Menos burocracia e mais inovação: como a MP 881 afeta o futuro das startups

André Catta Preta Federighi
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6 min readMay 16, 2019

As startups são cada vez mais importantes no mercado de trabalho, gerando riquezas e empregos. Porém, a infraestrutura jurídica não acompanhou a evolução do mercado, gerando um sistema enormemente burocrático e ultrapassado. Entenda como a MP 881/2019 visa corrigir essas falhas, combatendo legislações que impeçam a inovação.

  1. A Medida Provisória, seu contexto histórico e objetivos

A Medida Provisória 881/2019 foi editada em um cenário de enorme instabilidade econômica, marcada pelo alto desemprego, burocracia e estagnação econômica. O Brasil se encontra entre os países com menor liberdade econômica do mundo, sendo o 150º de 180 integrantes da lista elaborada pela Heritage Foundation e 144º de 162 integrantes da lista elaborada pelo Fraser Institute.

Nesse contexto, foi editada a referida medida provisória objetivando-se devolver o mercado efetivamente à iniciativa privada (consagrando o princípio do artigo 170 da Constituição), por meio da desburocratização e simplificação de procedimentos visando incentivar negócios de baixo risco.

A medida, capitaneada por Paulo Uebel, secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, e Geanluca Lorenzon, Diretor Federal de Desburocratização na Ministério da Economia, espera ter impacto direto na criação de empregos em curto (dois meses) e médio (um ano) prazo.

2. A Estrutura da MP 881/2019:

A MP é estruturada em três partes principais. A primeira dela é parte dos princípios norteadores (art. 2º) e da Declaração de Direitos da Liberdade Econômica (art. 3º).

Neste ponto, podemos destacar que todos os aspectos desta Medida Provisória são voltados a consagrar a Livre Iniciativa como fundamento da Ordem Econômica (artigo 170, caput, da Constituição), bem como a seus princípios norteadores da propriedade privada (art. 170, II, da Constituição) e da livre concorrência (art. 170, IV, da Constituição).

Os princípios elencados pelo artigo 2º são o perfeito corolário da liberdade de iniciativa do caput do artigo 170 e já mostram qual orientação será seguida no resto do diploma legal. Mais para frente será feita uma análise mais criteriosa a respeito dos direitos elencados.

A segunda parte da MP trata das garantias da livre iniciativa (art. 4º), que são as vedações ao exercício do poder de regulamentação pela administração pública; e da análise de impacto regulatório, que será o procedimento que deverá ser realizado antes da expedição de “atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados” (art. 5º, caput).

A referida análise será um estudo contendo informações a respeito do impacto econômico e dos seus possíveis efeitos, que terá por objetivo evitar que atos legislativos com efeitos colaterais danosos sejam editados. Isso vai ao encontro ao artigo 4º VI, da MP, que proíbe o aumento de custos de transação sem demonstração de benefícios.

A terceira parte da MP, que vai do artigo 6º ao 18º, trata de revogar, alterar ou acrescentar artigos a Códigos e Leis. As alterações tratam de vários temas, incluindo desconsideração da personalidade jurídica, interpretação contratual, facilitação de atos de registro para empreendedores e digitalização de documentos. Todas estas medidas são ajustes pontuais que podem ser muito importantes para a agenda microeconômica do país.

3. O Impacto da MP sobre as Startups:

Feita uma breve apresentação da estrutura da MP, algumas considerações devem ser feitas respeito de seu impacto direto no desenvolvimento do empreendedorismo e das startups.

A MP tem um claro viés liberal de incentivo às atividades econômicas privadas, com o intuito de facilitar a geração de riqueza e de emprego. Nesse aspecto, foi identificado por Uebel e Lorenzon que as atividades realizadas por pequenos empresários ou empreendedores em estágio inicial deveriam ser menos dificultadas, haja vista o robusto crescimento do número de startups no Brasil nos últimos anos.

Assim, os pontos que mais se destacam no incentivo às atividades de startups são:

- Fim de autorização prévia para atividades econômicas de baixo risco (Art. 3, I):
As atividades de baixo risco (conceito que deverá ser definido por decreto do Presidente da República ou por ato do Comitê Gestor da Rede Nacional de Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios) não necessitarão de quaisquer atos públicos de liberação. Na prática, isso facilitará o funcionamento de pequenas empresas que operam em propriedade particular e de terceiros.

- Preços de produtos e serviços livremente definidos pelo mercado (Art. 3º, III):
Com a MP, caso surja um novo player no mercado que, em razão de um modelo de negócios inovador, pratique preços menores que o de mercado, presumir-se-á que estes não são predatórios, uma vez que a liberdade de precificação de produtos e serviços é agora um Direito Fundamental de Liberdade Econômica.

Trata-se de uma garantia fundamental, já que, como Feigelson, Nybø e Fonseca colocam, o perfil inovador, designado pela “ruptura da dinâmica ou práticas de mercado” [1], é a marca da característica disruptiva das startups.

- Afastar efeito de normas infralegais desatualizadas (Art. 3º, VI):
A MP cria uma hipótese de sustação dos efeitos de regulamentação desatualizada, a partir de pedido do empresário interessado. O procedimento ainda precisa ser regulamentado por decreto.

Pode-se dizer que é uma interessante e pioneira medida para garantir modelos de negócio realizados em condições de extrema incerteza (concepção de Eric Ries em sua obra “A startup enxuta”), como aqueles praticados pelas Startups.

Uma vez que o modelo de negócio ainda precisa ser validado pelo mercado, será altamente provável que a sua realização se dê de maneira contrária à regulamentação, o que por si só não deve significar que deva ser impedido de ser desenvolvido.

- Imunidade burocrática para inovar (Art. 3º, VII):
Trata-se de mais uma iniciativa que visa garantir as inovações, desta vez retirando eventuais entraves burocráticos para que se possa realizar os testes em produtos inovadores. Como muitas startups trabalham com o conceito de Produto Mínimo Viável (MVP), que são normalmente rudimentares e simples, é essencial que se possa testar para “[…] verificar se realmente existe demanda e para manter os custos iniciais da startup baixos” [1].

- Abuso de Poder regulatório (Art. 4º, Caput):
A vedação ao abuso de poder regulatório é algo essencial em mercados ainda incipientes, nos quais o modelo de negócio ainda não tenha sido devidamente regulado pelo Poder Público. Tomemos por exemplo o caso do serviço de transportes realizado por meio de aplicativos, que em 2017 por pouco não foi regulamentado pelo Projeto de Lei Complementar (PLC) 28/2017.

O autor do PLC 28/17, o deputado Carlos Zarattini, colocou em seu site oficial que suas intenções com o projeto de lei eram de “barrar atuação do uber e proteger taxistas”. Tal iniciativa não seria possível atualmente, com a vedação ao abuso de poder regulatório, de forma que afrontaria os incisos I (criar reserva de mercado, em prejuízo dos demais concorrentes), II (redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores no mercado), IV (exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado), V (redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios) e VI (aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios) do artigo 4º da medida provisória.

4. Conclusão:
A MP 881/2019 foi uma interessante e ambiciosa iniciativa no sentido de se facilitar o desenvolvimento de atividades econômicas por pequenos e médios empresários. A sua atuação tenderá a reduzir a burocracia e insegurança jurídica, estimular as inovações e evitar regulamentações que concentrem o mercado.

Trata-se de uma medida extremamente necessária e que possivelmente trará muitos ganhos em termos de geração de riquezas e emprego. E este é apenas um primeiro e pequeno passo na direção da desburocratização das relações negociais do Brasil. Na visão do economista Marcos Lisboa, há que se realizar toda uma mudança no arcabouço institucional brasileiro, o que envolve rever legislação municipal e estadual.

Portanto, tendo em vista que a sinalização à MP foi positiva, resta aguardar de maneira otimista as próximas medidas a serem tomadas pelo Poder Público para facilitar o desenvolvimento das startups, uma vez que ainda há um longo caminho pela frente.

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