‘Pretty hurts’ e Beyoncé está certa: reflexões sobre o ideal de beleza imposto às mulheres

Madianne Nunes
LAVINT
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5 min readNov 13, 2019
Print do vídeo da música Pretty Hurts, de Beyoncé

As personalidades das mídias sociais, aquelas que têm milhares de seguidores vêm sendo destaque nos debates quando se trata de corpo, principalmente o feminino. É claro, essa discussão não é de hoje, muito menos surgiu dentro do contexto das mídias sociais; ele é um processo histórico, cultural e social que vem mascarando uma série de opressões direcionadas às mulheres, principalmente ao que diz respeito à beleza.

Se formos pensar, por exemplo, nos padrões de beleza vigentes nos deparamos com o corpo magro, esbelto, peles perfeitas e lisas. Essas características são “obrigações” destinadas às mulheres de forma muitas vezes implícita socialmente, mas ao mesmo tempo gritante, quando abrimos o Instagram, por exemplo, e somos constantemente bombardeadas de imagens o que torna quase impossível não querer nos reconhecermos através das imagens midiáticas, assim como é comentado por Lúcia Santaella, em seu livro “Corpo e Comunicação”, de 2003.

Essa questão é enfrentada por Naomi Wolf em seu livro “O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”, de 1992 com reedição de 2018, quando ela nos alerta para o fato da beleza aprisionar as mulheres, numa busca de algo inalcançável, uma vez que os padrões de beleza são historicamente modificados, fazendo, ainda de acordo com a autora, com que a beleza seja um mito, algo que não existe, de fato, mas impacta diretamente na vida de todas mulheres. A beleza dentro do contexto desse mito é posta muito mais com características de comportamentos do que mesmo a aparência; são atitudes e submissões que são esperadas das mulheres.

“Mama said: You’re a pretty girl
What’s in your head, it doesn’t matter
Brush your hair, fix your teeth
What you wear is all that matters” (Trecho da música Pretty Hurts, de Beyoncé)

Desde os anos 20 as revistas femininas vêm se tornando parte do dia a dia das mulheres, com “dicas” de dietas e exercícios físicos, como um claro recado social de que as mulheres devem ser magras e delicadas, assim como é destacado por Naumi Vasconcelos, Iana Sudo e Nara Sudo no artigo intitulado “Um peso na alma: o corpo gordo e a mídia”, de 2004.

Nesse mesmo artigo, as autoras fazem um apanhado histórico um tanto didático em que colocam o corpo magro no meio desse processo social que também é atravessado pela mídia, em forma de revistas ditas femininas, publicidade, cinema entre outros espaços midiáticos que retratam uma representação única de ser. Esse apanhado histórico que as autoras fazem é importante para gente começar a questionar esses mesmos padrões, até porque o corpo gordo já foi símbolo de sucesso e riqueza, enquanto hoje é lido como um “corpo desumanizado”, ao ser entendido como desleixado e preguiçoso, como aponta Denise Sant’anna em seu artigo “Cuidados de si e embelezamento feminino: Fragmentos para uma história do corpo no Brasil”, de 1995.

A maneira como o indivíduo lida, sente e percebe o seu corpo
reflete uma realidade coletiva, conseqüentemente, o corpo, antes de
tudo, passa a existir e ter um sentido dentro de um contexto social,
que o constrói, sendo-lhe atribuídas representações, constituídas de
sentidos, imagens e significados dentro de um universo simbólico,
tornando-se um fato cultural. (VASCONCELOS; SUDO; SUDO, 2004)

Particularmente, eu sou inclinada a perceber a beleza tal qual Naomi Wolf, como um mito… na verdade, como uma assombração que assola todas as mulheres de um jeito ou de outro. Podemos perceber esse assombro no relato da professora Elika Takimoto no texto “Cansei de tentar ser linda” em seu blog pessoal, onde levanta discussões pertinentes sobre temática apresentada nesse texto, como: o quanto as mulheres perdem dinheiro e tempo com beleza em comparação aos homens, que são respeitados e admirados usando apenas camisa branca e jeans, enquanto às mulheres são impostos uma série de rituais de beleza irreais, inalcançáveis e cansativos. E desse modo, ainda seguindo a linha de pensamento da professora Elika, como esses processos transbordam até para questões de trabalho, uma vez que os homens estão “à frente em tempo livre e em dinheiro só porque são homens. Não somente porque ganham mais, mas porque gastam menos também já que para serem considerados bem sucedidos, basta cuidar do conteúdo e tomar banho”.

E, ai de uma mulher que se atreva a deixar esses rituais de lado, adjetivos como desleixada logo aparecerão!

Podemos tomar como exemplos de algumas personalidades das mídias sociais e como a timeline parece refletir a perfeição da vida… a perfeição dos corpos! São mulheres admiradas e reconhecidas em várias partes do mundo, sendo ‘influenciadoras’ de beleza, o que na verdade remete a um tipo de beleza muito especifica e muito limitada. As Kardashians são apontadas por apresentarem um refúgio ao padrão da magreza, com curvas acentuadas, bundão, peitão… tudo grande, menos a cintura, que continua fina e marcada. Porém, a cirurgia plástica veio acompanhando esse suposto desvio do padrão. É claro, as Kardashians não foram pioneiras no quesito cirurgias plásticas, mas são representantes importantes dessa prática.

Apesar de toda a exposição da vida e de corpos perfeitos, essas personalidades usam constantemente diversos programas de edição de imagem para moldar ainda mais seus corpos, o que contribui ainda mais para a reflexão da construção social e cultural da beleza. A beleza não é requisitada com educação, ela é estruturante, de cima para baixo, e nós, mulheres, estamos em baixo (mas até quando?)

A reflexão que podemos tirar dessa pequena introdução a temática é que se as mulheres consideradas mais lindas e perfeitas do mundo se utilizam de Photoshop ou Facetune para reduzir ou aumentar formas de seus próprios corpos, por que nós precisamos nos concentrar em viver uma “vida de Instagram”, mesmo sabendo que o que é apresentado ali é só uma parcela muito pequena do que essas mulheres fazem e são?

Por último deixo aqui uma descoberta que fiz por indicação nos últimos tempos: um perfil um tanto interessante para seguir no Instagram, o CelebFace, que mostra closes de rostos de famosos ou fazem um antes de depois da foto de paparazzi em comparação às imagens que os mesmos postam em seus perfis. Perfis como esse se tornam muito importantes para que a gente não se sinta mal por não ter ‘aqueles’ corpos, até porque quem os têm, geralmente não os têm. :)

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Madianne Nunes
LAVINT
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Escrevo pra não transborar... ou transbordo enquanto escrevo? Ainda não decidi