O futuro (se existir) é agora? Inquietações entre o cyber e o bio.

Guilherme Oliveira
LAVINT
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4 min readOct 31, 2019

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Dan Brown, em A Origem, põe em interface de uma só vez dois dilemas que intrigam a humanidade: “de onde viemos e para onde estamos indo? ”. Assim como a gama de questões que emergem desses questionamentos, este texto suscita tantas perguntas quanto possíveis. Na verdade, não busca respostas, podendo causar um certo estranhamento de início, mas ao final esperando que as inquietações daqui se transformem em mais perguntas daí.

Pois bem, o rumo da humanidade sempre foi objeto de imaginação, colocado ainda mais em xeque diante da degradação ambiental e do aquecimento global que acometem nosso planeta. Nesse sentido, o cinema — enquanto arte, arte essa que funciona como antevisão e termômetro da sociedade — tem nos abastecido há um certo tempo com uma gama de vislumbres de futuros, variando entre imaginários utópicos e distópicos, através das mais variadas narrativas, ilustradas, por exemplo, desde o anime Evangelion até os hollywoodianos Blade Runner e O Dia Depois de Amanhã.

No núcleo dessas questões também reverbera o futuro das cidades. Enquanto organismo complexo que engloba diversas esferas, sempre foi um desafio garantir o bem-estar do sujeito e manter o aparelho urbano funcionando de forma saudável. Desafio que se acirra principalmente desde a I Revolução Industrial, momento marcado pelo boom demográfico das cidades, fenômenos similares com os quais nos deparamos atualmente. Segundo a ONU, a expectativa é que a população mundial alcance cerca de 9,7 bilhões de pessoas em 2050.

Desde o início dos anos 2000, as cidades inteligentes, definidas como um “novo ideal urbano” pelo arquiteto Antoine Picon, têm ascendido como o discurso usado pelas poderosas empresas de tecnologia, como por exemplo Cisco e IBM — que dominam o campo de produção e operação desses serviços — e adotado por diversas administrações urbanas como o mecanismo perfeito para a soluções das questões urbanas através da utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s). Neste sentido, a instrumentalização das cidades, inserindo uma camada informacional de Internet das Coisas (IoT), conectado objetos e sensores inteligentes, parece o caminho para uma ágora contemporânea.

Mas será suficiente diante do atual cenário do planeta, mergulhado, por exemplo, numa degradação ambiental? A possível garantia de um futuro para as cidades e para a humanidade está no agora, em meio à disseminação das múltiplas versões dos smart (city, tv, watch, house, entre outros)?O físico britânico Stephen Hawking, por exemplo, não só foi além, como fez um alerta, durante o Starmus Festival, em 2017, afirmando que

é preciso colonizar a Lua e enviar pessoas até Marte como formas de garantir o futuro da humanidade.

Entretanto, para além da garantia de novas formas de habitação fora da Terra e independente de sua extinção e da celebração técnica da cultural digital escorada na proposta das smart cities para uma gestão urbana mais assertiva, talvez seja preciso, antes de qualquer coisa, garantir a plenitude de preservação do planeta que nos acolhe, garantindo os recursos naturais que possibilitam nossa existência, sendo, inclusive, a fonte de matéria-prima para artefatos e tecnologias que possibilitam a execução de nossas tarefas diárias nas diversas esferas sociais, como trabalho e lazer.

Diante desse contexto, é preciso olhar para outras perspectivas, mesmo aquelas que ainda não tenham soluções perfeitamente claras ou formatadas, mas que partem de um mesmo empenho: discutir, problematizar e propor soluções para problemas postos das cidades e do ser humano e outros ainda não visualizados. Assim, vale dar enfoque para os estudos que vêm sendo desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Mediated Matter, associado ao MIT Media Lab.

Chefiado pela bioarquiteta israelense e professora da instituição, Neri Oxman, o grupo, que inclusive conta um brasileiro no cargo de pesquisador assistente, talvez seja uma alternativa antes da extinção humana prevista por Hawking. A partir da interseção entre arte, design, arquitetura, computação e ciências biológicas a equipe se empenha no objetivo de pensar em soluções pela natureza e não simplesmente criando ações que interferem nos espaços, questionando a relação humano-natureza.

Nessa perspectiva, utilizando, por exemplo, a técnica de atribuir novas funcionalidades biológicas através da manipulação de DNA, o grupo é responsável pela criação de projetos como a Fabricação Aditiva Baseada em Água (tradução livre), que entre outras questões permite a fabricação de sistemas biodegradáveis em escala arquitetônica, e o Wanderers, que consiste na proposta de um wearbale para viagens espaciais a partir de organismos manipulados, projetos esses que inauguram um novo campo de estudo, denominado por Oxman de material ecology.

Talvez se pense num primeiro momento que as concepções do Mediated Matter não sejam repostas para essas emergências globais, como a superpopulação. Porém, seria mais certo afirmar que o grupo parte justamente de não buscar respostas, e sim problemas, como afirma a própria Oxman durante o episódio que narra sua trajetória na temporada mais recente da série original da Netflix, Abstract: The Art of Design, quando diz que na verdade o grupo se propõe justamente a criar problemas que não existem a fim de orientar e pensar em situações que possam vir a possibilitar um futuro possível para o ser humano na Terra.

Talvez os rumos para a humanidade permaneçam incertos por um tempo. Mas um consenso necessário é o fato de que se o planeta seguir nessa trajetória ignorando o aquecimento global e pautas ambientais, por exemplo, talvez sequer tenhamos tempo de habitar a Lua ou Marte, como proposto por Hawking, e ter a chance de usufruir da roupa para exploração espacial. É preciso um esforço de tornar as áreas de conhecimentos cada vez mais interdisciplinares e olhar para outras perspectivas para além daquelas que emergem como celebração do paradigma técnico atual, como as propostas pelas smart cities e o paradigma técnico-infocomunicacional vigente.

Pode ser que o futuro da humanidade esteja na própria origem seres vivos, suas formações, seu código genético e a materialidade gerada a partir disso. Seguiremos com a ideia de que se trata de mera experimentação ou pagaremos o preço para ver?

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Guilherme Oliveira
LAVINT
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Mestre em Comunicação, escritor e aspirante a UX Writer. Outros textos aqui: http://hiatonervoso.tumblr.com/