu sobrevivi a muitos desafios de saúde mental, como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático, por crescer em um ambiente difícil de imigrantes, mas ainda assim é um tabu na nossa cultura falar sobre essas coisas. É como se fosse, “reze sobre isso, mas não fale sobre isso, não procure ajuda profissional, não tome medicamentos, não faça yoga”. Existem muitos tabus não saudáveis sobre saúde mental na comunidade Latinx. Eu tenho aprendido muito sobre meditação, curas holísticas espirituais, para que eu me sinta plena novamente. Eu estou de fato muito orgulhosa de não ter medo de falar sobre isso e, com sorte, espero ajudar mais pessoas a se sentirem bem e a se abrirem e pedirem ajuda.

Quais dicas você compartilharia com outros Latinxs ao redor do mundo, especialmente a primeira geração de imigrantes?

Algumas coisas nós não sabemos, nós não vemos, e ninguém nos deu um guia de aprendizagem. Muitos de nós, infelizmente, alguns de nós, sim, mas muitos não crescemos ao redor de pessoas de negócios, ao redor de tecnólogos, de profissionais. Essas são algumas dicas que eu aprendi com minha experiência e eu espero repassar isso. Primeiro, não importa o que você esteja tentando fazer na sua carreira profissional ou educacional, você precisa entender sobre tomada de decisão, as regras do jogo. Eu digo isso quase como um jogo de xadrez.

Se você quer conseguir um emprego ou se você quer ir adiante ou se você quer ser aceita em um programa, entenda quem está decidindo, quem pode ser aquele aliado e patrocinador que pode te ajudar a mover as peças de xadrez para você, porque você pode apenas ser um peão e eu me senti dessa maneira muitas vezes. Você precisa de um cavaleiro ou um bispo para te ajudar a se defender.

Em segundo lugar, é dar e receber capital político. Isso se aplica no ambiente de trabalho, nas relações ou em qualquer lugar, na verdade, mas você precisa querer ter um balanço correto no quadro e agregar valor. O dar e receber ao usar o capital para coisas que você quer alcançar. Quando eu entro em um novo trabalho, eu tenho interesse em ter alguns progressos rápidos. Mostrar que eu posso alcançar os objetivos do negócio, e quando chega o momento de me manifestar e defender as coisas como inclusão ou coisas que eu sinto que são pessoalmente importantes, eu tenho algum poder de impulsionar. Se eu for longe demais nesse espectro, eu tenho que voltar para trás em dobro nos objetivos de negócios, são como fichas em um cassino.

A última parte é também sobre dinheiro e, focando em dinheiro, existe muito tabu sobre falar de dinheiro, se você for uma mulher, se você é uma pessoa de cor. A vida é sobre amor, sobre família, e dinheiro também é importante. Falando sobre compensação e quais são seus objetivos, estou falando isso com seu gerente e seus times, tentando entender “estou sendo paga justamente?”. Existem muitos sites que ajudam com isso também. Um é chamado LevelFYI, que fornece como uma escala de remuneração, para que você tenha algumas informações ao falar sobre dinheiro. Sabendo onde você vai chegar, se você não tem uma rede de segurança, você tem que pensar sobre quando precisa se aposentar. Quanto de dinheiro eu preciso para aposentar e como trabalhar tendo isso como perspectiva. É como uma educação financeira que vai nos prevenir de não ter que trabalhar até o fim dos 70 anos. Essas são as coisas que ninguém me ensinou, mas nas quais estou começando a focar só agora, com 35 anos.

Você fala com frequência sobre militar dentro da área de tecnologia, e também sobre sobreviver ao trauma da experiência do imigrante, racismo e pobreza nos Estados Unidos. Como você vê o contraste de criar uma criança no privilegiado Vale do Silício?

Eu penso sobre isso o tempo todo. Nós estamos em Palo Alto agora, vivendo em uma casa que tem um jardim. Antes da pandemia, eu tive uma visão e sorte de ter comprado para ele um balanço, um trampolim, um mini aro de basquete, um conjunto de futebol, uma grande biblioteca de livros e todas essas coisas, nada do que eu tive quando criança. Eu lembro de ter uma bola que eu costumava chutar contra a parede e foi assim que eu passei minha juventude.

Criar uma criança que será mais privilegiada do que nós fomos um dia. Ele é novo, tem apenas dois anos de idade, mas assim que ele ficar mais velho, um sábio professor espiritual me disse um dia, “não reze por uma vida fácil, reze por força e resiliência para sua criança”. Eu acho que isso está certo, eu não quero necessariamente ser uma mãe tigre que fala, “okay, você precisa ir para Stanford como eu, você precisa ter notas boas, você precisa aprender a programar e estudar matemática com quatro anos de idade”. Eu me vejo como o que eu chamo de mãe leoa. Para mim, a habilidade de caçar, a habilidade de ter orgulho, a habilidade de ser agressiva e lutar com outros para sobreviver. Como agora em 2020, a geração que terá imensos desafios, que ninguém sabe como resolver, as mudanças climáticas, ruptura econômica, comportamentos migratórios, conflitos sociais, débitos públicos — existem tantas coisas. Eu quero que minha criança seja um sobrevivente, eu não quero uma criança que é apenas um vencedor.

Eu quero terminar esse episódio, primeiramente te agradecendo. E eu também quero finalizar com gentileza. Quão importante é para você ser uma influência positiva para seus stakeholders e time:

Eu vou admitir que algumas vezes eu falhei nisso, em algum nível. Antes eu falava sobre o que funciona, e não é que eu seja uma pessoa ruim, mas eu acho que especialmente com a pandemia, e trabalhando em casa, às vezes nós não temos paciência e queremos ser eficientes, muito complacentes. Esse é o projeto a ser feito. Você está trabalhando nisso e meio que não sendo orientada pelo relacionamento com a sua equipe, apenas sendo eficiente. Especialmente com a conversa de trabalho no começo da pandemia, eu estava mais dependente de ser orientada por tarefas.

Eu acho que agora nós precisamos ser o oposto, porque tem muita coisa acontecendo entre incêndios, não ter qualidade de ar, não ser capaz de tomar conta de nós mesmas e ver nossa família e amigos. Também é difícil. Para mim, o que gentileza significa é ter interesse no que é mais importante para aquela pessoa, e estar presente nisso. Mesmo que você não possa necessariamente fazer algo sobre isso, eu tento ter mais conversas relacionadas com o que é importante para você neste momento. É ser promovida? É se sentir menos solitária? É encontrar um sentido? É estar mais próxima da sua família? É ter um animal de estimação? É encontrar paz?

Eu acho que gentileza é uma curiosidade em outras pessoas pelo que elas são, e apenas estar lá por elas. 2020 tem nos ensinado que a vida é curta, então nós devemos nos perguntar o que importa e dizer uns aos outros o que nós podemos fazer para trabalhar em direção a isso como se não houvesse amanhã. Eu vou finalizar esse pensamento com o fato de termos aprendido muito com o movimento do Black Lives Matter esse ano e sobre confrontar o status quo, os racistas de nossa comunidade, ouvindo nossas vozes afro-latinas, conhecendo o desafio único do preconceito e do dano contra nossos amigos pretos, estando lá para eles.

Nós ainda estamos entrando no mês da Herança Latina Hispânica, que é uma época em que pessoas e empresas tentam organizar essas festas de salsa e mexer em mixers, mas o mais importante é falar sobre os problemas reais, de onde nós somos como uma comunidade, o que nós estamos fazendo agora, mesmo com a COVID, com o dano econômico, com a equidade e, também, o vasto potencial que as comunidades Latino, Latina e Latinx proporcionam em relação ao futuro da população em crescimento, a população mais jovem e com maior poder econômico. Eu acho que isso é algo a ser celebrado e conscientizado.

Espero que você tenha gostado desse podcast. Nós teremos mais entrevistas com líderes Latinxs incríveis toda primeira terça-feira do mês. Confira o nosso site Latinx in Power para saber mais. Não se esqueça de compartilhar comentários e feedback, mas sempre com gentileza. Nos vemos em breve.

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Thaisa Fernandes
Latinx no Poder

Program Management & Product Management | Podcast Host | Co-Author | PSPO, PMP, PSM Certified 🌈🌱